#14 - Um pesadelo disfarçado!

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       Permaneci na penumbra até que os batimentos do meu coração se acalmaram. Como eu teria coragem de sair daquela sala e olhar para ele? Como poderia encarar Jane e a minha família? Eu havia correspondido a cada um de seus abraços, cada toque, cada respiração entrecortada. Não adiantaria dizer que fui forçada a fazer aquilo, ele sabia que não.
     Saí da sala piscando minhas pálpebras enquanto meus olhos se acostumavam às luzes do salão. Parecia que eu estava acordando de um pesadelo fantasiado de sonho. "Edward me beijara", esse era o sonho. "No dia de seu casamento com outra pessoa", esse era o pesadelo. Provavelmente porque estava bêbado e eu não tinha essa mesma desculpa.
     Encontrei Sophie e Anastácia me procurando pelo salão. A minha irmã parecia preocupada, provavelmente pensando que eu estive chorando devastadoramente em algum canto. Longe disso!
     - Papai já está querendo voltar para casa. Estamos a procurando há mais de meia hora! - Sophie falou, um tanto preocupada.
     - Eu estava na sala de música, fugindo um pouco da multidão! - comentei como se não fosse nada demais.
     Sophie me lançou um olhar desconfiado e me perguntei se estava corada demais. Nosso pai se aproximou, fazendo um gesto para irmos embora.
     - Vamos nos despedir dos noivos. - disse minha irmã, seguindo Anastácia em direção à noiva que estava rodeada de convidados.
     Quando Jane percebeu que nos aproximávamos, sorriu em direção ao nosso pai, com um sorriso sincero e animado.
     - Estamos indo, Mrs. Sharman! - disse meu pai sem perceber que chamá-la pelo sobrenome de Edward era o mesmo que me atingit com um soco. Senti meu estômago se embrulhar mais uma vez e lágrimas quentes perpassarem meus olhos. - Seu casamento foi encantador!
     - Muito obrigada por terem vindo! - ela fez uma reverência gentil.
     - Onde está Edward?
     Mais uma frase de meu pai que me causou arrepios. Jane olhou ao redor procurando o marido, porém, não havia sinal de Mr. Sharman em lugar algum. Senti minha respiração aliviar ao perceber que ele não estava no salão. Com sorte, eu iria sair da festa sem que nos encontrássemos novamente. Na verdade, não o queria encontrar nunca mais. Seria melhor assim.
     - Edward certamente está resolvendo algum detalhe do casamento ou da festa. Da última vez que o vi, ele estava indo à cozinha para conversar com o chef. - Jane parecia incomodada com o sumiço de seu marido.
     - Bem, mande os nossos cumprimentos para ele! - meu pai falou, enquanto eu e Sophie ficávamos em silêncio. Anastácia também parecia estar incomodada com a situação, percebendo que Jane não era bem vinda para as irmãs Saunders.
     Após nos despedir de Anastácia e Nick, nós caminhamos em direção às portas do salão que davam para o jardim, nossa carruagem já estava nos esperando bem à frente.
      Quando senti o ar fresco de verão inundar os meus pulmões, também percebi que tudo estava feito. Edward havia se casado e as coisas mudariam entre todos. Sophie já não parecia o estimar tanto e nosso pai não o via mais como um possível pretendente para mim. Eu não conseguia acreditar que a nossa amizade iria, realmente acabar ali.
     Antes que entrássemos na carruagem, no entanto, percebi Edward vindo em nossa direção. Ele corria, como se tivesse sido avisado de nossa partida.
     - Mr. Saunders obrigada pela presença de sua família hoje. - ele disse ofegante. - Vocês são a minha segunda família em Bedfordshire. E são muito importantes para mim. - disse a última frase olhando em meus olhos, enquanto eu tentava não encarar os seus. A flor que Mr. Norris me dera estava em suas mãos, embora Edward não estivesse prestando atenção nela.
