Chapter Three.

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"Me diga uma coisa...
Você não está cansada de
tentar preencher esse vazio?
Ou você precisa de mais?"





Meu ensino médio não foi tão ruim. Há quem termina a fase colegial do segundo grau agradecendo aos deuses por ter que passar por isso apenas uma vez na vida, e que seria uma época para a qual não voltariam.

Professores. Uniformes. Exames bimestrais. Sinal de entrada. Vestibular.

Eram marcas de pesadelos para a maioria dos estudantes.

Não pra mim.

Eu gostava da sensação de acordar cedo e daquela sensação paradoxal entre liberdade e prisão que a adolescência trazia. A sensação de poder fazer algo errado, e você poderia receber um castigo, mas você nunca era pego, e aquela coisa errada nunca era tão errada ao ponto de você precisar de um castigo. E quando você era pego, você simplesmente corria.

Eu gostava das aulas. Gostava de enlouquecer em equações matemáticas, com análise combinatória, conjuntos e bháskara. Gostava de química e seus balanceamentos. História e... Suas histórias. Geografia e o mundo. Biologia e a vida. Eu gostava de tudo isso. Porque era tudo que a gente vê hoje, em sua amplitude. Nós estudávamos o todo, e não o específico.

Mas se tinha uma coisa que eu não gostava... Era do português. Parecia um absurdo colocar regras nas palavras. São palavras. São suas, são minhas, são nossas. Ninguém tem que ficar monitorando, dizendo o que está certo e o que está errado. Nós vivemos dentro de um modelo enquadrado, como cães domesticados dentro de uma norma culta. E isso não entrava na minha cabeça de forma alguma.

Eu vivia debatendo com a professora. Até o ponto em que ela perdia a paciência, e eu era "convidada" à sala da psicóloga. Quase todas as aulas. Minha mãe já nem atendia mais ao telefone quando a diretora ligava. Porque era sempre a mesma coisa. Minhas notas sempre foram boas, os professores sempre me amaram. Mas a professora de português me considerava um "aposto". Somente um item de descrição a mais, que, se retirado, não faria diferença alguma.

E, em partes, ela tinha razão.

— Que loucura. Eu não esperava te encontrar aqui.

Eu havia me virado lentamente em direção à voz que havia me chamado. Parte de mim só dizia: não vira, só corre. Mas eu virei assim mesmo.

— Nossa, que mundo pequeno. — abri um sorriso de volta, e ele franziu o nariz em uma risadinha.

— Caraca velho... O mundo é um negócio muito doido mesmo, né? Sabe aquilo de dizerem que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar? Puta mentira de maluco. Quais as probabilidades de estarmos todos juntos no mesmo local assim, de novo, numa coincidência? — ele divagava — Quer dizer, não diria coincidência, coincidência, não sei bem se acredito nisso. — sorriu — Mas enfim, cê mudou bastante! Pra melhor, é claro. — se corrigiu na mesma hora — As voltas no mundo te fizeram bem.

"Todos juntos".

Eu não conseguia prestar atenção direito em Bruno. No momento só sentia o meu estômago embrulhar e apertar por dentro, como se tivesse se aberto uma cratera e eu de repente estava caindo sem jamais chegar ao chão.

Esse era o problema do português. As conjugações. Não importava quantas vezes você conjugasse o mesmo verbo no passado, no presente ou no futuro, no final das contas esses tempos estavam sempre interligados um no outro, eles coexistiam em frases simultâneas, o que me fazia pensar porque diabos se dar ao trabalho de haver uma conjugação, se, no fim das contas, não vai haver diferença?

O l v i d a rOnde histórias criam vida. Descubra agora