Capítulo 28

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Finalizando o corte com o orgulho de um trabalho bem executado, Serj moveu o braço forte que mantinha o garoto preso e libertou seu corpo do abraço cruel. Olhou ao redor, encarando os olhos incrédulos dos colegas Sólidos, assim como o de Luca, que respirava de forma selvagem, demonstrando-se prestes a saltar sobre o assassino e rasgar-lhe com os próprios dentes. Por último, dedicou-se a encarar Ji-Yun, mas logo percebeu que havia algo de diferente nela. Não parecia chocada ou sequer impressionada. Mantinha-se calma como antes, com seus pequenos olhos combinando com um pequeno sorriso no canto da boca de lábios finos.

Ji-Yun não olhava para Serj, mas sim para o garoto de garganta aberta. O corpo dele não tombara. Os olhos dele não se fecharam. E nem uma gota sequer de sangue escorreu do ferimento em seu pescoço. Estava intacto.

—Mas que diabos... – Serj sussurrou garganta afora.

—Você não pode matar algo que já está morto – disse Ji-Yun, por fim.

Sentindo-se pronto, em um brusco e imprevisível movimento, o garoto acertou com os cotovelos - e com todas as forças que tinha – a área que existia entre as pernas de Serj. O homenzarrão, então, tornou-se desnorteado física e psicologicamente, perdendo o fôlego, incapaz de esboçar qualquer reação diante daquela situação absurdamente incomum. Ele recuou, tornando livres o garoto e a pistola de Ji-Yun que descansava abaixo de um de seus pés. Ao mesmo tempo, todos os sólidos ao redor do grupo iniciaram um frenesi, embora indefinido e sem um propósito aparente. O círculo se desfez em um rápido segundo e logo todos passaram a se misturar na confusão.

—Ji-Yun! – gritou o menino, exibindo uma agonizante abertura na garganta, no exato momento em que chutava a pistola de volta para sua dona.

A agente agachou-se e apanhou a arma, e antes de levantar-se, lançou um olhar adiante e viu Serj, ainda sem fôlego, cambaleando em meio aos inúmeros pares de ombros que nele se esbarravam. Ele não tardaria a se recuperar, e o ideal seria que junto de Luca e do garoto sumisse dali o mais breve possível. Depois de novamente guardar sua pistola no lugar de onde a havia tirado, Ji-Yun ergueu os braços e o pequeno imediatamente seguiu em sua direção.

—Está tudo bem? – ela perguntou, assim que ele se aproximou dela depois de escapar de duas ou três investidas inconscientes dos Sólidos.

O menino então levou uma das mãos até a garganta e tapou o corte feito por Serj; apertou o pescoço, deslizou os dedos por ele, e assim que os retirou não havia mais corte algum no local. O ferimento sem sangue havia desaparecido por completo.

—Agora está melhor – ele respondeu com um sorriso infantil e zombeteiro.

—Belo truque, garoto! – disse Luca ainda sem entender por completo o que havia acontecido.

—Vamos dar o fora daqui. Assim que sairmos da multidão, corra o mais rápido que puder e não me perca de vista, certo?

Novamente reunido, o trio uniu-se pelas mãos e puseram-se a abrir caminho entre os Sólidos. Nenhum deles parecia intencionado a impedir sua passagem, talvez pela declaração de Ji-Yun ou pelo terrível ato mal sucedido de Serj em tentar pôr fim ao menino por eles sequestrado. Os três seguiram em serpenteios por alguns metros, já se afastando do foco da confusão, e consequentemente alcançando os limites da confusa aglomeração.

—Vamos, estamos quase lá! – Ji-Yun disse, olhando para trás a fim de conferir se tudo estava a correr bem.

O fio de esperança de fuga foi então rapidamente partido quando a voz grave de Serj cortou a brisa da praça.

—Não deixem que escapem!

Prontamente, como se soada uma ordem de um poderoso comandante, todos os Sólidos recuperaram o foco. Eram como robôs programados para obedecer à voz de Serj. Ji-Yun, então, ouviu a voz de Luca chamando seu nome em aparente agonia, e ao virar-se para trás o viu a ser puxado por três ou quatro pares de mãos no meio da multidão.

