#12 - O cavalheiro certo

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      No período entre o jantar de noivado e o casamento de Edward algumas coisas transcorreram. Mr. Evans, finalmente, pediu a mão de Sophie em casamento, o que foi recebido em comemoração pelo meu pai. Ambos se casariam em agosto e logo iniciariam os preparativos. Durante o noivado, apenas Anastácia, que era a melhor amiga de Sophie, esteve presente, além da família dos noivos.
     Durante os primeiros dias de junho, Mr. Norris veio visitar Clarence Hill. Eu confesso que pouco pensava nele, e me foi uma surpresa quando esteve em nossa casa dizendo que precisava me ver cavalgar, já que havia dito que era a melhor naquilo em Bedfordshire. Me lembrei de quando Edward fizera a mesma coisa há tanto tempo atrás! Talvez eu fosse iniciar uma nova amizade agora.
     - Você me pegou pelo orgulho, Mr. Norris. - falei em tom enigmático enquanto estávamos na sala de estar. - Agora terei de provar a minha palavra.
     Em poucos minutos eu já estava com roupas de montar e saímos para o bosque. Apesar de apoiar-se na bengala, Mr. Norris conseguia cavalgar perfeitamente e não foi difícil para que subisse em seu cavalo. Aquela tarde estava quente e logo resolvemos parar e sentar à sombra de uma árvore. Desta vez não havia criada alguma nos acompanhando, acho que meu pai nem se importava mais que eu ficasse sozinha com um cavalheiro. Talvez até tivesse esperanças de que eu fizesse algo inapropriado e tivesse que casar, mesmo contra a minha vontade.
     - Ouvi o que falam sobre a senhorita no vilarejo. - ele falou indiscretamente. - Não consegui acreditar, como alguém tão encantadora pode ser tão cruel?
     - Sim, eu sou cruel. Ou, pelo menos eu fui um dia. Agora já não sei mais como sou. - falei pensativa desejando que Edward estivesse ali no lugar dele. Sentia muita falta de conversar com o meu amigo, ele não veio à Clarence Hill desde seu noivado.
     - E qual foi a maior crueldade que já fez, senhorita? - ele sussurrava, embora só nós dois estivéssemos ali.
     "Foi me deixar apaixonar." Era o que eu queria responder.
     - Já se apaixonou, Mr. Norris? - Perguntei sem lhe responder, o deixando desconcertado.   
     - Uma vez. - Ele disse sem convicção em sua voz. 
     - E o que aconteceu?
     - Ela morreu. - falou, porém não demonstrava tristeza em suas palavras. - Faz muitos anos.     Assenti e, por um momento, fitei a grama à minha frente.
     - E não é uma crueldade o que o amor faz com aqueles que se apaixonam? Se pudesse nunca a ter amado, não seria mais fácil?
     Ele parecia confuso com o rumo da conversa e percebi que não poderia conversar com ele sobre qualquer assunto. Ele não era Edward, afinal. Decidi levar a conversa para um rumo mais seguro.
     - A menos que aconteça o que houve com a sua irmã. Ela encontrou o cavalheiro mais gentil e divertido que eu conheço e será a pessoa mais feliz do mundo! - falei sorrindo para que ele não percebesse os ciúmes em minhas palavras.
     Ele acenou com a cabeça positivamente, acrescentando:
     - A senhorita também pode encontrar o cavalheiro certo. Talvez ele esteja bem na sua frente.     Senti sua indireta, mas não respondi. Ele era muito bonito, isso é certo e iria herdar a propriedade dos Norris, mas eu não estava confortável com sua presença.
     Depois de uns momentos em silêncio, me levantei e fui até Odin. Acariciei seu pescoço e ele pareceu gostar do carinho. Mr. Norris se levantou em seguida e chegou tão próximo à mim que pude ouvir sua respiração. Ele segurou as minhas mãos e aproximou seus lábios de meus ombros, que estavam cobertos pelo vestido fino e escuro. Sentir sua respiração em meu pescoço me fez dar um pulo para trás enquanto meu coração saltava pela boca. Ele me lançou  um sorriso travesso e se afastou, subindo em seu cavalo e fazendo sinal para que eu montasse em Odin. Continuamos nossa cavalgada por mais algum tempo e quando cheguei em casa, já estava escurecendo.
