Felipe
Felipe andava sem rumo. Não queria voltar para casa. Não queria ter que lidar com o próprio pai, mesmo que a relação entre os dois estivesse consideravelmente diferente desde o dia anterior. Ele queria mesmo era espairecer e entender a confusão de sentimentos que nutria em relação a Lola.
Apenas continuou andando pelas ruas desertas. Já passava das vinte horas e até as luzes da rua estavam baixas, como se a cidade estivesse dormindo. Deixou-se vagar, pensando na vida. Parou na praça da cidade. Sentou num dos bancos e olhou para sua vida. Ela era dividida em duas partes.
Antes de Maria de Lourdes. Depois de Maria de Lourdes.
No domingo, ele tinha se aproximado de uma garota que nunca olhara para ele antes, que nunca se interessara em olhar para ele antes. Conheceu um daqueles caras populares e bonitos que o convidou para ir a uma daquelas festas que pessoas populares vão. Ele ficou bêbado, usou drogas e depois recebeu atenção de Eric, a lenda viva daquela escola, e de Juno, a menina mais popular que ele já conhecera.
Era surreal como em menos de vinte quatro horas, só porque ajudou um cara aleatório a esconder umas gramas de maconha, ele foi inserido naquele grupinho seleto de adolescentes legais. Qual é, ele era só um nerd! Não era assim que as coisas aconteciam na vida real. Alguma coisa daria muito errado, ele tinha certeza.
Talvez por isso ele sentisse tanta raiva de Lola. Por mais que o convite para ir à festa tenha vindo de Luan, foi ela quem o convenceu a ir aquele lugar. Ela era quem ficava tentando se safar dos problemas que teria se alguém descobrisse que tudo saiu de controle e, de quebra, acabava tendo que ajuda-lo. Ela estava quebrando a ordem natural das coisas. Ele nem queria imaginar quais seriam as consequências.
Por outro lado, desde a segunda-feira, seu pai estava tratando-o como nunca o tratara antes. Finalmente, ele era o filho que trazia orgulho para a família. Afinal, Felipe agora tinha uma namorada. Essa era a prova definitiva de que ele não era gay. A reputação da família estava salva e Felipe não era mais tratado com a grosseria de sempre. O que era até legal, mas também o deixava angustiado, porque ele ficava imaginando o que aconteceria quando Alberto, seu pai, descobrisse a verdade: Felipe não tinha namorada.
O menino decidiu que precisava desabafar com alguém. Só havia uma pessoa que seria capaz de entende-lo naquele momento, seu único e melhor amigo: Gabriel. Então, ele levantou do banco e seguiu para a casa do amigo.
Chegou à casa de Gabriel. Era uma moradia grande, na cor amarela, com luzes acima da porta. Parecia a casa de um filme de Hollywood. Felipe sempre gostara dela. Sempre parava para olhar um pouco, mas não naquele dia. Tratou logo de tocar a campainha. Lara abriu a porta.
— Ah, oi, Felipe! — Ela sorria. — Vou chamar o Gabriel.
— Não! Não precisa — Felipe atirou antes que ela entrasse. — Eu vou subir.
Lara franziu o cenho, contudo, deixou-o passar. Felipe e Gabriel haviam crescido juntos. Em todos esses anos, Felipe nunca aparecera de supetão. Porém, como para tudo há sua primeira vez, Lara manteve-se calada.
Felipe entrou na sala. O ambiente também parecia de filme. Toda a casa era assim. Parecia que era o sonho da mãe de Gabriel ou algo do tipo. Viver como em um filme. Era mágico e assustador ao mesmo tempo.
Quando chegou ao segundo andar, nem parou. Foi direto ao fim. De frente para a porta do quarto de Gabriel, nem sequer bateu, apenas entrou.
— Não pede mais licença, não, é? — Gabriel perguntou assustado, congelando a TV no momento exato em que Ned Stark chegava à Porto Real.
— Não sabia pra onde ir — Felipe sentou no pufe que ficava no canto do quarto — daí vim pra cá.
Gabriel desligou a televisão e se endireitou na cama.
— O que rolou? — Ele perguntou, franzindo o cenho do mesmo jeito que Lara fizera.
— Não sei. Tanta coisa. — Felipe colocou a cabeça por entre os braços. — Sei nem por onde começar.
— Que tal pelo seu namoro com a Maria de Lourdes? — Felipe olhou para Gabriel desconfiado, sem ter nenhuma noção de como ele sabia sobre essa história. — Que foi? Eu estava passando na hora. — Gabriel deu de ombros.
Felipe suspirou.
— É falso.
— Eu imaginei. Quer contar como isso aconteceu?
E Felipe jogou tudo. Cada pedaço da história. Falou sobre a noite de domingo, sobre a conversa que tivera com Juno e como Eric defendera Lola das acusações da amiga. Seu medo de ser descoberto. O encontro com o pai na escola, no dia seguinte. A intervenção ridícula de Lola e a mentira que inventara para não piorar a situação. Cada segundo.
Falou também do convite de seu pai e da ida à casa da Maria de Lourdes. Descreveu a mãe de Lola, o quarto dela e detalhou a conversa que tiveram. Contou sobre o beijo e sobre o que sentiu. Não conseguiu deixar nada de fora. Uma vez que começou a falar, o resto veio. Era como se sua fala estivesse presa e agora fosse finalmente liberta. E a cada palavra, vinha uma sensação de alívio. Era bom dividir.
— O pior de tudo, a pior parte — Felipe começou — é que eu acho que estou começando a gostar de Lola, de um jeito bem estranho, porque também sinto muito raiva dela.
Gabriel olhou para ele. Ouvira tudo com muita atenção, sem intervir. Mas agora vira a chance de falar. Não a desperdiçou.
— Você está muito ferrado.
Felipe assentiu. Ele sabia que era verdade. Lola era problema. Os dois eram diferentes demais. Vinham de mundos incrivelmente desiguais e suas crenças, ah, elas não possuíam pontos em comum. Bastava olhar para as camisas polo dele e para as roupas rasgadas, pretas e cheias de brilho dela. Se a embalagem dizia muito sobre alguém, a deles gritava que não tinham nada a ver um com o outro.
Além de tudo, eles vinham de mundos muito diferentes. Juno estava muito certa quando dizia que eles não deveriam nem ser amigos, para começo de conversa. A interferência daquela garota em sua vida não traria nada de bom.
Felipe estava, como havia dito Gabriel, muito ferrado.
Completamente ferrado, de um jeito que nunca sequer sonhara que poderia estar algum dia. Sua vida iria virar uma loucura.
No entanto, em seu âmago, borboletas giravam e ele até que ansiava por toda a confusão que viria. Mas ele teria que matá-las, se quisesse que sua vida voltasse ao normal.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Ovelhas Negras
Teen FictionO garoto popular. A garota problema. O nerd. Três adolescentes com absolutamente nada em comum. Uma noite. Uma festa. Um problema. Foi o suficiente para unir os três. Juntos, eles percebem que tem mais em comum do que apenas famílias tradicionais e...