Uma grande mulher

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A Baía dos Lírios nem sempre foi referência de caos, agitação e bizarrices. Seu nome foi dado por um grupo de camponeses que decidiu erguer uma vila próxima ao mar. A primeira visão deles foi uma imensa plantação de lírios brancos, que podem ser encontrados apenas em pontos estratégicos da cidade nos tempos atuais. Nos meados de 1940, uma família russa desembarcou na baía e foi acolhida calorosamente pelos habitantes da pequena cidade. Desde então eles passaram a chamar o local de lar e continuaram ali por gerações, chegando até Angelina Vicktoryia, a atual prefeita da capital do estranho.

Desde pequena, Angelina demonstrava uma grande capacidade de liderança em todas as atividades em que participava, com um temperamento forte e uma vontade inabalável. Viu seus dois irmãos saindo da cidade em busca de melhores oportunidades em Nova Iorque e foi convidada a juntar-se a eles, mas a garota acreditava que eram as pessoas que criavam suas oportunidades e não o local em que estavam, permanecendo na Baía dos Lírios.

Tinha vinte anos quando o portal surgiu e acompanhou todo o caos que veio com a chegada dos inumanos de perto. Na época, ela apenas administrava a mercearia da família e sequer se abalou com as criaturas bizarras que começaram a frequentar o estabelecimento. Em meio às investidas do governo e a resistência dos seres de outros planetas e dimensões, Angelina decidiu dar um basta e colocar ordem em seu lar. A garota foi ganhando a confiança dos inumanos ao longo de cinco anos, sendo eleita a nova prefeita e realizando o acordo de paz com a humanidade, para a alegria de seu povo.

Com o passar do tempo, ninguém ousou tirar o seu posto de poder. Não porque ela impunha isso, mas sim porque ninguém queria fazer esse trabalho e provavelmente ninguém o faria tão bem quanto ela. Seu temperamento implacável e sua frieza para tomar decisões a fizeram respeitada pela maioria da população e temida pelo restante. Ela passou a andar com dois ogros como segurança. O dever deles é proteger pessoas idiotas da fúria de Angelina. Alguns acreditam que ela seja um robô, outros dizem que é um alienígena de outra dimensão, mas a verdade assustadora é que ela é uma simples humana de descendência russa.

Depois de uma conferência de uma semana em Washington a respeito da situação dos inumanos no país, a prefeita se viu exausta da viagem e dos políticos. Ela detestava ter que falar sobre inumanos com pessoas que nunca interagiram com eles. Certa vez disse no congresso que queria a independência da cidade do resto do mundo para que pudessem parar de chamá-la para tratar de assuntos fúteis. Não é preciso ser um gênio para saber que o governo detestava Angelina, principalmente por saber que ela não se importava com isso.

A mulher foi direto até seu gabinete, sem parar em casa para descansar, pois realmente não havia tempo para isso. Depois de acertar uma pequena pilha de documentos e instruir sua secretária para que cuidasse do resto, ela foi diretamente até o portal. O que antes era uma grande paisagem vazia, agora dava lugar para um terminal cercado de prédios e extremamente movimentado. Pouco se descobriu a respeito da origem da massa energética que transporatava os seres até a Terra desde seu surgimento, o que evitava a possibilidade de controlar o fluxo de seres que passam por ele. Para tentar evitar que seres muito perigosos adentrem a cidade, a prefeita sugeriu a criação do terminal, onde vários funcionários competentes usam a burocracia e a força bruta para garantir a segurança dos cidadãos da Baía dos Lírios. Angelina faz questão de acompanhar diariamente a situação da fronteira, sempre buscando uma forma melhor de atender a todos os viajantes.

Assim que checou os relatórios e se certificou de tudo ocorreu bem enquanto ela estava fora, Angelina partiu para a delegacia. O delegado Niko criou o hábito de se reunir semanalmente com a prefeita para relatar a incidência de crimes e discutir novas estratégias para melhorar a segurança da cidade. Feito isso, ela passou no hospital para conferir o estoque de medicamentos, nos bombeiros para verificar a taxa de incêndios e afins, no necrotério para levantar o número de óbitos e, por último, no escritório da companhia responsável pela reconstrução da cidade.

Um local com seres de diversas formas, tamanhos e poderes está sempre precisando de reparos, por isso a prefeitura contratou e investiu em uma companhia com a finalidade de manter a Baía dos Lírios funcionando. A empresa é formada por um grupo de gárgulas muito experientes, com habilidades mágicas e práticas capazes de construir uma casa do zero em algumas horas. Porém, os funcionários começaram a relatar incoerências entre a planta original da cidade e as ruas e prédios que consertavam diariamente. Primeiramente, pensaram que havia algo errado com as informações antigas e redesenharam tudo, mas isso não resolveu o problema. Sem ter a menor ideia da causa das irregularidades, a prefeita convocou um grupo de pesquisadores de sua confiança para averiguar o que estava acontecendo e mais uma vez, ela saiu da companhia sem respostas.

Com todos os seus deveres diários e semanais concluídos, a prefeita finalmente foi para sua casa por volta de dez horas da noite. Ela ainda vivia na casa de sua família, mesmo que sozinha. Todos os seus parentes se mudaram dali por não conseguirem lidar com o caos da cidade, deixando uma casa grande demais para apenas uma pessoa. Angelina contava apenas com alguns empregados e um mordomo que só estavam ali por sua falta de tempo para cuidar da casa e de si mesma. Depois de um banho merecido, a prefeita deitou-se em sua cama queen size e encarou o teto do quarto até pegar no sono, horas depois. Na manhã seguinte, ela acordou cedo e começou a se preparar novamente para sua rotina cansativa, um fardo que somente a governante da capital da bizarrice poderia suportar.

Baía dos LíriosWhere stories live. Discover now