Epílogo

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Quando a porta do apartamento de Ji-Yun foi aberta, um forte cheiro de comida estragada e de dejetos de gato escapou para o corredor. Cobrindo o nariz e a boca com uma das mãos, a mulher que a abrira adentrou na moradia vazia, deparando-se com uma sala bagunçada iluminada pelo sol brando do meio-dia, que entrava por uma janela entreaberta na parede lateral.

Ela caminhou pela sala e parou ao lado da mesinha de centro, lançando olhares para todos os lados como se procurasse por algo ou por alguém. Continuou a percorrer o apartamento e chegou à cozinha, e também não encontrando nada além de poeira por lá, deixou o cômodo e rumou para o quarto, que ficava rente à sala por onde já havia passado. Empurrou a porta com o dedo indicador, avistando por detrás dela uma cama de casal desarrumada, roupas casuais e um uniforme de policial largado de forma desleixada pelo chão. Executando um suspiro, a visitante tornou a fechar a porta e retornou para o ambiente principal, onde desta vez se permitiu sentar ao sofá com as duas mãos mergulhadas no bolso de seu casaco.

Ao lado dela, na mesinha que servia como depósito de caixas de comida chinesa, encontrou um porta-retratos onde duas mulheres se exibiam sorridentes, sentadas em um píer numa tarde de verão. Uma delas era Ji-Yun, e a outra era ela própria: Alana, a ex-companheira da agente que, assim como diziam os jornais, fora violentamente esfaqueada por bandidos de um cartel de drogas que dominava a cidade.

Os olhos de Alana, examinando a foto com afinco, tornaram-se nublados e úmidos, e logo alguns fios de lágrimas umedeceram seu rosto. Observou a si mesma em um momento de felicidade eternizado naquela fotografia, relembrando-se dos bons momentos, dos abraços quentes, das noites de cinema e das madrugadas de comilança. Sentia saudades.

—Talvez ainda estivesse viva se eu tivesse continuado cuidando de você – disse ela, falando com a fotografia. – Se eu não tivesse me fechado, talvez você ainda estivesse aqui.

Crispando os lábios diante da dor da perda, Alana fechou os olhos e se permitiu chorar por alguns segundos, mas foi repentinamente interrompida quando sentiu, bem na sua nuca, um arrepio causado por um vento frio que surgira de lugar nenhum. Assustada, levantou-se com um salto e deixou cair o porta-retratos, sentindo uma presença ao seu redor de uma forma que nunca sentira antes. Complementando seu momento de perplexidade, ouviu ruídos ocorrendo na cozinha – algo próximo de objetos sendo movidos, e em seguida o horrendo som de algo caindo ao chão. Com um sobressalto, Alana só conseguiu pensar em correr pela porta, mas teve toda a situação de medo convertida em riso quando viu que, da cozinha, um gato surgiu despreocupadamente.

—Romeo! – disse ela, descansando uma das mãos sobre o peito. – Você quase me matou do coração, sabia?

O animal, que a conhecia de tempos não tão longínquos assim, aproximou-se de suas pernas e parou, olhando-a como se pedisse ajuda. Estava sujo e mais magro do que de costume, o que de imediato levou a visitante a imaginar que o pobre felino, na ausência de sua dona, precisara aventurar-se pelas ruas, saindo pela janela entreaberta, para poder sobreviver. Foi então que ela se curvou sobre ele e o agarrou, levantando-se novamente com Romeo nos braços.

—Eu não sei se sou a pessoa mais adequada pra isso, mas prometo que vou cuidar muito bem de você.

Romeo lançou um miado que pareceu algum tipo de agradecimento, e depois de mais algum tempo observando e absorvendo a aura do apartamento, Alana deu meia-volta e avançou na direção da porta. Saiu sem olhar para trás, sentindo o coração destroçado, mas ainda assim aquecido por estar levando nos braços um pedaço real do tempo, do tão querido e especial tempo, em que dividira sua vida com uma valente e habilidosa agente federal.

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