Felipe
O menino não conseguia parar de sorrir. Era involuntário. Os músculos do rosto puxavam automaticamente a boca para cima, num conhecido sinal de felicidade. O dia, como que para combinar com seu humor, estava belo. Ou talvez fosse seu olhar que deixava o sol mais brilhante e as cores mais bonitas. Até as árvores pareciam mais vivas — o que era bem raro, devido ao péssimo cuidado que recebiam.
Seu coração estava transbordando dos mais magníficos sentimentos. Como que para comprovar isso, seu corpo começou a dançar no meio da rua. Na falta de transeuntes, os postes eram seu par. A plateia, as casas pelo caminho. E a música? Ah, a música era o som da bela voz de Maria de Lourdes concordando em ser sua namorada — de mentirinha, é verdade, mas ainda sua namorada. Naquele momento, Felipe tivera certeza, porque a felicidade que estava sentindo só podia significar uma coisa, ele havia se apaixonado por Lola. E não fazia ideia de como aquilo foi acontecer.
Passou todo o caminho de volta para casa relembrando aqueles momentos no quarto da garota. Ela era tão única no mundo. Ele a admirava, acima de tudo. A garota tão diferente que escondia tantas qualidades, tantos defeitos e possuía o olhar mais fascinante que Felipe já vira. Era mais que atração física aquilo que estava sentindo — talvez nem fosse atração —, era a sua alma necessitando dela e daquela personalidade tão diferente.
Ao chegar à porta de casa, se decidiu. Iria chamar seu pai e sua mãe para uma conversa séria naquele momento. Enquanto pegava as chaves, criava um pequeno texto com tudo o que queria falar. Quando entrou e viu a sala vazia, perdeu um pouco a coragem, mas sabia, em seu íntimo, que teria de continuar.
— Mãe! Pai! — Saiu gritando pela casa sem, entretanto, achá-los em lugar algum.
Deu uma segunda volta pela casa e foi aí que, por puro acaso, notou um pequeno bilhete pregado na geladeira. Dizia:
"Fomos ao Victrola. Nos encontre lá."
Felipe amassou o papelzinho na mão e o jogou na mesa da cozinha. Saiu correndo atrás do telefone. Ligou para um táxi e, de tão ansioso, ficou esperando na calçada. Suas mãos batiam nas pernas, num batuque. Os pés mal paravam quietos, já haviam criado um pequeno ritmo no chão, tantas eram as vezes que estava batendo ali. Queria que o taxista chegasse logo. Precisava encontrar seus pais o mais rápido possível. Não aguentava mais esperar.
Um carro branco virou a esquina e Felipe correu de encontro a ele. Nem deu "Bom dia" ou cumprimentou quem estava dirigindo, apenas abriu a porta e entrou. Deu o endereço e viu o carro ser guiado, através das ruazinhas antigas, para fora da cidade.
O Victrola, restaurante preferido de sua mãe, na verdade não era bem um restaurante. Apesar de ter uma extensa carta de vinhos a disposição de seus clientes, sua maior atração eram os cantores de blues e jazz, além, é claro, dos finos petiscos que serviam. Além de tudo, ficava fora da cidade, na parte bucólica do município.
O estabelecimento era alojado numa grande fazenda, pertencente à família que fundara a cidade. Era enorme o local. Ali havia um hotel, um memorial, uma pequena igreja de pedra e mais dois restaurantes — o Maison e o Sabores da Terra. O primeiro era especializado em culinária francesa, enquanto o segundo servia a típica comida baiana com um toque gourmet — o que, na cabeça de Felipe, tirava toda a graça do acarajé, do vatapá e de todas as outras iguarias.
Fosse como fosse, era um ambiente restrito. Apenas a alta sociedade local o frequentava, tornando-o fino e elegante, porém bastante esnobe. Felipe não gostava dali. Não mais. Toda aquela pompa e formalidade perderam a graça depois de algum tempo — agora achava tudo cansativo demais. Se não fosse sua necessidade urgente de contar ao seu pai que não terminara o namoro, fingiria que não tinha visto o bilhete e iria almoçar na casa de Gabriel.
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Ovelhas Negras
Teen FictionO garoto popular. A garota problema. O nerd. Três adolescentes com absolutamente nada em comum. Uma noite. Uma festa. Um problema. Foi o suficiente para unir os três. Juntos, eles percebem que tem mais em comum do que apenas famílias tradicionais e...