Baía dos Lírios

A prática leva à perfeição

Em um dia ensolarado, em meio à floresta que circundava a Baía dos Lírios, havia uma cabana de madeira. Longe da civilização, uma jovem humana estava ajoelhada com os olhos fechados tentava se concentrar em meio aos sons da natureza. Florence empilhava pequenas pedras com sua mente como um exercício para controlar seus poderes psíquicos. Sua mentora lhe incumbiu da tarefa de construir cem pilares antes de descansar, o que levou cinco cansativas horas. Assim que a última pedra foi colocada cuidadosamente em seu lugar e a cabana estava cercada de pequenos monumentos, a garota despencou de costas, exausta.

Anabelle chegou à cabana pouco tempo depois e encontrou sua aprendiz adormecida na varanda. A mudrost sacudiu levemente o corpo da bela adormecida, despertando-a de seu repouso. Ao notar a presença de sua mentora, Florence usou todas as suas forças para se levantar, completamente envergonhada.

- B-boa tarde, mestra! Eu só estava procurando uma posição melhor para me concentrar!

- Quer mesmo tentar me enganar, querida?

- Não, me desculpe. Terminei o exercício e fiquei cansada demais para me mover.

- Bem melhor. Não precisa se preocupar, querida. Vejo que ainda está com problemas para controlar seus poderes com naturalidade.

- Isso é difícil demais, mestra! Simplesmente não consigo ser como você.

- Enquanto você pensar que seus poderes são uma força além do seu controle, continuará se cansando desta forma. Você e sua mente são uma coisa só. Eu deveria mandar você levar todas essas pedras de volta para a floresta, mas estou de bom humor hoje e te levarei para a cidade. Quero te mostrar como fazer isso direito.

Todas as pedras foram levitadas e arremessadas de volta à floresta, limpando o terreno em segundos. O cansaço de Florence foi substituído por uma imensa empolgação. Desde que passou a viver com Anabelle, a garota apenas presenciou pequenas demonstrações do poder de sua mentora. Uma chance de presenciar a mudrost em ação era tentadora demais para a jovem médium.

As duas foram até uma parte mais isolada da cidade, em um galpão aparentemente vazio. Bem, pelo menos era o que aparentava por fora. O interior era um grande cassino de luxo, com várias pessoas bem vestidas apostando euforicamente. Era um mundo completamente desconhecido para Florence, que não sabia como se comportar em um ambiente assim e achava que não estava vestida para a ocasião. Anabelle a guiou até algumas máquinas caça niqueis e pediu para que a garota se sentasse em um dos banquinhos.

- Trouxe você aqui, pois é um lugar totalmente ilegal e cheio de gente imprestável. Eu não tenho ética ou moral, mas acredito que seria demais para uma primeira lição prática te colocar em meio a várias pessoas inocentes.

- O que você pretende fazer aqui?

- Adicionar um pouquinho de caos na sua vida. Achei que seria uma ótima forma de testar sua lealdade e ensinar como aperfeiçoar seus dons ao mesmo tempo.

- Entendo...

- Como eu sou a mentora e você não tem direito a reclamações, vou prosseguir com a aula.

- S-sim, mestra!

- Normalmente, não usamos pensamentos complexos para mover nosso corpo. É uma atividade natural que a mente reproduz quase involuntariamente. Com nossos poderes, não há muita diferença. Você deve imaginar os objetos se movendo da mesma forma que você ergue seu braço.

As alavancas de todas as máquinas foram acionadas ao mesmo tempo, acompanhando os gestos da mudrost.

- No início, você pode até gesticular para ajudar sua mente a se acostumar com o processo. O procedimento é o mesmo, independentemente do formato, peso ou material do objeto alvo.

O banco e Florence foram arrastados até o meio do corredor entre as máquinas. Um dos seguranças viu a cena e achou suspeito, se aproximando da dupla de telepatas. Era um ogro de três metros de altura, com músculos protuberantes, usando terno, gravata e óculos escuros. Porém, ele parou à frente de Anabelle, imóvel.

- Florence, quando se trata de controle mental, o esforço é um pouco maior, mas o conceito é o mesmo. Tente dar uma forma física à energia de sua mente e a imagine invadindo a cabeça de sua vítima, forçando-a a obedecer suas ordens. Com o tempo você vai ser capaz de decidir se o alvo permanece consciente ou não.

O segurança sacou sua arma e colocou em sua boca. Florence ficou assustada à princípio, mas manteve-se calada. Um som alto e um forte cheiro de pólvora invadiram o local. Após disparar contra a própria cabeça, o ogro caiu de costas, com o rosto completamente deformado pelo projétil. A humana se apavorou ainda mais diante da indiferença estampada no rosto de sua mentora.

- Quando estiver pronta, será capaz de implantar memórias falsas, intensificar qualquer sentimento adormecido e até mesmo forçá-lo a realizar ações que o prejudicam diretamente, como um suicídio. Acredito no seu potencial, mas por hora você deve ser capaz de controlar uma pessoa por vez. No meu caso...

Todos os ocupantes do lugar pararam de conversar, apostar e se mover. Anabelle guiou sua aprendiz até o centro do cassino com seu sorriso suave e característico no rosto. Os olhares dos humanos e inumanos as acompanharam, mantendo rostos inexpressivos. À pedido de sua mentora, Florence sentou-se em uma cadeira enquanto a mudrost permanecia de pé, à sua frente. Um estalar de dedos de Anabelle e todos começaram a se atacar como bestas ensandecidas, utilizando qualquer objeto a seu alcance em uma luta brutal até a morte.

A comoção durou dez minutos e o único sobrevivente usou uma garrafa quebrada para cortar a própria garganta. Manchas de sangue, membros decepados e órgãos decoravam o local, gerando uma visão muito próxima do que deveria ser o inferno. Florence estava horrorizada com o que seus olhos testemunharam e o calmo sorriso de sua mentora apenas tornava tudo mais assustador. A garota finalmente entendeu do que Anabelle era capaz e quem realmente era a mudrost que tanto admirava. Seus instintos e sua razão pediam para que ela fugisse dali imediatamente. Porém, uma parte trancafiada em seu interior usou a experiência traumática para vir à tona: sua sede por poder. Por mais terrível que os atos da telepata tenham sido, era uma demonstração incrível de seu poder absurdo e no final, era isso o que a jovem humana realmente almejava. Naquele dia, Florence abandonou sua humanidade para continuar sua busca por poder, deixando sua mentora extremamente satisfeita.