Tarde demais

#11 - Jantar de noivado

     Tentei não pensar no casal o máximo que pude. Porém não era tão fácil como eu pensara. No dia seguinte Mr. Evans nos levou para cavalgar por entre o bosque e eu pude perceber como ele e Sophie sorriam um para o outro e como pareciam se completar, mesmo quando não conversavam mantinham uma sintonia. Me perguntei se Edward e Jane também agiam desta forma, me questionei se a aparente sintonia que ele e eu tivemos não passava de algo superficial.
      Eu deveria ser forte agora. Não deixar meus sentimentos verdadeiros transparecerem. Observava que os empregados de Clarence Hill pareciam estar satisfeitos com o futuro noivado, como se estivessem todos contra mim. Quando o nosso pai soube da situação, suspirou forte e não disse mais nada. Gostava de Edward, isso era certo, mas preferiria o ter como genro ainda mais do que um simples amigo da família.      
     Estivemos no vilarejo no dia anterior ao noivado para Sophie comprar um broche que combinasse com seu vestido e notei as garotas e senhoras me olhando de soslaio, com pequenos sorrisos nos lábios. Percebi que cochichavam algo com satisfação e me perguntei se estavam tentando mostrar seu contentamento ao saber que Edward não me cortejaria, pois foi o que todos acreditaram que aconteceria, embora não achassem justo.
     A noite do noivado chegou e Clarence Hill não estava nem um pouco entusiasmada com o evento. Sophie não caprichou no figurino, vestindo um traje simples e discreto. Mr. Evans e meu pai nos aguardavam na sala de estar, enquanto Sophie penteava os meus cabelos e me borrifava um bom perfume. Mesmo que tivesse sido discreta em seu vestido, Sophie fez questão de escolher o meu, um vestido azul escuro com rendas em cor preta e uma saia um pouco maior do que era de costume. Ajeitou os cachos rebeldes que caíam em meus ombros, colocando um grampo adornado em pérolas, porém, os mantendo soltos e esvoaçantes. Um batom vermelho completava o traje e me deixava muito bonita. Porém, ainda não tão bonita como Miss. Norris!    
     Enquanto descíamos as escadas ouvimos uma carruagem parar à porta. Sophie se apressou para chegar à sala de estar, enquanto eu caminhava lentamente, sem ânimo qualquer. Eram os meus últimos momentos sendo eu mesma. Logo, deveria colocar um sorriso como máscara e comemorar o noivado de meu melhor amigo.
     Quando cheguei à sala de estar, meu pai falava com um jovem. Ele aparentava estar cansado e não parecia ser daquela região, pois eu nunca o havia visto. Sophie se aproximou de mim com um sorriso delicado:
     - Ele trouxe notícias de Elizabeth. Nossa irmã está grávida! Em poucos meses, terá uma criança!
     Assenti, ainda séria. Não me importei que aquela notícia deveria ser recebida com alegria. Além do mais, eu nunca havia me importado com Elizabeth ou sua família, e sabia que isso era recíproco. Sophie manteve-se sorrindo, enquanto escutava o jovem dar à boa nova ao nosso pai, trazendo detalhes sobre o que a família de minha irmã havia pensado para o nascimento da criança. Se fosse menino, este ganharia o nome de meu pai.     
     Acredito que quase tudo o que aconteceu depois disso foi apagado pelo trauma causado ao meu coração. Lembro vagamente do jantar naquela noite. Chegamos e não havia muitos convidados, apenas pessoas muito próximas aos Norris e aos Sharman. Anastácia parecia estar desconfortável na minha presença, mas tentei o meu melhor para fingir que estava bem. Edward veio nos cumprimentar e nos apresentou aos demais, não deveria haver mais do que 15 pessoas. Todos estavam animados e entusiasmados com o casamento e eu sentia as lágrimas virem aos meus olhos vez ou outra enquanto sorria e tentava controlá-las para que não caíssem. Sophie, Anastácia e Mr. Evans estiveram ao meu lado o tempo inteiro, sempre conversando sobre diversos assuntos, na tentativa de me distrair. O tempo parecia não passar.   
      O peixe no jantar, desta vez, parecia não ter sabor algum e acabei por beber mais vinho do que deveria. Dessa forma, me sentia anestesiada e consegui não prestar atenção quando Edward declarou seu noivado perante à todos, deixando Miss. Norris e seus pais emocionados. Deveria ser maravilhoso mesmo, Edward era tudo o que as garotas do vilarejo iriam querer, lindo, rico e, principalmente, gentil, honesto, divertido, inteligente. Não que a maioria das garotas se importassem com estes últimos atributos. Edward não julgava as pessoas, como eu. Ele simplesmente as aceitava e as tratava com respeito e gentileza.      
     Observando estas suas qualidades, percebi como eu vinha sendo idiota todos esses anos. Desde que minha mãe falecera, eu havia me fechado para o mundo e esquecido de viver imensamente. Talvez não devesse ter sido tão rígida comigo mesma e tão superficial com todos à minha volta. Deveria ter respeitado todos aqueles que eu julgara inferiores e me permitido ter a vida de uma garota normal, o que eu tanto julgara ser errado.
     Após o jantar, lembro de estar ao lado de minha irmã e seus amigos, porém sem conseguir compreender sobre o que falavam. Não sei se pelo excesso de vinho ou se pela confusão em minha cabeça. Nunca desejei que um dia terminasse tanto quanto aquele. Edward se aproximou de mim, sentando-se ao meu lado no grande sofá de sua sala de estar, onde todos estavam reunidos.
