#22 - Onde ele está?

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      Dois dias. Era o tempo que faltava para o baile. Não foi difícil convencer Sophie de que precisávamos ir. Afinal, ela residia ali e precisava ter um bom relacionamento com todos por perto. Se não fosse ao baile, teria que ter uma justificativa plausível e, ainda assim, seria estranho que todos os convidados acabassem não aparecendo. E eu havia sido convidada!      Sophie afirmou que poderíamos inventar que estive indisposta naquela tarde, mas algo dentro de mim queria muito acompanhá-la.
      Eu desejava rever Edward. Talvez ele nem se lembrasse mais de mim. Eu poderia passar despercebida. Mas não era aquilo que eu queria. Desejava ser vista. Queria que ele percebesse como fiquei bem desde que partiu. Só não sabia como eu poderia fingir algo tão absurdo.
      Pouco saímos nos dias que antecederam o baile. Parecia que Sophie não queria arriscar que eu encontrasse Edward pelas ruas de Londres. Quase fugi durante a noite para caminhar um pouco e me perder pelas ruelas da cidade, mas segurei o ímpeto de desagradar a minha irmã.       Ali não era Bedfordshire. As pessoas mal me conheciam e não retorciam o nariz quando eu passava. Era melhor que continuasse assim.
      Sophie arregalou seus olhos azuis quando me viu saindo pela porta de sua residência para entrarmos na carruagem na noite do baile. Segurei um riso ao perceber o rubor em seu rosto e rezei para mim mesma que outras pessoas no salão também me olhassem com aquele rubor.    Afinal, eu não tinha mais 15 anos. Poderia ousar em meus vestidos.
      Este era vermelho vivo com rendas transparentes que enfeitavam todo o corpete. Mais apertado do que nunca, mostrava um decote generoso, que exibia um colar de rubis que emprestara de minha irmã. Os ombros à mostra e luvas também vermelhas. Meu cabelo estava meio solto, delineando cachos escuros e bem feitos, enquanto um batom cor de vinho dançava em minha boca. Ali estava eu, a figura do demônio em pessoa, como muitos costumavam me comparar em Bedfordshire. Só que, desta vez, eu estava deslumbrante.
      Mrs. Daldry veio em minha direção, me lançando um casaco grosso sobre os ombros. Me deu um sorrisinho desconfiado enquanto o cocheiro me auxiliava a subir na carruagem depois de Sophie e Nick Evans. Ela havia me advertido que aquele vestido era muito escandaloso, mas eu não lhe dei ouvidos. Nunca dei ouvidos quando se referiam à minha aparência, não iria começar a dar agora.
      Assim que chegamos ao salão dos Halford, pude perceber que era um lugar suntuoso. Situada em Mayfair, a propriedade dos Halford era tão imensa que eu mal conseguia visualizá-la movendo apenas a cabeça. Se destacava diante das outras propriedades, com um requinte indiscutível. Tinha quatro andares e uma largura onde caberiam cinco Clarence Hill. Fomos conduzidos até o salão de baile por um lacaio que não conseguia tirar os olhos do meu corpete. Sorri para ele, saboreando sua confusão mental.
      Aguardamos um instante em uma sala de espera no interior da mansão, enquanto, um por um, os convidados eram anunciados em sua entrada. Enormes portões de carvalho separavam a sala de espera do salão de baile. Porém, o salão não estava, nem de longe, lotado como eu pensei. Umas 20 pessoas conversavam entre si. Quase ninguém dançava, embora uma música suave estivesse sendo tocada. O salão parecia quase vazio com aquela quantidade de pessoas.
      - É um baile restrito para poucas pessoas. - Sussurrou Sophie, percebendo minha indagação com o olhar.
      Ótimo. Agora, definitivamente, todo mundo irá me notar. Pensei que me misturaria na multidão, mas com essa quantidade de pessoas, isso não iria acontecer. Senti novamente meu coração acelerar. Então eu não poderia desaparecer na multidão quando visse Edward.      Estaríamos nos encarando sob o mesmo teto a noite inteira!
      Olhei para os lados enquanto anunciavam a minha chegada aos convidados. Não havia sinal dos Sharman. Senti uma sensação de alívio invadir o meu corpo ao mesmo tempo que uma frustração profunda tomava conta de mim. Será que ele não viria?
      Acompanhei os Evans até um lugar no lado direito do salão. Haviam alguns sofás e quase ninguém para conversar. Nos sentamos como qualquer senhora casada deve e iniciamos uma conversa agradável sobre Mr. Evans estar procurando uma propriedade em Bedfordshire. As gêmeas se aproximaram de onde estávamos para nos cumprimentar. Nos levantamos e fizemos as devidas reverências.
       - Mr. e Mrs. Evans. - disseram as duas em uníssono. - Miss Saunders. Que bom que vieram! Em alguns minutos, o jantar estará servido! - Não sei afirmar qual das duas estava falando conosco, enquanto a outra acenava afirmativamente com a cabeça. Usavam dois vestidos bege e tinham exatamente o mesmo penteado no alto da cabeça. - Anastácia! - Disse a anfitriã, observando um grupo de pessoas bem próximo de onde estávamos. As irmãs saíram com uma reverência rápida e foram cumprimentar o outro grupo.
      Ao ouvir o nome de Anastácia, fiquei tão ofegante que poderia jurar que estava me afogando. Evitei não olhar para trás, na esperança de que fosse apenas uma assombração. Minhas mãos estavam geladas e tremendo de nervosismo, por baixo das luvas.
      Então, Sophie abraçou uma mulher bem ao meu lado e pude perceber que era ela. Anastácia em pessoa. Depois de cinco anos, eu a estava reencontrando. Vestida com tons de verde escuro e o cabelo bem arrumado em um coque, observei como ela havia crescido.
      - Joana! - Anastácia exclamou, em um tom um pouco alto demais. Me deu um abraço apertado, que não seria visto com bons olhos naquele ambiente. Anastácia, no entanto, parecia não se importar. - Que surpresa agradável! Senti muitas saudades!
      - Também senti saudades de você, Anastácia! Precisamos conversar para que me conte como está! Ouvi dizer que está noiva!
      Ela deu uma risadinha tímida.
     - Vamos marcar um chá para conversarmos, sem demora! - Disse enquanto sorria e me olhava de cima à baixo. - Você está cada vez mais bonita, Joana. Já lhe disseram que está magnífica esta noite?
      Baixei os olhos, fingindo timidez. Mas era algo que não me intimidava. Eu estava linda e sabia disso, mesmo que um tanto ousada demais.
     As gêmeas se aproximaram novamente, desta vez, acompanhadas do grupo que haviam ido cumprimentar. Era formado por dois senhores, um homem e uma mulher. Então, me dei conta de que Edward estava ali, bem na minha frente. 

