Um caso perigoso

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Dois dias foram tempo suficiente para Anabelle garantir uma residência e recursos para nunca ter que trabalhar. Logo após sua chegada à Terra, a mudrost começou a coletar memórias para descobrir como as coisas funcionavam na Baía dos Lírios e aproveitou para plantar suas sementes do caos no caminho. A polícia passou a trabalhar ainda mais do que o costume, como se já não tivessem problemas demais antes. A mente de alguns criminosos revelaram segredos à falsa heroina, dando-lhe a chance de se esgueirar pelo submundo e roubar o dinheiro de grandes traficantes de armas, drogas e seres vivos. Seus poderes psíquicos eram fortes a ponto de ela ser capaz de convencer todos ao seu redor de que ela não estava ali, criando um manto ilusório de invisibilidade sobre ela. Foi assim que ela conseguiu entrar e sair com o dinheiro sem ser notada. Para garantir que não teria dores de cabeça por conta disso, ela incriminou facções rivais e colocou aliados uns contra os outros, causando o caos que ela tanto ama.

Em busca de um local tranquilo para descansar enquanto não está procurando corações propícios para suas sementes, Anabelle construiu uma cabana na floresta nos arredores da cidade, longe das estradas principais. Tudo ocorria conforme seus planos, mas algo lhe incomodava. A sensação que teve ao entrar na mente de Peter continuava presente em seu corpo. Sua origem e motivo eram desconhecidos para a mudrost e isso a incomodava demais.

Determinada a resolver essa questão, ela foi até a delegacia e convidou o policial para ir a uma cafeteria após seu horário de expediente com a desculpa que estava interessada na história da humanidade. Ele achou suspeito, mas estava interessado em saber mais sobre a decadência do planeta de seu amigo, uma vez que ele estava abalado demais para comentar sobre isso.

O expediente acabou depois de um dia corrido e cheio de chamadas difíceis para atender, sendo boa parte delas culpa da mudrost, que esperou o policial pacientemente na cadeira branca de madeira da cafeteria. Peter foi até o local de encontro direto do trabalho, então não teve tempo de trocar de roupa. Isso pouco importava para o humano que só queria respostas. Porém, ao chegar e encontrar Anabelle com seu sorriso sutil no rosto, acenando para ele ao vê-lo entrar no estabelecimento, o homem se arrependeu. Sem graça, sentou-se à frente da acompanhante e pegou o cardápio para tentar disfarçar seu nervosismo. Ele sempre foi um ótimo aluno e um policial exemplar, mas era um desastre quando se tratava de sua vida amorosa. Imaginar que estava em um encontro desestabilizou completamente o homem da lei. Anabelle ficou sem entender a reação do humano, afinal cresceu em um planeta onde esse tipo de situação não acontecia.

- Então, como está a adaptação a essa dimensão? - perguntou Peter para quebrar o gelo.

- Vai ótima! Até já construí uma cabana na floresta para mim.

- Nossa, deve ter arranjado um ótimo emprego então.

- Não, eu construí tudinho com minha telecinese. Levei a tarde inteira para montar tudo ontem.

- Ah sim, esses poderes da sua raça são bem úteis. Aliás, desculpa a pergunta, mas tem algo de errado com seu terceiro olho?

- Diz isso por ele estar sempre fechado, não é? Eu meio que não preciso usá-lo para fazer o básico.

- Nem mesmo para entrar na minha mente?

- Se eu quisesse vasculhar suas memórias à distância eu precisaria, mas em contato direto eu consigo fazer qualquer coisa com uma mente sem precisar dele.

- Você não mexeu na minha cabeça, mexeu?

- Poderia, mas não o fiz. Foi estranho tocar em você.

- Desculpe-me, devia estar suado por causa do trabalho.

- Não é isso. Tive uma sensação estranha e não consigo parar de pensar em você.

Peter foi pego de surpresa com a afirmação da mudrost, que parecia não entender o peso de suas palavras. Atordoado, ele acabou se lembrando de alguns comentários de Jeff sobre como sua raça não entendia e desvalorizava os sentimentos até o início da decadência do planeta. Neste contexto, Anabelle realmente não sabia o que estava acontecendo. Era estranho imaginar que ela tinha se apaixonado por ele tão rápido, mas ela tinha se ligado à sua mente para vasculhar suas memórias.

- Bem, isso realmente é estranho. Por acaso você estabelece uma espécie de "ligação" quando faz essas coisas telepáticas?

- Sim, por alguns segundos a minha alma e a da vítima são unidas e têm suas mentes compartilhadas. Obviamente, só eu consigo sentir isso e usufruir dessa união. Aliás, diferente dos outros mudrosts, as minhas conexões podem ser eternas. Se eu quiser, posso acessar essas mentes à uma curta distância.

- Entendo. A dimensão dos seus poderes é um pouco assustadora para mim. Talvez essa sua sensação seja porque sou humano.

- Não, eu testei com outros e nada. Achei que vir aqui falar com você me ajudaria a estabilizar as coisas, mas está ainda mais estranho.

- Sinto muito por isso.

- Relaxe, isso não é sua culpa.

Os dois comeram e conversaram por horas. No fim da noite, Anabelle sugeriu que repetissem a dose futuramente e Peter aceitou sem pensar duas vezes. Sem saber em que terreno estavam pisando, os dois iniciaram uma conexão com uma forte tendência a se intensificar cada vez mais. Um humano guardião da justiça e uma mudrost disseminadora do caos. É por casos totalmente incomuns e improváveis como este que dizer que o amor é cego.

Baía dos LíriosWhere stories live. Discover now