Nos vemos nas estrelas

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Luna varria as escadarias de pedra do templo e uma manhã ensolarada de domingo, imersa em sua bolha pessoal de tédio que instalou em sua alma há dias. Seus mantimentos estavam no fim e não havia trabalho há algum tempo, o que deveria preocupar a sacerdotisa. Porém, como nada podia fazer a respeito, a mulher apenas tentava viver um dia de cada vez.

Sua bolha de tédio foi estourada por alguns puxões em seu vestido. Uma pequena orc com um rosto tristonho a encarava. Luna se abaixou para manter contato visual sem forçar o pescoço da pequenina e sorriu para tentar transparecer tranquilidade na esperança de contagiar a criança.

- Bom dia, minha querida. O que a traz aqui?

- Achei que você fosse mais "áspera".

- Quem foi o infeliz que te disse isso? Aposto que foi o puto do Castiel!

- Não, foram algumas pessoas do meu bairro. Disseram que se eu tivesse problemas, poderia pedir ajuda à sacerdotisa de mau humor eterno.

- Ah, mas olha só como as pessoas são ingratas! Ajudo essa cidade há anos e ainda ganho má fama!

- Você é exatamente como disseram.

- Por favor, só fale logo qual é o seu problema. Não me diga que é mais um exorcismo.

- Eu nem sei o que é isso moça, mas meu pai vai ser preso e ele é inocente!

- Menina, acho que deveria procurar um advogado.

- É que... Um espírito maligno fez ele matar uma pessoa.

- Em muitos desses casos o espírito maligno é o que habita a própria pessoa, mas eu vou dar uma investigada para você.

A garotinha passou todos os detalhes que sabia para Luna, que foi até Castiel na mesma hora. Tecnicamente, ele não seria necessário, mas a sacerdotisa não perdia uma oportunidade de ajudar o velho amigo a encher sua ampulheta de boas ações. A dupla dinâmica discutiu possíveis cenários e levaram suas teorias para Peter e Beatrice. Até então, não havia nada concreto e os policiais sequer estavam a par da situação.

A consideração que tinham pelos religiosos fez com que a dupla de policiais investigasse a fundo o caso do pai da garotinha, trazendo todas as informações levantadas dentro de um dia. O pai da orc foi até um bar na cidade, aparentemente perturbado e atacou o dono do estabelecimento com um punhal, perfurando seu coração. Segundo os clientes que estavam presentes durante o ocorrido, o orc pareceu se assustar assim que viu o sangue em suas mãos e correu desesperado do local. Eles chamaram o resgate logo em seguida, mas parece que o orc também o fez. De acordo com a família do suspeito, ele não frequentava aquele bar, não bebia e sequer conhecia o dono do local.

Realmente se tratava de um caso peculiar, o que reforçava a hipótese levantada pela garotinha. Luna e Castiel foram até a cena do crime e analisaram as pressões energéticas do local, notando rastros de magia negra que acompanhavam o suposto caminho realizado pelo orc. Depois, eles falaram com as testemunhas, com a família e analisaram o punhal utilizado no crime. A arma tinha uma runa antiga entalhada em sua lâmina e uma forte aura de energia maligna sendo emitida dela. Em tribunais comuns, nada disso seria aceito como prova, mas na Baía dos Lírios, era o suficiente para livrar o pobre orc de uma prisão injusta.

Eles não foram capazes de encontrar o verdadeiro culpado, mas era só uma questão de tempo até que a polícia o fizesse. O importante para a dupla de religiosos foi o sorriso no rosto da garotinha enquanto os agradecia, munida apenas de sua inocência infantil. Com o dever cumprido, o padre e a sacerdotisa foram caminhando até a igreja para conferir o progresso do anjo caído. Entretanto, eles foram impedidos pouco antes de chegarem à porta. Uma forte luz foi emanada do interior da igreja e alguns objetos luminosos saíram da janela do quarto do padre, atingindo suas costas em cheio. Castiel foi envolto nessa luz e os objetos se transformaram em duas asas brancas, longas e brilhantes. Uma auréola dourada surgiu acima de sua cabeça e seu corpo passou a emanar uma aura de energia positiva, fazendo-o flutuar.

- Mas olha só, finalmente conseguiu! - exclamou Luna, orgulhosa de seu amigo.

- Você também está vendo isso? - indagou Castiel, ainda sem acreditar no que estava acontecendo.

- Acho que até mesmo um cego é capaz de enxergar essa luz espalhafatosa que está vindo de você.

- Desculpe-me, é difícil de acreditar. Depois de todos esses anos, finalmente!

- Pois é rapaz, pode comemorar à vontade.

- Na verdade, isso significa que não poderei mais ficar na Terra. Preciso retornar ao paraíso para receber um novo propósito.

- Ah... Entendo... Vai me abandonar aqui nesse hospício?

- Não torne as coisas ainda mais difíceis. Nunca deixarei de rezar por sua alma amargurada e bondosa.

- É bom mesmo! Se eu não entrar no paraíso depois de todas as furadas em que você me meteu, farei um escândalo!

- Pode deixar, reservarei um lugar especial para você lá em cima. Nunca mude, minha amiga.

- Não se preocupe com isso.

Os dois amigos se abraçaram e se despediram, felizes por saberem que um dia voltariam a se ver. Luna entrou na igreja e foi até os aposentos do padre, encontrando apenas alguns fragmentos que restaram da ampulheta. A sacerdotisa os varreu, limpou o local por completo e trancou suas portas, levando a chave consigo na esperança de devolver a seu colega assim que o visse novamente.

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⏰ Last updated: Jul 17, 2019 ⏰

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