      Não parecia o Edward que eu conhecera. Estava diferente. Sua postura ereta mostrava confiança, seus olhos sérios e rosto rígido denunciavam seu desconforto com aquele momento. Evitei olhar diretamente para ele, mas em alguns milésimos de segundos encarando seu olhar, procurei pelo Edward que havia conhecido. Não estava lá. Talvez fora consumido pelo peso dos anos e das responsabilidades.
     Minhas mãos tremeram ainda mais e meu coração pareceu que explodiria. Minha respiração acelerou e tentei me controlar para não parecer ofegante. Eu podia jurar que Sophie conseguia sentir o que se passava dentro de mim. Meu estômago afundou quando percebi a mulher ao seu lado.
     Era Jane. Belíssima como sempre fora. Me fuzilava com o olhar como se eu fosse uma assombração ou seu pior pesadelo. Ambos fizeram uma rápida reverência para nós. Jane com expressão de poucos amigos, Edward sem transparecer expressão alguma. O casal apresentava um ar requintado, ele com o cabelo bem cortado e roupas caras. Ela, com um ar de maturidade, vestida em roupas mais pesadas do que as jovens costumam usar.
     Edward tentou não olhar diretamente para mim. Porém, por alguns instantes, seus olhos encontraram os meus. Desejei poder lhe perguntar onde tinha ido parar seu olhar quente e tão familiar. Desejei poder lhe dizer que não precisávamos agir como dois completos estranhos. Eu ainda mantinha o seu presente como um bem tão precioso como o ar. Mas percebi naquele momento, que ele não queria que este véu que nos separava naquele momento caísse. Eu não sabia o que tinha acontecido em sua vida na França, mas não parecia ter-lhe feito bem.
     Percebi desapontada que o seu perfume também tinha mudado. Não era mais aquele aroma que me tirava do sério sempre que o sentia. O aroma do homem que me beijou na sala de música ou que adormeceu ao meu lado na última vez que nos vimos. Isto também se fora e foi o ápice da minha frustração. Quando não podia olhar diretamente para Edward no passado, ao menos podia sentir seu perfume. Agora não mais. Lembrei com um embrulhar de estômago do casaco que ele havia esquecido em minha casa na última vez que nos vimos. Mrs. Flynch o encontrara na manhã seguinte e deixara em meu quarto na mesinha de cabeceira. Por uma semana eu me recusara a retirar a vestimenta daquele lugar, o perfume no casaco me mantinha acordada à noite e me fazia sentir que meu amigo estava ao meu lado enquanto dormia. Depois, tive que me contentar que aquilo não estava me deixando nenhum pouco saudável. Pelo contrário, torturava meu coração. Então, guardei o casaco no baú de tranqueiras no porão e nunca mais o retirei.
     - Mrs. Evans - disse um dos senhores que acompanhavam o casal. - Que jovem tão encantadora, esta! - Referia-se à mim. - Pode nos apresentá-la?
     - Esta é minha irmã, Mr. Fernsby. Joana Saunders. Está passando a temporada de inverno conosco em Londres.
     O velho me observou de cima à baixo, demorando-se em meu corpete. Meu pescoço queimou, diante de seus olhos e percebi que estava completamente ruborizada.
     - É um prazer, Miss. Saunders. - sibilou vagarosamente.
     Em um ímpeto de raiva, desejei cuspir em sua face diante de todas aquelas pessoas. Eu queria ser admirada com aquele vestido, não vista como uma vadia.
     - Nenhum prazer de minha parte, Mr. Ferns... qualquer coisa. - falei rispidamente.
     Sophie riu sem graça e o velho gargalhou, parecendo nada abalado com a minha fala. 
     Após o momento de desconforto, aproveitei para escapar do grupo. Me juntei à Anastácia pelo salão e fomos até a outra extremidade. 

Tarde demaisOnde histórias criam vida. Descubra agora