A última vez que ela foi vista

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Felipe

O sinal do intervalo tocou. Os corredores se transformaram numa pista de corrida onde o vencedor comprava o melhor lanche na cantina. Os alunos mais novos desciam as escadas tão rápido que era possível ouvir seus passos ecoando pelo piso — o som se parecia ligeiramente com cavalos trotando no paralelepípedo. A turma do terceiro ano, entretanto, permanecia na sala de aula até toda a bagunça acabar.

Normalmente, ficavam conversando em seus grupos até o barulho do sino cessar. Contudo, naquela manhã, Felipe não estava seguindo essa ordem natural. Assim que o intervalo começou, ele se espremeu no meio dos alunos mais novos. Não queria conversar com ninguém. Nem mesmo com Gabriel. Estava se sentindo culpado demais.

No dia anterior, ele fora acusado de ser gay pela irmã gêmea de seu melhor amigo e a única pessoa que fez a menina calar a boca foi Lola. Porém, isso não o impediu de ignorar a garota no fim da aula ou de não atender as várias ligações dela. E, hoje, ela faltara à aula. Mesmo que nos anos anteriores ela tenha levado vários avisos para casa por matar aula, este ano, Lola possuía uma frequência invejável. Ele estava preocupado. E com medo de ser sua culpa.

Claro, deveria estar preocupado consigo mesmo. Lara destruíra sua reputação. Os meninos faziam piada com a situação e ainda a imitavam falando. Pareciam não se importar se ele fosse ou não gay. Contudo, Felipe nunca teria certeza. O que falavam dele por trás? O que os pais de seus amigos falariam quando descobrissem sobre as acusações? Se seu pai ouvisse aquilo, ele seria um estudante morto.

Ele tinha que se preocupar consigo mesmo e com todo o estrago que Lara havia feito. Sabia disso. Entretanto, a única coisa que ocupava seus pensamentos era Maria de Lourdes. A menina invadia todos os seus sentidos e, às vezes, ele podia até vê-la, flutuando na sua frente e falando com aquela voz que era uma mistura de despreocupação e desafio:

— O que acontecer comigo será culpa sua, Felipe. Todinha sua.

Ouvia até o riso contagiante dela após cada palavra.

Balançou a mão na frente do rosto para espantar tudo aquilo. Estava começando a ficar paranoico. Tinha que se preocupar consigo. Ele repetia isso mentalmente, diversas vezes. Precisava resolver o problema que Lara lhe causara, precisava recuperar sua reputação.

Não conseguia. Em todas as tentativas, Lola voltava a sua mente. Era como se ela, mesmo à distância, quisesse lhe dizer algo.

Teria de dar um basta naquilo.

Andou pela escola a procura de Luan. Ele era, de fato, o melhor amigo da garota. Para desencargo de consciência, Felipe checaria com ele se Lola estava bem.

Luan estava recostado num canto da quadra do colégio. Estava cercado por algumas meninas do primeiro ano que não paravam de soltar risinhos. Ele agia como se não percebesse, mas Felipe tinha certeza que ele estava adorando aquilo. Luan sabia que era bonito. Era até impossível não saber quando se tinha lábios tão atrativos e um corpo incrível como aquele.

Ao se dar conta do que pensava, Felipe deu um tapa na própria testa. Ele não achava Luan atraente. Ele não era gay. Não podia ser gay. Ele se sentia atraído por Lola. Só havia sentido vontade de beijar o garoto nada demais. Ele não era gay.

Ia brigando com a própria consciência enquanto se aproximava de Luan. E quanto menor era a distância entre os dois, mais rápido o coração de Felipe batia. Estava experimentando novamente as sensações que tivera no banheiro. O nervosismo e toda aquela onda de desejo percorriam o seu corpo e eriçavam os pelos de seu braço.

— Posso falar com você? — Ele perguntou, com grande esforço, para sua voz não lhe trair. — Em particular — acrescentou.

Luan ergueu a sobrancelha, porém o acompanhou sem dizer uma única palavra. Afastaram-se poucos metros das meninas quando Luan virou e, passando a língua pelos lábios, perguntou:

Ovelhas NegrasOnde histórias criam vida. Descubra agora