—Luca! – ela gritou em resposta, instantaneamente perdendo o parceiro de vista assim que ele se desprendeu dos dedos do garoto.

Os instintos de Ji-Yun imediatamente dividiram-se entre resgatar o colega e proteger o garoto de novamente ser levado pelos Sólidos. Braços e mais braços surgiam, amontoados, como zumbis desesperados por um pedaço de carne fresca, na insistente tentativa de puxar também o garoto que estava fortemente protegido junto ao corpo da agente. A voz de Luca havia já desaparecido em meio aos incontáveis sons que vinham de todos os lados, e Ji-Yun não conseguia ter qualquer sinal de onde ele pudesse estar naquele momento. Se caísse nas mãos de Serj de certo seria morto – o rapaz não era um ser importante naquele mundo como o garoto que se recuperara de um ferimento fatal – e tudo estaria perdido. Os pensamentos da moça lutavam contra os espasmos automáticos de seu corpo, que se debatia freneticamente enquanto tentava se livrar das mãos que o agarravam, dos dedos que o puxavam, das unhas que arranhavam sua pele.

—O que vamos fazer? – o menino perguntou, com seus olhinhos esbugalhados enquanto também se livrava dos perseguidores.

Sem olhá-lo, e ciente de que nenhuma outra escolha restava, Ji-Yun agarrou-se ao seu último e mais poderoso truque.

—Tente tapar os ouvidos! – disse ao menino, que obedeceu com esforço.

Aplicando uma cotovelada que acertou bem no meio da testa de uma mulher que puxava sua mochila, Ji-Yun deslizou a mão direita pela cintura e mais uma vez puxou sua pistola protetora. Inspirou uma dose de ar e mais uma vez ponderou aquele movimento, tendo bons motivos para executá-lo e também outros para fazer exatamente o contrário.

—Ji-Yun! – gritou mais uma vez o garoto, retirando as mãos dos ouvidos e usando-as para agarrar-se às roupas da agente a fim de não ser arrancado de sua presença.

Não havia escolha. Em nervos à flor da pele, a agente ergueu o braço em direção aos céus escuros do Reflexo, apontando a pistola para cima assim como Tonya havia feito como estratégia de fuga. Com um urro, sentindo a dor de desperdiçar mais uma de suas valiosas balas, puxou o gatilho. Um estrondo assim aconteceu, seguido de um silêncio que em nada devia ao poder de um grito de ordem de um juiz em autoridade no tribunal. Todos os Sólidos pararam e não se ouvia mais nenhuma voz.

—Ninguém se mexe, ou vou descarregar toda minha munição na cabeça de quem tentar fugir – Ji-Yun blefou, ciente de que uma mísera última bala ainda existia no pente de sua pistola. – Soltem o meu amigo agora mesmo!

Um rápido tic-tac de relógio se gastou até que Luca novamente imergisse de dentro da multidão. Nenhum deles hesitou em abrir o caminho ou mexeu um músculo na intenção de barrá-lo. Apressado, abriu espaço com os braços e juntou-se novamente aos outros dois.

—Eles machucaram você?

—Não. Está tudo bem – respondeu ele, ofegante.

—Ótimo. Agora vamos sair daqui antes que tudo se torne pior do que já está.

—O que quer dizer?

Não houve qualquer tempo, nem sequer um segundo para que a agente pudesse sanar a dúvida de Luca. A resposta veio pelo ar, através de um som conhecido que ambos haviam presenciado pouco antes, nos subterrâneos da cidade. Um uivo, um grito, um lamento. Tudo misturado em uma só voz. A voz da criatura violentamente perigosa da qual a agente tantas outras vezes fugira, e que quase decepara a cabeça do jovem médium e que era atraída pelo som.

O Inversor estava de volta, e tinha naquela praça umbanquete para matar a fome de sua cruel tarefa: limpar aquele mundo depresenças indesejáveis.

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