Capítulo 16

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Ainda não havia amanhecido, mas Luca não conseguira dormir. A cama parecia incomodá-lo, o silêncio do quarto era esmagador e a falta de sono funcionava como meio de transporte para todos os tipos de pensamentos ruins. Depois de um suspiro ele levantou-se, calçou os sapatos e, sem trocar o pijama, vestiu um sobretudo cor de tijolo. Seguiu decidido pelo quarto, depois pela sala, e assim deixou o seu pequeno apartamento.

Do lado de fora, quando o sol já entregava o começo de um novo dia, o médium simplesmente seguiu pela calçada, na mesma direção que sempre tomava para chegar ao Centro. Não estava, porém, rumando para lá. Precisava apenas respirar, deixar as quatro paredes que o esmagavam, observar o movimento matinal dos velhinhos e dos caminhantes insones. Em passos lentos e sem um rumo exato, Luca seguiu na direção de uma grande praça que decorava uma parte do centro da cidade, aproximou-se de um dos bancos e sentou. O ar da manhã estava mais gélido do que o normal, mas não apenas por uma mudança de clima. Era a sensação de abarrotamento que tomava conta do lugar: um abarrotamento para muitos invisível e inexistente, porém triste e incômodo para aquele rapaz.

Quieto, calado e inerte, Luca manteve-se sentado em posição firme, até que notou um homem aproximando-se do banco. Caminhava devagar, mas decidido. Chegou até ele, mas ao encará-lo, entregou que não tinha um rosto. Ao invés disso, em sua face existia apenas um borrão esbranquiçado, como uma fumaça em vórtice que moldava uma cabeça inexpressiva. Assustado, Luca encarou-o, e tudo o que o homem fez foi estender uma das mãos, como em um pedido de ajuda.

—Quem é você? – perguntou o médium. – Como posso ajudá-lo?

Mas o homem sem rosto não respondeu. Manteve-se parado, o braço direito lançado na direção de Luca. Logo, de várias direções, outras pessoas também passaram a surgir: homens, mulheres, idosos e crianças, todos eles desprovidos de qualquer sinal de humanidade em seus rostos. Assim como o primeiro, também ergueram as mãos em pedido de socorro. Surgiam aos montes, avançando por cada canto da praça, ocupando cada metro ao redor do banco de madeira já ocupado pelo visitante. Ele, por sua vez, sentiu-se repentinamente imóvel, incapaz de comandar um músculo sequer. Tentou levantar-se, ir embora daquele lugar sufocante, mas sentia-se preso, imobilizado por algemas invisíveis. Os passantes sem rosto aproximavam-se, amontoavam-se, e quando suas mãos frias cobriam todo o corpo do médium de olhos coloridos, ele despertou.

*

Exatos sete dias haviam se passado desde o curioso encontro entre Luca e o misterioso Sr. August Barwell, o Equilibrium, e em cada uma das noites daquela longa semana o jovem médium fora perturbado por terríveis e recorrentes pesadelos. As visões noturnas, repletas de imagens intensas e sufocantes, eram resultados da conversão das preocupações que o afligiam, preocupações estas adquiridas durante aquela maldita conversa com o velho de cadeira de rodas.

Luca era um bom homem: gentil, educado, responsável e, acima de tudo, honesto. Honesto consigo mesmo e com tudo que girava a seu redor. Sua missão, graças ao olho azul recém-nomeado como blumergard, era ajudar as pessoas – vivas ou mortas – a encontrarem a paz para si mesmas e para seus entes falecidos. Aquele era seu destino. E a isso se deviam suas batalhas interiores: se sabia que nascera com um dom especial e que decidira usá-lo para ajudar pessoas, por qual motivo ou razão não aceitara de imediato o que August Barwell sutilmente pedira-lhe para fazer? Se era mesmo capaz de realizar tal façanha, por que não entrara de cabeça naquela missão se sabia que milhares, talvez milhões de espíritos vagantes precisavam de sua ajuda?

A cada hora, a cada minuto e segundo as palavras de August Barwell rebatiam na consciência do jovem médium e o impediam de realizar qualquer tarefa com precisão. Incertezas, inseguranças e medo. Acima de tudo, medo. Um misto de terríveis sensações o assolava ao som de Reflexo: o mundo paralelo dos mortos.

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