Capítulo 22 | Faminta

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Minha cabeça lateja e eu podia sentir que meus músculos contraiam involuntariamente. Arrastei-me da cama e pus as pernas para fora, apoiando os cotovelos sobre as coxas e arquejando com a fisgada que irrompia dolorosa da têmpora. Esfreguei meus olhos e analisei ao redor, constatando que estava no quarto de Travis.

Olhei pela janela e vi pelo céu acinzentado que ainda era muito cedo.

Levantei-me da cama e segui em direção a porta que estava entreaberta e puxei-a silenciosamente, passando por ela ao sair no corredor.

Havia mais três portas além da minha e isso me fez olhar ao redor com curiosidade. Por que Travis precisava de uma casa tão grande?

Olhei para a porta mais próxima da que eu saíra e me atrevi a girar a maçaneta, tentando fazer o mínimo barulho possível e a empurrei o suficiente para que meu corpo pudesse passar, deparando-me imediatamente com o corpo de Travis na cama de casal enquanto dormia. O lençol lhe cobria do quadril ao meio das coxas e sem camisa, seu corpo forte ficava amostra as costas largas. Avancei mais alguns passos, ainda o analisando deitada do lado, um braço passava por baixo do travesseiro, tencionando o músculo do trapézio, enquanto o outro estava esticado ao lado do corpo. Uma perna outra flexionada e a outra espichada.

Desviei o meu olhar dele e vasculhei ao redor rapidamente, parando no telefone celular que havia ao lado dele, sobre o criado mudo.

Estiquei furtivamente o braço para pegá-lo e capturei-o fechando os dedos e puxando-o para mim. Meu olhar voltou-se para Travis e eu dei um pulo para trás, com o susto ao encontrar seus olhos abertos e fixos em mim.

Travis gesticulou com a mão, pedindo o celular de volta, e eu hesitei em devolvê-lo, recusando-me em seguida num gesto de cabeça. Ele se sentou à beira da cama, colocando as penas para forma e me analisou.

— Para quem você quer ligar? — perguntou, e isso reverberou na minha cabeça.

Não tinha ninguém. Stayce estava morta. Eu estava sozinha. Balancei a cabeça novamente, negando, assustada com a realidade.

— Policia? — indagou, levando-se devagar, a calça xadrez azul esticou-se nas penas, e avançou com cautela. — Você não pode falar com a polícia, está bem? — Ele estava mais perto, dessa vez, e os meus olhos se arregalavam à medida que ele se tornava maior, devido à proximidade. — Eles vão prender você e vão começar a me procurar, isso não pode acontecer, Amy.

Balancei a cabeça com veemência em negativa, quando a mão dele deslizou pelo meu braço e desceu até o pulso, tirando o celular da minha mão. Eu não iria ligar para a policial, também não queria ser presa e muito provavelmente eles não acreditariam no que eu tinha a dizer.

Meus músculos se tencionaram

— Eu não sei o que estou fazendo. — Assumi com a voz entrecortada, deixando um pouco do desespero transparecer.

Travis colocou o telefone de volta no criado-mudo e de voltou para mim, repousando a mão pelos meus ombros.

— Vai ficar tudo bem. — disse, afagando os meus ombros. — Eu preciso terminar o que comecei, mas dessa vez você vai ficar fora disso. Tudo bem? — perguntou e eu abaixei o olhar, assentindo que sim com a cabeça.

Um barulho reverberou do meu corpo, mais precisamente do meu estômago e Travis deixou uma risada escapar, quando abaixei o olhar e o ergui novamente.

— A larica — disse — essa é a melhor parte. — Alegou, afastando-se de mim. — Eu vou buscar alguma coisa para você comer.

Ele saiu e a minha barriga continuou a incomodar, então ultrapassei a sala ampla, seguindo em direção à cozinha e abri a geladeira.

Leite. Cerveja. Pasta de amendoim. Duas fatias de Pizza de alguns dias, franzi o rosto para a ideia que não me pareceu tão desagradável. Puxando a caixa dali e devorando as duas fatias, ainda sem resolver o problema da fome. Abri o armário aéreo e encontrei algumas caixas de cereais. Olhei ao redor, e abri a porta ao lado, pescando uma tigela de vidro.

Virei a caixa e despejei uma quantidade exagerada de cereal, mas dei de ombros, abrindo a geladeira de volta para pegar o leite. Abri as gavetas que havia no armário numa busca rápida por uma colher, até finalmente encontrar os talheres. Sentei na mesa e comi todo o cereal com a sensação de que não era tanto quanto parecia ser.

Quando dei a última colherada, o leite desceu aglutinado na garganta, porque Travis abriu a porta e seu olhar alternava entre mim, a caixa de pizza e as coisas que usara para preparar o cereal.

— Trouxe donuts, mas já deveria saber... — Ele disse, colocando a caixa larga sobre a mesa ao deixar uma risada cômica no ar.

Ela abriu a caixa e várias rosquinhas coloridas, confeitadas chamaram a minha atenção.

— Posso comer uma? — hesitei um pouco em perguntar.

Um vinco se formou entre suas sobrancelhas e ele assentiu num gesto de cabeça contido. Estiquei o braço e peguei uma, levando-a diretamente a boca.

— Isso é muito, muito bom. — Comentei, quando dei a primeira mordida e apreciei o sabor doce e a textura macia em minha boca.

Travis se sentou na cadeira, em volta da mesa redonda, de frente para mim e continuou a me encarar com o seu olhar fixo.

— O que foi? — indaguei incomodada, soltando o doce sobre a mesa depois da segunda mordida.

Os olhos dele se estreitam, e ele cruzou os braços sobre a mesa.

— Eu estou me acostumando com a ideia. — Respondeu.

Pausei, enviesando o olhar em resposta, confusa. Pensando sobre ô que ele poderia estar falando.

— Você gostava disso antes — informou apontando para o doce — e por mais que não se lembre, ainda tem os mesmos gostos e impulsos de antigamente. — Esclareceu, e eu dei de ombros abaixando o olhar ao coçar a cabeça. Meus cabelos estavam presos num nó alto.

Exalei profundamente, analisando Travis de esguelha, passando a ponta do dedo polegar contra o tecido da manga da blusa. Seus olhos estavam fixos nos meus de um jeito vidrado e fascinado. Isso fez lembranças da última noite esquentar as minhas bochechas ao rememorar o instante em que ele esticou o braço para me devolver o cigarro. A cena continuou a passar como um filme, até que Ernest bateu a porta ao ir embora. Franzi o cenho e engoli a seco, surpresa porque, as minhas memórias se tornaram um borrão embaçado dali em diante.

— Você sabe dizer se eu fiz alguma idiotice ontem? — questionei, pegando o doce novamente — porque eu não estou conseguindo me lembrar de nada — informei constrangida, apoiando um cotovelo sobre a mesa e apoiar a cabeça na mão.

Travis deglutiu e continuou a me encarar, dessa vez mais inclinando e muito mais curioso e depois de um bom tempo ele balançou a cabeça.

— Não — respondeu. — Você não se lembra? — indagou, jogando o corpo para o encosto da cadeira — e eu demorei um pouco, hesitante, em confirmar com um gesto contido de cabeça. — Eu troquei seu curativo e você foi para a cama.

Estiquei os braços e abaixei o olhar para as minhas mãos praticamente cobertas pela blusa de lã, mexendo nos fios e abri um sorriso amistoso ao concordar com a cabeça.

TOUGH - CONSPIRAÇÃO [Concluído]Onde histórias criam vida. Descubra agora