A aprendiz

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Florence Melody era uma garota baixinha que sempre sofreu nas mãos de seus colegas da escola. Médium de berço, a humana sempre foi capaz de ver espíritos e conversava com eles naturalmente, consolidando-se como uma pessoa estranha para todos da vizinhança. Aos seis anos, cansada das provocações de seus colegas, ela explodiu em raiva, emitindo fortes ondas mentais e arremessando todas as carteiras de sua sala de aula. O incidente deixou várias crianças feridas e a obrigou a mudar de cidade. Com medo de seus poderes, a garota passou a treinar secretamente, falhando dia após dia em suas tentativas de controlar a força de sua mente. Assim, ela se tornou uma pessoa distante e isolada, sempre afastando as pessoas ao seu redor para evitar novos acidentes.

Obviamente, tudo mudou com a Crise do Portal. A confirmação da existência do sobrenatural a incentivou a prosseguir com seus treinos e buscar por algum mentor na Baía dos Lírios. Seu sonho levou alguns anos para ser concluído, afinal, ela precisou de bastante dinheiro para sair do interior da França e chegar até a capital do bizarro. Enfim, ela conseguiu realizar seu sonho aos vinte e dois anos e se viu maravilhada diante da cidade.

Não havia um padrão do que era normal ali. A sociedade não tinha poderes sobre a individualidade dos cidadãos daquela cidade maravilhosa. Pensar que seus poderes seriam considerados apenas uma peculiaridade sem importância era emocionante o suficiente para fazer a garota derramar lágrimas de alegria. O que restava era encontrar um mestre.

Ela vagou pela cidade com um sorriso no rosto pedindo informações, mas todos estavam ocupados demais ou cobravam caro demais para o baixo orçamento da garota. Decepcionada, ela sentou-se no banco de uma das praças da cidade e ficou admirando a beleza de um chafariz. Florence perdeu a noção do tempo até que alguém sentou-se ao seu lado. A garota olhou para seu lado e Anabelle estava encarando-a com um sorriso sutil em seu rosto.

- Boa tarde, jovenzinha! - exclamou a mudrost, amigavelmente.

- O-olá.

- Você estava com uma expressão de derrota no rosto e eu vim saber se precisava de alguma ajuda.

- Sua sinceridade é meio dolorosa e eu não sei se poderia me ajudar.

- Não custa tentar, querida.

- Então, acontece que eu tenho poderes psíquicos fortes, mas tenho grandes dificuldades para conseguir controlá-los e queria alguém para me ensinar.

- Poderes mentais, é?

Anabelle tocou a testa da humana e entrou em sua mente, comprovando sua grande capacidade psíquica. Sua natureza inocente, sua fome por conhecimento e seu passado de isolamento social a faziam uma ótima candidata para um experimento.

- Vejo que você realmente tem um grande potencial, senhorita Florence Melody. - disse a mudrost.

- Espera, você também tem poderes psíquicos?

- Minha raça nasce sabendo usar todo o potencial de sua mente e usam o terceiro olho como um amplificador para essas habilidades, por isso o mantém aberto.

- Mas o seu está fechado.

- Sou uma exceção. Só preciso dele para coisas muito mais específicas, como contatar as pessoas do outro lado da tela.

- Tela?

- Esquece, você não entenderia. O que importa é que eu sou a mudrost mais poderosa da história e estou disposta a ensinar a você os caminhos da mente.

- Sério? Meu Deus! Eu não sei como te agradecer! O que você pedir estará feito!

- Bom saber. Tenho apenas uma condição para estabelecermos esse contrato: você deve sua lealdade absoluta a mim. Saiba que eu usei meus poderes para causar a ruína da minha sociedade e pretendo espalhar o caos por essa cidade maravilhosa.

Um calafrio percorreu a espinha de Florence. Ela quis acreditar que Anabelle estava brincando, mas sua intuição dizia que era verdade. Os conceitos de ética e moral ensinados por seus pais não pareciam ser uma barreira naquele momento. Eles nunca a levaram a nada além da isolação, tristeza e solidão. A garota realmente estava determinada a atingir seu objetivo a todo custo.

- Não tenho objeções. - respondeu Florence, confiante.

- Fico feliz que tenha aceitado. Assim não preciso apagar sua memória.

- E eu estou feliz de não ter a memória apagada. Aliás, achei que iria me matar caso eu negasse.

- Não sou tão direta. Se eu quiser alguém morto, eu prefiro fazer com que essa pessoa se mate. Aliás, tenho outra condição agora que você aceitou a primeira. Durante o treinamento, pedirei a você que invada mentes alheias como exercício. Dito isso, há três pessoas nessa cidade que eu lhe proíbo de tentar acessar as mentes.

- Sou toda ouvidos.

- A primeira é Luna, a sacerdotisa que mora num templo nos arredores da cidade. Ela possui uma imensa energia espiritual, sua mente é blindada, ela tem um amigo anjo caído e se irrita com muita facilidade. A segunda é a prefeita Angelina Viktoryia. Essa humana tem um temperamento forte e a cidade a ama demais. A terceira pessoa é Peter Gavin, o único policial humano da Baía dos Lírios. Espero que tenha entendido.

- Desculpe a pergunta, mas por que devo evitar esse humano?

- Porque ele é meu namorado e eu não tenho a menor intenção de dividir com outro ser vivo.

A médium pôde sentir a raiva na voz de sua mentora, que tinha se mantido serena desde o começo da conversa. Florence se desculpou e seguiu a mudrost até sua cabana na floresta, onde seria sua nova moradia. Satisfeita, a humana acalmou o pouco que restava da sua consciência com a afirmação de que tudo na vida requer sacrifícios.

Baía dos LíriosWhere stories live. Discover now