     Aquele momento estranho não impediu que nos encontrássemos mais vezes. Mr. Norris vinha com frequência à minha casa e, embora nem Sophie, nem Mr. Evans, gostassem de sua companhia, eu começava a apreciá-la. Ele era um tanto peculiar e ousado, mas ainda assim, me fazia companhia e preenchia os meus momentos de solidão,que eram preenchidos antes por Edward. Meu novo companheiro de cavalgadas me pediu que o chamasse pelo seu primeiro nome, Hugh e, cada vez mais, eu me acostumava à sua presença.
     No dia anterior ao casamento de Edward, eu e Sophie fomos à Madonna Giordana para provar os vestidos que havíamos encomendado. Jane solicitou que eu usasse um traje de cor clara em seu casamento, então, a italiana e minha irmã haviam escolhido um belo vestido azul turquesa com detalhes em renda branca e pérolas, bastante delicado e completamente diferente dos vestidos que eu costumava usar. Confesso que minha aparência não ficou ruim, mas, definitivamente, não parecia ser eu mesma.
     Enquanto Madonna Giordana fazia a última marcação para ajuste em minhas costas, pude ouvi-la murmurar palavras ininteligíveis, como se estivesse resmungando inconformada com algo, enquanto balançava negativamente a cabeça.
      - Está muito bonita, criança! - falou, alto desta vez. - Faria qualquer noivo desistir do próprio casamento de tão bela.
     Abaixei a cabeça, enojada. Sua frase me fez perceber o que aquilo tudo significava. Ela também estava com pena de mim. Neste instante, a campainha tocou e a senhora foi atendê-la, retornando na companhia de Mr. Norris.
     - Ragazza, este cavalheiro pede para falar com a senhorita.
     - Perdoe-me, Joana. - ele disse meu primeiro nome, fazendo Madonna Giordana quase dar um salto para trás. A Italiana prestava atenção em todos os detalhes e trocava, ocasionalmente, olhares significativos com Sophie. - Mas vi a sua carruagem parada à porta.
     Ele se aproximou e me estendeu uma flor branca. Eu nunca havia visto aquela espécie de planta antes, tinha um perfume muito agradável e parecia ser um tanto exótica, porém muito bonita e delicada.
      - Certamente combinará com o seu vestido. - exclamou, enquanto esperava que eu segurasse a flor em sua mão. - Você está muito bela, senhorita. - disse com um sorriso gentil. Sorri de volta, tentando mostrar para a minha irmã que eu estava feliz. Segurei a flor.
     - Me prometa que irá usá-la amanha! - disse Hugh, piscando os olhos, enquanto mancava em sua bengala, afastando-se.
     Assenti, ainda sorrindo, um sorriso tão superficial que apenas Edward saberia que era falso.   
     - Agora, irei deixar as senhoritas continuarem seus afazeres. - Mr. Norris fez uma reverência e saiu do local, deixando Madonna Giornada boquiaberta.
     Assim que ouvimos a porta da loja se fechar, a italiana pegou a flor de minha mão e a colocou sobre uma mesa, para que pudesse continuar o seu trabalho.
     -É uma bela flor. Vai ficar, realmente bonita em seu vestido amanhã. - ia dizendo a senhora, enquanto continuava a ajustar minhas medidas. - Pobre rapaz! Ouvi dizer que já nasceu com a perna direita desse jeito, aprendeu a se virar com esta bengala ainda muito jovem. Pelo menos, consegue mover as pernas e não perde a compostura. E parece que algo mais o prende à essa cidade além do casamento de sua irmã.
     Ela sabia quem ele era, é claro. Em um vilarejo tão pequeno, não era de se espantar que todos se conhecessem.
      Saímos da loja e voltamos para casa. Madonna Giordana ficou de nos enviar os vestidos na manhã seguinte, com as devidas alterações.
     Durante aquela tarde, brinquei com Zeus e tentei me distrair ao máximo. Não ficaria remoendo a minha tristeza o tempo inteiro. Precisava superar tudo isso.

Tarde demaisOnde histórias criam vida. Descubra agora