O Sol iluminava o templo da Baía dos Lírios gentilmente naquela tarde de clima ameno e a suave brisa balançava levemente as folhas das árvores e acariciava os cabelos da sacerdotisa. Depois de uma semana cheia de exorcismos, lutas contra espíritos malignos e alarmes falsos, Luna repousava na varanda de madeira, sentada de frente para a grande escadaria de pedra com uma xícara de chá verde ao seu lado. Ela estava bem alimentada e seu humor estava estranhamente bom, fazendo-a apreciar a paisagem de sua morada pela primeira vez em anos. O sucesso dos últimos dias foi grande o suficiente para que ela ignorasse suas olheiras e o cansaço em seu corpo apenas para estar sentada ali, observando o horizonte à espera do pôr do Sol.
A noite começou e a escuridão passou a reinar no templo, afastada apenas pelas luzes da construção em que a sacerdotisa vivia e algumas lâmpadas que iluminavam a escadaria. Luna pensou em entrar e preparar algo para comer, mas seu cansaço a venceu e a mulher adormeceu ali mesmo. Horas depois, ela foi acordada com toques gentis em sua bochecha direita. Lentamente, a sacerdotisa abriu os olhos e levantou seu corpo, esfregando seus olhos desnorteada. À sua frente havia uma mulher de estatura mediana, com cabelos ruivos longos e cacheados, olhos vermelhos e uma pele tão branca quanto a luz da Lua cheia, que as banhava naquela noite. Ela usava um vestido preto, contrastando com o tom de sua pele, e carregava consigo um grande guarda-chuva, também negro. Luna buscou em sua memória, ainda sob efeito do sono, mas foi incapaz de lembrar daquela face.
- Com licença, eu te conheço? - perguntou a sacerdotisa, depois de bocejar.
- Nós não nos conhecemos. Peço que perdoe minha invasão, mas eu vim em busca de ajuda. Meu nome é Catherine Scarlet e eu sou uma vampira.
- Relaxe, mulher. Isso aqui é um local público. Vamos direto aos negócios, o que precisa de mim? Precisa de ajuda para matar um vampiro mais forte que quer sua fortuna? Sua empregada lavou sua mansão com água benta? Tem adolescentes irritantes pedindo para você mostrar como sua pele brilha no Sol?
- Nenhuma dessas opções. Na verdade, tenho um pedido ainda mais peculiar.
- Droga, já devia imaginar. Nunca aparecem problemas fáceis de resolver aqui.
- Desculpe o incômodo.
- Acalme-se, eu só estou reclamando com a vida. Já virou costume e não pretendo mudar isso. Não estou negando seu pedido. Aliás, talvez eu negue, mas preciso saber o que é antes.
- Ah, entendo. Então... Queria sua ajuda para andar sob o Sol.
- Existem formas menos dolorosas de suicídio, sabia?
- Eu sei sim, mas eu não quero morrer ao fazer isso.
- Impossível. Tenha uma boa noite.
Luna se levantou e começou a caminhar para dentro do templo, mas a vampira a segurou pelo braço. A sacerdotisa suspirou profundamente e virou-se novamente pronta para gritar com sua visita indesejada, mas desistiu ao ver os olhos marejados de Catherine.
- Por favor! Disseram-me que essa cidade seria o único lugar do mundo onde eu poderia conseguir fazer isso. Minha família sempre me ridicularizou e eu não tenho mais ninguém para me ajudar. Prometo uma boa recompensa em dinheiro!
- Desculpe, mas eu não gosto de alimentar falsas esperanças.
- Não são falsas! Pelo menos, ainda não. Faremos um acordo, então. Guie-me pelas dimensões alternativas deste lugar. Caso não encontremos uma solução, pagarei você e desistirei da ideia.
A determinação no olhar da vampira conseguiu afetar o lado altruísta escondido no coração da sacerdotisa, que se viu incapaz de negar aquele pedido.
- Tudo bem, tudo bem. Eu não sou tão mesquinha assim, então só aceitarei o pagamento se encontrarmos alguma coisa. Só preciso saber de uma coisa antes de partirmos: qual é o seu motivo?
Catherine desviou o olhar para baixo ao receber a pergunta e assumiu uma expressão mais triste. Parecia ser um assunto delicado para a vampira, mas a curiosidade da sacerdotisa era maior do que sua empatia naquele momento.