     Nosso pai respondeu com uma ou outra frase que não consigo me lembrar, pois naquele momento eu gelei ao perceber que Sophie observava a flor tão peculiar que Edward segurava. Minha irmã era uma das pessoas mais espertas que eu já conhecera e certamente compreendeu que alguma coisa havia acontecido. Mr. Saunders entrou na carruagem e Edward segurou a mão de Sohie para lhe auxiliar a subir os degraus. Em seguida, ele estendeu a mão para que eu segurasse e fosse guiada para dentro da carruagem, porém, eu simplesmente ignorei a sua gentileza, ergui a cabeça e subi sozinha, me sentando ao lado de minha irmã. Mr. Sharman ficou nos olhando pela janela da carruagem e fechei as cortinas para não ter que cruzar com o seu olhar.
     Apesar de ter observado a flor, Sophie nada falou sobre o assunto no caminho de volta para casa. Uma confusão de pensamentos passavam pela minha mente após tudo o que acontecera. Estremeci ao lembrar do abraço, do toque e da língua de Edward, carregada com o forte gosto de Whysky. Nunca havia beijado alguém antes. Não sabia que era algo tão intenso! Senti um breve sorriso brincar em meus lábios quando lembrei de sua surpresa ao me perceber sem relutância, porém o sorriso logo se dissipou quando lembrei de sua cara de espanto quando fomos "despertados" pelo barulho do vidro se espatifando no chão.
     Ele havia voltado lá. Na sala. Será que tentou me encontrar para se desculpar mais uma vez? Tudo o que conseguiu encontrar foi a flor caída e uma taça quebrada. Senti raiva, o que ele pretendia com aquilo tudo? Me tratar como uma qualquer no dia de seu casamento? Me fazer sentir culpa ou se aproveitar de meus sentimentos frágeis?
     Entrei em casa com o rosto fervendo de raiva. Raiva de Edward, de mim, de Jane. Raiva de tudo aquilo. Cheguei a maldizer o dia em que nos conhecemos, quando o estúpido cavalo de Anastácia resolveu correr demais. Eu ainda deveria ser como eu era, mas eu mudei e nem conseguia me reconhecer mais.
     Estava tarde e todos foram para os seus aposentos. O cansaço era visível em meu pai e minha irmã, percebia-se claramente que não haviam se divertido.
     Deixei um grande suspiro se soltar assim que apaguei as luzes das lamparinas em meu quarto. Zeus não estava ali hoje, eu estava sozinha. Um nó em minha garganta veio, acompanhado de uma tristeza que eu nunca havia experimentado antes. Lágrimas grossas escorreram pelas minhas bochechas, me fazendo perceber que elas seriam as minhas melhores amigas aquela noite. Não Edward.
     Deitei na cama e não consegui manter meus pensamentos no que acontecera na sala de música. Tudo o que conseguia pensar era em Jane como Mrs. Sharman e em como seria aquela noite para o casal. Eu bem sabia o que iriam fazer depois do casamento. Minha mãe e Mrs. Flynch haviam me explicado um pouco, pensando que eu deveria estar preparada para o meu próprio casamento. Antes eu não soubesse...
     Eu desejava que meu amigo fosse muito feliz com a mulher que escolhera. Talvez ela não fizesse ideia de como havia tido sorte. Agora ela iria sentir o perfume dele todas as noites, e os braços, que me abraçaram há algumas horas, a abraçariam sem a sensação de que estivessem fazendo algo de errado. A língua dele se conectaria com a dela e eles se veriam como realmente são, sem precisar esconder o que sentem um pelo outro. E talvez, não demorasse muito até que tivessem um filho. Um herdeiro, como Edward havia dito que era necessário.
     Amor é o que Sophie e Nick sentem um pelo outro, sempre estão felizes e são quase inseparáveis. O que estou sentindo é uma tristeza e um vazio tão profundos que não podem ser confundidos com amor. Se é que ele, de fato, existe. Eu quase cheguei a acreditar que sim.

Tarde demaisOnde histórias criam vida. Descubra agora