Quem vai ficar?

185 23 1
                                    


Maria de Lourdes

Eles foram até uma espécie de píer nos arredores da cidade, perto do rio. Ali, havia um pequeno bar. O barman era um homem careca com cara de poucos amigos. Apesar de ser dia, o bar era incrivelmente escuro. Como Lola ainda não tinha almoçado, eles pediram uma porção de engorduradas batatas fritas. Eram horríveis e tinham gosto de óleo, mas a Coca-Cola que Eric pediu ajudava a engolir.

O rapaz estava sendo bem gentil, largando suas responsabilidades para cuidar dela e até mentindo para seus pais sobre onde estava — tudo porque Lola disse que não queria perguntas sobre Catarina e Lucas. Eric concordou com tudo, desde que ela não bebesse. A menina atribuiu esse cuidado todo ao fato dele estar estudando para ser médico.

Depois de algum tempo, ela decidiu ligar o telefone. Havia várias ligações perdidas de sua mãe. Lola pensou em ligar de volta, porém, só em pensar na quantidade de broncas que iria ouvir, ela afastou aquilo de sua cabeça. Eric não era Luan, que apenas com um sobrenome fazia sua mãe ficar de bom humor pelo resto da semana. Ela desligou o celular de novo e colocou-o no bolso da calça, para não ser incomodada.

— Então — Eric perguntou, virando o último gole de sua cerveja —, está mais calma agora?

— Eu nunca estive nervosa. — Ela revirou os olhos. — Mas sim, eu estou me sentindo melhor.

Ela não estava mentindo. Conversar com Eric a ajudou a relaxar. A esquecer Felipe e Luan, e as acusações de Lara. Eles eram amigos, ou mais que isso, que não se viam há algum tempo — isso contava para alguma coisa. Contaram sobre suas vidas atuais, mas, dessa vez, contaram de verdade. Nada daquelas amenidades que permeavam os diálogos dos dois sempre que se esbarravam sem querer, como naquela noite na casa de Juno, quando toda aquela confusão começara.

— Sabe — ele disse —, meu pai sempre disse que você seria igualzinha ao Lucas. — Eric a fitava intensamente. — Olhando para você agora, eu acho que o velho tinha razão.

— Eu não gosto de falar sobre ele. — Lola abaixou a cabeça e fitou a lata de coca. — Você sabe disso.

— Meu pai também não — Eric contou. — Ele ficou bem chateado. Diz que Lucas nunca tinha feito algo desse tipo. Ir embora e não dizer para onde ia.

— Você nunca me disse isso. — Ela riu amargamente.

— Você nunca perguntou. — Eric deu de ombros.

Nesse momento, Lola levantou a cabeça e encarou Eric.

— Ele gostava de viajar?

— Bem, foi assim que meu pai e seu pai se conheceram — Eric respondeu, contendo um riso que teimava em escapar por entre seus lábios. — E nas fotos de viagens de meu pai, seu pai sempre está ao lado dele. Então, acho que ele deveria gostar um pouco.

— Eu nem sabia que meu pai tinha dinheiro para viajar assim — ela murmurou, porém Eric ouviu, porque respondeu:

— Bem, até onde meu pai conta, Lucas herdou uma pequena fortuna dos seus avós.

Herdeiro. E aventureiro. Era incrível a quantidade de coisas sobre o pai que ela não sabia. Dos amigos dele, só conhecia Garcia e Sandra. Não lembrava qual era sua profissão, nem sequer lembrava-se de ver o pai trabalhando quando moravam juntos. A única coisa que sabia com certeza era que um dia, quando tinha nove anos, acordou e seu pai não estava mais em casa. Ele nunca mais voltou. Ligou algumas vezes durante aquele ano e no aniversário de trezes anos dela. Depois disso, desapareceu de vez.

Nunca lhe ocorreu perguntar algo a Garcia e Sandra. Muito menos conversara sobre isso com Eric, alguma vez. Preferiu fingir que o desaparecimento de Lucas não lhe afetava em nada.

Ovelhas NegrasOnde histórias criam vida. Descubra agora