O mal mora ao lado

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Dizem que o mal possui incontáveis formas, rostos e nomes e que não mede esforços para corromper os seres que pertencem à luz. Pelo menos era nisso que um grupo de dez lingotianos acreditava quando resolveram abrir um artefato trazido à Terra durante a Crise do Portal. O líder deles disse que se tratava de uma prisão de um mal antigo, guardado por gerações em seu planeta natal. As lendas de seus ancestrais diziam que o ser maligno era uma massa de energia negativa, responsável por engolir o planeta inteiro em uma era de escuridão e sofrimentos por séculos, detido apenas por um grande herói com uma lança encantada. Todos eram amargurados com a vida e viram naquele cubo negro com inscrições em sua língua nativa a oportunidade de trazer as trevas para o universo.

Depois de conseguir os materiais necessários para o ritual no mercado negro da Baía dos Lírios, o grupo colocou seu plano em ação na floresta nos arredores da cidade, desenhando um grande triângulo com sangue azulado e sacrificaram pequenos animais, enquanto entoavam cânticos que sequer poderiam ser reproduzidos por cordas vocais humanas. Depois de uma hora mantendo o ritual, o cubo começou a se rachar, até que explodiu em milhões de pedaços, liberando uma névoa negra disforme que rapidamente absorveu a vida de todos os envolvidos. Ainda como névoa, o ser místico se moveu até a cidade, onde observou a vida dos cidadãos das sombras, primeiramente pensando em consumir tudo em seu caminho. Porém, ele notou a quantidade de seres diferentes convivendo pacificamente, criaturas famosas por causar dor e sofrimento trabalhando em floriculturas ou lojinhas, relacionamento entre espécies e coisas do tipo. Isso o fez lembrar do tormento que foi estar preso dentro do cubo por tanto tempo. Lá, ele refletiu sobre todo o mal que causou e pela afirmação daquele que o derrotou de que ele tinha trazido a ruína para si.

Sua vontade de destruir e dominar se esvaiu completamente e ele percebeu que tinha em sua frente uma chance única de recomeçar. A criatura criou uma forma humanóide para si, com pele cinza escuro, cinco olhos avermelhados e cabelos brancos e curtos para levar uma vida comum. Sob o nome imponente de Billy, o mal encarnado alugou um apartamento e começou a trabalhar como jardineiro, se vendo satisfeito pela primeira vez com sua existência.

A Baía dos Lírios aceitou a redenção de Billy com os braços abertos, mas sua vizinha discordava das intenções do ser de raça indefinida. Mandy Mable é uma estudante de medicina de vinte e dois anos que mora com a mãe e passou a vida inteira devorando livros de mistérios sobrenaturais, filmes de monstros e artigos de medicina. Ela já morava na cidade antes da Crise do Portal e sua paixão pelo fantástico a proibiu de sair da cidade, o que a faz optar pela faculdade de medicina da cidade vizinha. Para sua sorte, a diretora do hospital, uma inumana, abriu um curso para compartilhar técnicas de outras dimensões e ela aceitou sem pensar duas vezes.

Os inumanos nunca assustaram a estudante e eram objetos de sua admiração, até que Billy se mudou para o apartamento ao lado do seu. Assim que colocou seus olhos na figura tenebrosa, Mandy teve certeza em seu coração de que se tratava de uma grande ameaça à paz da cidade que tanto amava. Desde então, ela jurou que iria impedir seus planos de dominação mundial, seja lá quais forem e a primeira pessoa a ser informada de sua nova jornada épica foi sua mãe, que apenas disse para ela pegar leve nos livros.

Sem a ajuda de sua figura materna, a estudante levou suas suspeitas até a polícia, que fez um breve interrogatório com Billy, liberando-o logo em seguida pela ausência de provas. Ao invés de se tranquilizar, a garota apenas afundou ainda mais em suas paranóias. Se as autoridades não iriam ajudá-la, então só podia significar que já tinham sido corrompidas pela mente maligna de seu vizinho. Nesse caso, só restava a ela o dever de parar as trevas para que as forças do bem pudessem triunfar novamente.

A mãe da estudante lamentava a idiotice de sua filha e decidiu se desculpar com o jardineiro pelo transtorno de ter sido interrogado pela polícia local. Billy disse para ela ficar tranquila, pois não tinha visto a situação com maus olhos. Depois de uma conversa rápida e um desabafo desnecessário da mulher sobre como tinha sido difícil criar Mandy sozinha, fato aleatório usado como justificativa para as atitudes da estudante, os dois se despediram e seguiram com suas vidas.

A verdade é que o inumano era capaz de ler mentes e sabia das intenções de sua vizinha e poderia facilmente acabar com as vidas das duas sem que ninguém notasse. Por sorte, ele estava determinado a viver uma vida simples e sem maldades, então apenas se conformou. Por mais que ele não fosse mais a mesma pessoa de antes, fugir do passado é impossível e ele teria que provar com atitudes que seu eu do presente era realmente diferente.

Baía dos LíriosWhere stories live. Discover now