Capítulo 31

1 0 0
                                    


Dois ou três quilômetros já haviam ficado para trás quando Ji-Yun, por fim, conseguiu identificar as proximidades do ponto de equilíbrio. Correra desmedidamente, sem parar para recuperar o fôlego, na esperança de alcançar Luca e o garoto antes que chegassem sozinhos ao local combinado. O Inversor havia ficado para trás, tranquilizando a mente da moça que já rezava para jamais tê-lo que enfrentar mais uma vez, mas que secretamente desejava grandes e profundos agradecimentos ao monstro que ajudara-lhe a pôr um fim nos planos do traidor Serj.

Se mantivesse o ritmo, Ji-Yun alcançaria o ponto de equilíbrio em menos de cinco minutos. Àquela altura já não mais esperava esbarrar-se com os outros dois – havia perdido muito tempo fugindo de dois inimigos em potencial –, mas profundamente desejava chegar a tempo de poder despedir-se de Luca antes que fosse levado de volta ao mundo dos vivos. Sabia que jamais tornaria a vê-lo depois que tudo voltasse ao normal no Reflexo, e mais uma vez seriam apenas ela e o garoto na companhia dos ocasionais Sólidos, assim como os Claros e os Escuros. Momentaneamente presa à imagem destes últimos, então, Ji-Yun percebeu que não vira nenhum deles desde que iniciara sua rápida partida ao ponto de equilíbrio. Embora fossem escassos os agrupamentos de espíritos obscuros pelas ruas do Reflexo, era completamente incomum não avistar alguns rondando aleatoriamente pela cidade, com suas existências vazias e sem propósito aparente. Havia algo de errado, e ela não tardaria a descobrir o quê.

Ao alcançar uma rua comprida, a última que precisava ser percorrida antes do acesso ao quarteirão onde ficava o ponto de equilíbrio, Ji-Yun avistou, muitos passos à frente, duas pessoas movendo-se vagarosamente pelo meio do asfalto. Não precisou de esforço para reconhecê-las. Apressou ainda mais o passo para acompanhá-las, forçando ao máximo os pulmões já cansados pelo longo trecho percorrido sem qualquer trégua.

—Luca! – disse em voz alta quando poucos segundos os separavam.

Imediatamente os outros dois se viraram e visualizaram a colega chegando em sua direção, com os olhos repletos de alegria por reencontrá-los.

—Corri como louca para conseguir alcançá-los!

—Está tudo bem com você? – Luca questionou, olhando-a de cima a baixo, levemente assustado pelo estado imundo das roupas da moça e pelos arranhões em seus braços. Notou ainda que perdera sua mochila roxa e que sua pistola não se encontrava mais em sua mão ou em sua cintura.

—Não se preocupe, só rolei um pouco pelo chão – respondeu ela sorrindo, amigável como sempre.

—E o seu... amigo?

—Não é mais um problema.

Luca franziu as sobrancelhas, curioso, mas não perguntou mais nada. Poderia tirar as próprias conclusões dadas as circunstâncias do momento em que deixara Ji-Yun para trás.

—Estamos quase no ponto de equilíbrio. Vamos andando antes que mais algum empecilho apareça! – disse o garoto, trazendo Luca e Ji-Yun de volta para a situação na qual pareciam se esquecer de que estavam.

Poucas dezenas de metros restavam até a esquina que por fim daria acesso à rua do ponto de equilíbrio – que para Luca era ainda a casa do velho August no mundo dos vivos. Confiantes e de ânimos completamente recarregados, os três repuseram-se a caminhar, bem no meio da comprida rua, ultrapassando as faixas pintadas de branco e as placas de sinalização com os nomes invertidos das ruas que por ali se interligavam. A total quietude não havia ainda sido quebrada, e todo o silêncio e tranquilidade ecoavam pela alameda em um significado que nenhum dos três passantes havia ainda conseguido decifrar.

EQUILIBRIUMOnde histórias criam vida. Descubra agora