É tudo mentira

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Maria de Lourdes

O estômago da menina roncava. Já passava e muito do meio-dia e ela ainda não havia almoçado. Contudo, estava proibida de reclamar, sob pena de sua situação acabar piorando. Por isso, Maria de Lourdes permanecia calada, sentada no sofá duro da sala, ouvindo a voz irritante de sua mãe. Catarina falava gritando e sem parar, como se as palavras fossem mudar algo.

Lola já havia passado por aquela situação milhares de vezes. Sempre que era suspensa, Catarina fazia o mesmo discurso. A filha fingia que estava escutando e que iria melhorar, quando, na verdade, mal via a hora de ficar sozinha com seu fone de ouvido e sua música que ninguém mais ouvia.

No momento em que a mãe calou a boca, Maria de Lourdes agradeceu aos céus. A ausência daqueles gritos estridentes e perguntas retóricas era maravilhosa. Poder ouvir seus pensamentos sem a interferência de uma bronca chata era uma dádiva.

— Posso ir? — Lola perguntou, como se não tivesse prestado atenção em nada do que a mãe falara, o que realmente havia acontecido.

Catarina abanou a mão em um claro gesto de permissão. Maria de Lourdes pulou do sofá e correu à cozinha. Abriu o armário, tirou alguns biscoitos e salgadinhos de lá, colocou-os dentro da mochila do colégio e, em seguida, abriu a geladeira. Tirou duas latinhas de energético e três de Coca-Cola. Quando estava prestes a entrar no quarto, sua mãe a parou com um grito.

— Aonde pensa que vai com essa comida toda? — ela perguntou, com as mãos na cintura, feito uma ditadora.

— Paro o meu quarto?

— Acho bom. — Catarina parecia ter concluído o pensamento, quando voltou atrás e disse algo mais: — Lembre que está de castigo. Uma semana sem sair de casa.

Lola, que já estava com a mão na maçaneta da porta, prestes a abri-la, estacou. Virou o corpo de frente para a mãe. Não podia acreditar no que estava ouvindo. Tentar restringir horários, cobrar o tempo inteiro, tudo bem. Estava acostumada com isso, mas sua mãe nunca — NUNCA — havia lhe colocado de castigo. Pelo menos não desde que se lembrava.

— Como é? — Lola perguntou, ainda sem acreditar.

— Você ouviu muito bem. — Foi tudo o que Catarina disse, antes de dar as costas à filha e rumar para o próprio quarto.

A menina ainda ficou um tempo parada, com a mão na maçaneta. Não estava acreditando naquilo. De castigo! Era tão surreal que ela começou a rir histericamente. Como era possível? Castigo aos dezessete anos. Só podia ser piada! Lola entrou no quarto e deixou a porta bater atrás de si, com força, ainda rindo da atitude da mãe.

Dentro do quarto, a menina abriu um pacote de salgadinho e o refrigerante. Conectou os fones de ouvido no CD player e colocou uma das bandas que mais escutava para tocar. Logo estava ouvindo a voz da Taylor Momsen cantar os primeiros versos de "Make me Wanna Die". Alteou o volume e isolou-se dentro da própria mente, procurando uma forma de fugir da prisão em que acabara de ser colocada.

Estava tão concentrada que quase não viu as mensagens que Luan e Felipe lhe mandavam. Ela respondeu aos dois, explicando da maneira mais breve possível o que ocorrera. Aproveitou para avisar que estava de castigo e não poderia sair de casa durante uma semana. Para Luan, entretanto, ela disse algo a mais. Pediu ajuda. Uma forma de escapar dali. Queria contar a ele, pessoalmente, sobre a ligação estranha de Eric.

O menino, sempre tão eficiente quando se tratava de burlar regras e ser rebelde, logo lhe respondeu com um variado cardápio de ideias. Lola analisou as opções e decidiu o que queria. Tratou então de tomar banho, se arrumar e bater no quarto da mãe. Como ela não respondia, a menina abriu a porta com tudo, o que fez com que Catarina levantasse a cabeça do travesseiro.

Ovelhas NegrasOnde histórias criam vida. Descubra agora