Baía dos Lírios

Um bom policial

Peter Gavin era o policial que toda cidade gostaria de ter. A honestidade em pessoa, apaixonado pela justiça e determinado a arriscar sua vida em prol de um bem maior. O jovem prodígio se formou com todas as honras possíveis para um aspirante a policial e acabou em uma cidade no interior de Nevada. Era a típica cidade pequena onde praticamente todos se conheciam e a criminalidade era baixa. Porém, baixa e inexistente eram coisas completamente diferentes para o jovem policial, que levou apenas um ano para limpar as ruas, deixando-o completamente entediado e frustrado pelos dois anos seguintes que permaneceu naquela delegacia.

Indignado pela falta do que fazer e ansiando por justiça, Peter pediu transferência para algum lugar onde suas habilidades fossem necessárias. O delegado era um velho gordo e amargurado que sempre se incomodou com o contraste entre sua incompetência e as habilidades do jovem. Ele viu no pedido de transferência uma oportunidade para se vingar e mandou Peter para a delegacia da Baía dos Lírios. Por razões óbvias, aquele era o local onde os policiais mais trabalhavam em todo o mundo, onde nenhum humano jamais durou mais do que um dia. O jovem policial não sabia deste último detalhe e não se intimidou com o desafio, aceitando sem pensar duas vezes.

Na viagem, Peter era incapaz de conter sua animação e sua ansiedade. Ele nunca tinha visto um inumano pessoalmente e dentro de algumas horas estaria na capital deles. Isso foi confirmado com o único ônibus que ia até a cidade, um veículo maior do que os convencionais, com assentos mais espaçosos, teto mais alto e com a estrutura mais reforçada. Assim que ele entrou no transporte, seus olhos puderam saborear o surreal. O motorista era o único humano à bordo. Havia um casal de ogros analisando um mapa da cidade, um casal de mortos-vivos com dois filhos que se comunicavam por meio de grunhidos, três cubos gelatinosos que vibravam produzindo sons estranhos e um humanoide com roupas formais, mas com um grande buraco negro onde deveria estar seu rosto. A maioria dos humanos daria meia volta após se deparar com tamanha bizarrice, mas o policial estava determinado a vencer este desafio.

Assim que chegou à cidade, Peter pegou um táxi dirigido por uma gárgula de pedra que usava uma camisa havaiana direto para a delegacia. Sem parentes nos arredores, ele alugou um pequeno apartamento mobiliado e carregava consigo apenas uma mala com seus poucos pertences. Não lhe faltava dinheiro, mas era um homem simples e sem hábitos consumistas, alguém que vivia apenas para proteger e servir às leis. Durante o trajeto, ele pôde observar uma diversidade de seres que ele jamais imaginou ser possível, todos andando pelas calçadas, dirigindo seus veículos, trabalhando em suas lojas e se esforçando o máximo possível para conviver pacificamente em meio a todo aquele caos. Era uma imagem admirável para o jovem, que acabou nem notando os trinta minutos de viagem se passarem e logo se encontrou em frente ao seu destino.

A delegacia era um grande prédio que ocupava um quarteirão inteiro, com portas duplas de três metros de altura e quatro de largura, toda edificada com tijolos alaranjados escurecidos pelo tempo. A estrutura era imponente, como Peter acreditava que um local como este deveria ser. Empolgado com a primeira impressão, o jovem logo adentrou o prédio, se deparando com várias filas de inumanos e humanos em busca da resolução de seus problemas. O local era ainda mais amplo em seu interior, com vários policiais atendendo telefones e recepcionando as pessoas e não havia um humano sequer usando uma farda. Sem se deixar abalar, Peter foi até uma das recepcionistas:

- Boa tarde, eu poderia falar com o delegado? Fui transferido para cá.

A mulher, que possuía serpentes ao invés de fios de cabelo, pele esverdeada e usava óculos escuros encarou o homem com desconfiança.

- O que você é? Um doppelganger, um mago ou um androide?

- Na verdade, eu sou um humano. Fui transferido de Nevada e espero fazer um ótimo trabalho ao lado de vocês.