     - Quero que conheça alguém. - ele disse, fazendo um gesto para que eu o seguisse até o outro lado da sala. Seu olhar estava sério, como eu nunca havia visto antes. Percebi que a seriedade em seu olhar só se fazia presente quando ele olhava diretamente para mim, sendo desfeita em sorrisos quando se dirigia aos demais.     
     Será que ele sabia o que estava acontecendo comigo naquele momento? E sentia pena de meus sentimentos? Um impulso de raiva me fez estremecer e percebi que a nossa amizade mudaria dali por diante. Nunca mais seríamos os mesmos. E eu não estava errada!
     - Gostaria de lhe apresentar, Mr. Norris, irmão mais velho de Jane. - Edward falou enquanto me apresentava ao homem à nossa frente. - Ele será o nosso padrinho.
     O homem em questão, fez uma reverência, erguendo seu maxilar bem marcado. Era muito bonito, devia ser quase da altura de Edward, com cabelos tão loiros como os da irmã e trazia uma cor de azul escuro em seus olhos. Apesar de aparentar ser apenas alguns anos mais velho do que o meu amigo, Mr. Norris segurava uma bengala em sua mão direita, porém, ainda assim, mantinha uma postura altiva e confiante.
     - Encantado, senhorita. - disse, enquanto sua mão esquerda ergueu a minha e seus lábios a tocaram em um cumprimento ousado.
     Edward olhou-o com severidade, porém não recuei ao seu toque. Decidi que não viveria mais fugindo das pessoas. E, ainda mais, de um rapaz tão bonito como aquele. Lhe dei um sorriso confiante, que não oscilou nem por um segundo.     
     - Jane me falou muito sobre a senhorita e sua amizade com Mr. Sharman. - disse com um tom irônico na voz.
     - Miss. Saunders e eu somos amigos há algum tempo. - Edward estava exasperado. - Ela reside em Clarence Hill com sua família e todos foram muito acolhedores para comigo e Anastácia quando chegamos à Bedfordshire.
     - Soube que salvou a vida de Miss. Sharman. - continuou Mr. Norris, sem dar atenção à Edward, com os olhos fixos em mim.
     - Ah - falei com um pouco de cautela em minha voz, porém me divertindo com aquele momento. - Isso foi há muito tempo! Mas o crédito não deve ser meu, sou filha de um negociante de cavalos, afinal.
     Edward fez uma cara emburrada, enquanto eu e Mr. Norris tentávamos ignorá-lo completamente. Era prazeroso em meu coração, fazê-lo se sentir esquecido, afinal, era quilo que ele estava me fazendo sentir.
     - Então deve cavalgar muito bem! - Falou Mr. Norris, piscando um dos olhos animadamente.
     - Sim, cavalgo. Ouso dizer que melhor do que qualquer uma em Bedfordshire. - Falei sendo guiada pelo álcool que dominava meu corpo.
     - Isso eu gostaria de ver! - disse Mr. Norris me olhando profundamente enquanto um belo sorriso brincava em seus lábios.
     - O senhor é tão bonito quanto sua irmã. A beleza deve ser de família. - falei enquanto ria, sem conseguir conter a minha língua que já estava descontrolada.
     Edward respirou profundamente, como se achasse que aquilo já era demais.
     - Acho que Miss. Saunders exagerou no vinho esta noite. - disse, tentando explicar a minha indiscrição.
     - Não sei se a beleza é realmente hereditária, pois a senhorita é muito mais bonita do que sua irmã. - disse sussurrando enquanto se aproximava de meu ouvido, porém de modo que Edward conseguisse ouvir.
     Percebi que algo existia entre os dois. Era visível que não se suportavam, o que era muito estranho, pois eu conhecia Edward o bastante para saber que ele não tinha inimigos e não costumava desprezar ninguém. Antes que eu conseguisse replicar, Edward fez uma reverência à Mr. Norris e me guiou de volta ao sofá onde minha irmã estava.   
      Durante o resto da noite, continuei tomando vinho em silêncio ao lado de Sophie. Mr. Norris olhava para mim o tempo todo, enquanto sorria com animação e eu revidava seus sorrisos, ignorando a cara de poucos amigos que Edward fazia, sempre quando percebia que trocávamos olhares.
      Na carruagem de volta, mesmo com o efeito do vinho em meu corpo, não pude segurar as lágrimas que teimavam em queimar os meus olhos. Mr. Saunders dormia ao meu lado durante o trajeto, enquanto Sophie e Mr. Evans conversavam baixinho. Olhei pela janela, sentindo o vento noturno sendo aspirado pelo meu nariz. O cheiro de flores que a primavera trazia, contrastava com o vazio em meu coração. Ao chegar em casa as lágrimas brotavam furiosas e corri para o meu quarto, impedindo que alguém me visse chorar. Exceto Zeus, que estava em cima de minha cama e, no momento em que eu entrei no quarto, percebeu que eu não estava feliz. Ele me fez companhia durante a noite e dormiu ao meu lado parecendo estar preocupado com minhas lágrimas.     
      Agora estava feito. No fim de junho eles se casariam e eu não gostaria que a minha vida voltasse a ser como era antes de Edward e Anastácia chegarem à Bedfordshire. Não queria mais ser sozinha, porém acreditava que era o que iria acontecer. Em um mês eu perderia o meu amigo.