Foi como se apenas um breve cochilo de meio segundo tivesse acontecido. Os sentidos apagaram-se, a mente e a visão escureceram, e em um soluço de sono o despertar aconteceu.
O mundo ao redor girou como que pelo efeito de cinco doses de vodka puras e sem gelo. Luca viu paredes, um teto, o chão, tudo se misturando como um borrão que rapidamente tentava se unir. Sacudiu a cabeça, abriu e fechou os olhos, inspirou profundamente. E então tudo se estabilizou.
Tudo que sua visão conseguiu enxergar no primeiro momento foi uma sala razoavelmente escura, sem lâmpadas acesas, iluminada apenas por um facho de luz acinzentada que descia de um vitral no teto. Estava sentado na poltrona de madeira do Sr. August, os braços descansados sobre os do assento estofado, mantendo a coluna ereta e as pernas alinhadas. Uma rápida espiada ao redor foi necessária, e Luca por fim percebeu que havia funcionado.
Ele estava no Reflexo. E o Reflexo era exatamente como August o havia explicado.
Luca levantou-se da cadeira e disparou olhares por todas as direções. Estava na mesma sala onde minutos antes havia tomado uma pílula para adormecer. Tudo estava lá: a poltrona vermelha, a banqueta, o telhado adornado por uma cúpula de vidro. As paredes pareciam as mesmas, assim como o piso e o teto. Mas não era exatamente o mesmo lugar, não na sensação que passava ou na atmosfera que produzia. Era pesado, carregado por um tom mórbido que remetia à escuridão de um fim de tarde a ser engolido pelas trevas da noite iminente.
Luca preferiu caminhar em passos lentos e leves, visto que o som de seus sapatos pisando a cerâmica abaixo deles produzia ecos assustadores e que só tornavam aquele lugar ainda menos aconchegante. Percorreu dois ou três metros e estava então atravessando o curto corredor que levava até a outra sala, o depósito de bugigangas do velho August. Em poucos segundos alcançou-a e descobriu que, naquele mundo, o lugar em nada se parecia com sua contraparte. As estantes estavam viradas, os quadros não estavam na parede, as estatuetas jaziam espalhadas por cada canto da sala. O piano, como se atacado por uma gigantesca e afiada espada, havia sido perfeitamente partido ao meio. No chão, cacos de vidro sinalizavam a passagem de Luca ao serem pisados. Seria completamente possível afirmar que, se estivesse no mundo dos vivos, um terremoto havia causado tamanha destruição.
—Minha nossa – ele sussurrou sentindo um ligeiro aperto no peito.
Prosseguiu pela sala até alcançar o outro corredor que levava até o hall principal da casa, e sem hesitar atravessou-o, abriu a porta e passou por ela. O hall não havia mudado muito; continuava vazio e inexpressivo, e o único contraste que o diferenciava de sua forma original era o grande lustre de vidro que fazia parte de sua discreta decoração: ao invés de pender do teto, o lustre estava caído ao chão bem no centro do cômodo. Foi impossível para Luca deixar de sentir uma terrível e sufocante sensação de abandono. Não tinha plena certeza do que esperava encontrar na transição de mundos, mas a imagem da contraparte da casa do velho August Barwell já servira muito bem como um exemplo bastante convincente.
—Olá! – disse ele em alto e bom som, nutrindo a esperança de ouvir qualquer resposta.
A voz de Luca rebateu pelas paredes e se desfez na atmosfera acinzentada que o cercava. O silêncio foi o único retorno recebido pelo rapaz. Havia já percorrido os únicos três ambientes que lhe cabiam percorrer e não encontrara ninguém.
Não havia Equilibrium algum naquele lugar.
—Como eu já não esperava por isso? – disse em voz baixa, mais para quebrar o horrendo silêncio do hall do que por qualquer outro motivo.
Por um longo segundo, todas as expectativas e esperanças de Luca desmoronaram sobre sua cabeça. Estava ali, naquele mundo desconhecido e desbotado, e não havia encontrado o que fora enviado a procurar. Em adição, como solicitado por seu mentor, não deveria ultrapassar os limites daquela casa em hipótese alguma, embora em momento algum houvesse prestado dedicação a explicar os motivos para esta sufocante solicitação. Foi só então que Luca percebeu que August não havia dito qualquer palavra sobre o que existia além daquelas paredes. Luca suspirou e sentiu-se injustiçado, como um capacho que realiza tarefas que não entende por completo. O que havia de tão perigoso do lado de fora? Que tipo de seres habitavam as ruas daquele mundo desfigurado e melancólico chamado Reflexo? E por fim: para onde teria ido o Equilibrium que ali deveria estar?
Só havia uma maneira de descobrir.
Moveu-se lentamente até a enorme porta na extremidade do hall, com a mente pulsando entre a vontade de seguir à risca as ordens de August ou desobedecê-las por completo. Sempre fora uma daquelas eternas crianças que consideravam proibições um desafio, e aquela era uma das mais tentadoras proibições que já recebera em toda sua curta vida.
Decididoa não ser parado pela dúvida, Luca finalmente ergueu o braço direito e guiouseu movimento até a maçaneta da porta de madeira, grande e imponente. Fechou osdedos ao redor do objeto e sustentou-os sentindo o metal frio, enquantoacumulava forças – mais mentais do que físicas – para finalmente avançar rumo aum bravo novo mundo.
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EQUILIBRIUM
ParanormalAo cair em uma emboscada durante uma ação de flagrante contra um grupo de traficantes, a agente federal Ji-Yun Kwon é sugada por um fenômeno paranormal, uma espécie de falha entre mundos que a transporta para uma versão desbotada e distorcida da cid...