Parte 1 | Prólogo

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As luzes e o som da boate já haviam sido desligados quando Tonya saiu pela porta principal. Carregando nas costas uma mochila roxa e vestindo roupas largas – que em nada combinavam com a profissão de dançarina que exercia todas as noites na Pink Flamingo –, a moça atravessou a rua e se viu sozinha em um ambiente deserto e ameaçador, repleto de becos escuros e panfletos sendo levados pelo vento. Apressando o passo e fazendo os cabelos cacheados tingidos de rosa-elétrico balançar de um lado para o outro, olhou por cima do ombro e viu o letreiro neon ficando para trás, assim como os últimos sinais de movimento que encontraria até chegar em sua casa, lugar que ficava a sete quadras dali.

Com os ouvidos ocupados por fones que a impediam de ouvir o som dos próprios passos reverberando pela calçada, Tonya cruzou os braços e lembrou-se que não havia feito compras no mercado, coisa que prometera a Tricya, sua irmã mais nova, com quem dividia o apartamento depois da morte da mãe. Lamentou com um sopro forte de ar, certa de que aquela seria mais uma noite que passaria sem se alimentar corretamente, e continuou o trajeto de forma despreocupada, como se estivesse a caminhar sob o sol do meio-dia. Estava, de fato, habituada a caminhar pela noite, especialmente depois de seus turnos na boate. Assaltos naquela parte da cidade eram incomuns, visto que ladrões não tinham vez naquelas ruas: elas pertenciam ao tráfico de drogas organizado. Por aquelas ruelas e becos ocorriam as entregas aos usuários – em sua maioria jovens ricos e de boa educação –, e a presença de quaisquer outros criminosos era fortemente monitorada pelos chacais, título dado aos vigilantes que perambulavam pelas ruas, armados e preparados para manter limpa a imagem do bairro puramente comercial.

Certa de estar protegida por algum chacal que a observava à distância, Tonya retirou o celular do bolso e passou a conferir as notificações mais recentes, tirando os olhos da rua sob a completa certeza de que não correria o risco de esbarrar-se em algum outro passante. Tal certeza, porém, se mostrou completamente errônea quando a moça teve os passos interrompidos por um choque inesperado: havia, de fato, esbarrado em um pedestre noturno que cruzara seu caminho.

Assustada, deixou o celular cair ao chão, e depois de vê-lo abrir-se em duas partes, ergueu os olhos e deparou-se com um homem de sua altura, muito pálido e de barba malfeita. Com os olhos espantados, ela enxergou também os olhos do homem: estavam arregalados, catatônicos e repletos de veias avermelhadas que se enraizavam na direção das íris. Ele, como se a tivesse reconhecido, levantou os braços em um tremor descontrolado e agarrou-a pelos ombros, aproximando-se de seu rosto antes mesmo que ela pudesse pensar em reagir.

—To-Tonya – disse ele, rouco e perturbado. – O que você tem pra mim aí, hein?

—Henrico! Quase me matou do coração! – Tonya respondeu, tentando livrar-se das mãos que a seguravam. – Veja o que você fez. Quebrou o meu celular, seu imbecil!

—E-eu compro outro pra você. Só me diga o que você t-tem aí...

—Eu não tenho nada, Henrico! Sabe que não estou mais envolvida com nada disso há um bom tempo – ela continuou, empurrando o homem e recolhendo os restos de seu aparelho celular do chão.

—M-mentirosa! Mentirosa! Eu sei que tem alguma coisa aí na sua mochila! Está levando pra casa e vai usar tudo sozinha!

Henrico pronunciava as palavras de forma ora arrastada, ora acelerada, como se estivesse a ser movido por uma bateria a enfraquecer. Usava um casaco duas vezes maior que seu tamanho, e embora parecesse inofensivo, tinha um semblante psicótico e alucinado que assustava a moça mais do que qualquer rua escura que precisasse atravessar durante o trajeto.

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