- É complexo para mim, porque minha família e amigos nunca foram capazes de entender. Tenho doze séculos de vida. Doze séculos vivendo na escuridão, me escondendo da luz e incapaz de reverter essa situação. Sempre admirei as crianças correndo nos parques e as pessoas deitadas sob o Sol através da janela de uma casa ou apartamento. Meu maior desejo desde jovem foi poder sentir essa luz, o calor que dizem produzir nem que seja apenas por alguns minutos, apenas para poder guardar essa sensação em minha memória.
Luna foi capaz de sentir a emoção de sua visita enquanto falava sobre seu sonho. Era possível ver que a vampira se esforçava para conter suas lágrimas e esconder a vergonha que acompanhava aquelas palavras totalmente incomuns para sua raça. A sacerdotisa sorriu com a inocência à sua frente e se viu incapaz de negar o pedido. Catherine a abraçou com força, quando ouviu sua confirmação de que a ajudaria, perdendo toda a compostura característica dos vampiros.
Naquela mesma noite, as duas foram até a cidade e convocaram Castiel para ajudar em sua busca. O padre estranhou o pedido, mas não questionou e aceitou a tarefa com prazer. O anjo caído viu a determinação nos olhos de sua companheira e o orgulho que sentiu foi maior do que seu senso comum. O trio foi até a dimensão mágica, guardada pela personificação da vida. Depois de uma hora de procura, eles encontraram Vida e lhe contaram sobre sua busca. A entidade sabia tudo o que acontecia naquela dimensão e os encaminhou até um velho carvalho falante. O sábio disse que conhecia um bruxo capaz de criar uma poção com tal função, mas morreu anos atrás. Porém, seu filho residia no submundo da Baía dos Lírios, atendendo pelo nome de Alfred Blackhat.
Depois de agradecer à Vida e ao velho carvalho, o trio partiu para o submundo, sendo vistos com desconfiança pelos criminosos de lá. Muitos já tiveram péssimos dias depois de um encontro com a sacerdotisa. Aliás, desconfiança não seria a palavra mais adequada. Por onde ela andava, os inumanos abriam caminho, então medo pode se encaixar melhor à ocasião. Foi fácil chegar ao centro comercial e encontrar a personificação da morte: um manto negro e vazio, com colares de ossos, se apoiando em um cajado de aço negro com um cristal de vermelho escuro e brilhante em forma de crânio na ponta.
Morte atendeu às súplicas da vampira e indicou o caminho até Blackhat. O bruxo era um garoto humano, com pele pálida, olhos completamente negros, assim como seus cabelos curtos. Ele vestia um manto roxo escuro e um grande chapéu pontudo negro. Alfred vivia em uma loja de artefatos e poções amaldiçoadas e fazia disso seu ganha-pão. Após contar sua história e desembolsar uma grande quantia em dinheiro, Catherine finalmente pôs as mãos em uma poção que lhe permitiria aguentar a luz do Sol por meia hora. O bruxo só tinha um exemplar da poção, pois não era um item muito procurado. Blackhat poderia fazer mais, porém demoraria algumas semanas para isso, devido à dificuldade de encontrar os materiais necessários.
Satisfeitos com o resultado, o trio voltou ao templo na Baía dos Lírios, perto do amanhecer. A vampira não podia conter sua felicidade ao ingerir a poção e finalmente sendo capaz de observar o nascer do Sol. Luna e Castiel observaram a alegria da vampira, que corria saltitante pelo campo aberto ao lado do templo. Porém, o efeito da poção começou a se dissipar e a pele de Catherine começou a queimar lentamente. A sacerdotisa correu ao seu resgate com o grande guarda-chuva negro, mas a vampira recusou. Estava satisfeita por ter vivido o suficiente para realizar seu sonho e não desejava voltar para a escuridão. Assim, seu corpo se transformou em cinzas em questão de minutos, mas Catherine manteve seu sorriso até o final.
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Baía dos Lírios
FantasiaUm portal para outras dimensões se abre em uma cidadezinha no interior dos Estados Unidos. Por ele, seres multidimensionais adentrar o pequeno planetinha azul a fim de viver uma vida "normal". Depois de anos de guerras, a paz entre os humanos e os i...