#08 - Um soco no estômago!

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       A primavera chegou e eu me recuperei por completo. Edward me trazia flores de vez em quando e continuamos nossos passeios ao ar livre. Por vezes ele se mostrava pensativo, mas permanecia com o sorriso mais lindo que eu já vira. Eu o observava pensando em como ele esteve ao meu lado quando eu quase morrera. Como haveria se sentido? Mesmo sabendo que éramos apenas amigos, eu não conseguia me imaginar sem ele, sem suas gargalhadas diante da minha rudeza ou seus olhos benevolentes ajudando a todos que podia. Me peguei pensando em como seria se o perdesse, uma tristeza imensa apertou meu coração.
     Certa tarde eu estava no jardim em frente à minha casa, andando de um lado para o outro, pensando o que deveria fazer em relação à isso tudo. Talvez eu devesse contar para ele como vinha me sentindo desde que nos conhecemos. Como sua companhia desagradável me agradava e como não conseguia me imaginar sem ele ao meu lado. Pensei que seria arriscado, poderia arruinar a nossa amizade, mas não poderia mais continuar desse jeito. Porém, saber que ele dançara comigo apenas por causa de uma aposta me impedia de tomar qualquer atitude. Além do mais, ele nunca demonstrara nada demais em sua atitudes, sempre agindo como um simples amigo deve agir. Nada mais.
      - Miss. Sauders, gostaria de lhe falar - Mr. Evans, que andava frequentando a nossa casa, buscando a melhor maneira de conversar com meu pai sobre cortejar a minha irmã, se aproximou de onde eu estava, me estendendo seu braço esquerdo para segurar. - Miss. Sophie e eu conversamos sobre uma aposta que Mr. Sharman teria feito comigo e outros rapazes durante o casamento de sua irmã. Uma aposta para dançar com a senhorita. Preciso esclarecer que nunca presenciei a realização de nenhuma aposta semelhante à esta, nem os outros rapazes com quem conversei. Ninguém nunca apostou tal grosseiro gesto com Mr. Sharman. Onde já se viu, apostar dançar com uma dama e magoar-lhe o coração! Garanto que se ele pediu que a senhorita o concedesse uma dança, não agiu senão de acordo com seu próprio coração ou seus princípios. 
      Meu coração palpitava agora. Então não havia tido nenhuma aposta? Porque Edward dissera aquilo então? Talvez fosse a única maneira de tentar me persuadir a dançar com ele, como mais eu aceitaria realizar tal feito? Dei um abraço impulsivo em Mr. Evans e avancei para a sala de leitura em nossa casa. Subi as escadas ofegante, peguei um papel e uma pena e me sentei diante da escrivaninha em frente à janela que dava para o jardim. Edward chegaria dentro de alguns instantes para me fazer companhia até a loja de Madonna Giordana. Eu precisava comprar o presente de aniversário de Sophie! Iria escrever uma carta e lhe entregaria ao final do dia. Esperaria então, que ele decidisse por si mesmo o que faríamos. 

"Mr. Edward Sharman,
Não sei como posso lhe dizer isso, e inicio esta carta de forma boba e pueril.
Não peço que corresponda aos meus sentimentos, peço que apenas os conheça.
No dia em que nos conhecemos percebi que gostava de sua companhia e quando me despertou dos dias de delírio, vi que o senhor é o único lugar onde eu quero estar.
Já não me importo se quebrar uma promessa feita há tempos atrás, quando eu ainda desconhecia a gentileza, o cuidado e a amizade verdadeira.
Se o senhor não sentir o mesmo por mim, peço que ignore o que aqui está escrito e que continue com a nossa amizade, sem que precisemos nos constranger. Prefiro ser apenas sua amiga à arriscar nunca mais tê-lo por perto.
Porém, se houver uma chance de que algum sentimento esteja em seu coração, não exite em me contar.
De qualquer forma, não quero perdê-lo, pois o aprecio mais do que pode imaginar.
Att. Joana Saunders"

      Após escrever estas palavras, olhei pela janela e o avistei vindo à galopes no horizonte. Meu coração acelerou imaginando o que aconteceria quando lhe entregasse a carta. O nervosismo me fez decidir entregá-la apenas quando retornássemos, assim, se ele precisasse se afastar de mim, poderia fazer isso sem tanto alarde. Queria adiar ao máximo a possibilidade de não tê-lo mais por perto. Sentia muito medo de arruinar nossa amizade e já não conseguia me imaginar sem a companhia de meu amigo.
       Ele não me olhava como as outras pessoas do vilarejo, cuidava de mim, me aceitava do jeito que eu era e nunca havia tentado me mudar ou me dar alguma lição de moral. Eu aprendia com ele, observando seus modos cordiais para com todos, seu senso de justiça. Acho que eu estava começando a não agir com tanta frieza como antes. Uma outra tarde, não resisti ao impulso e abracei Maggie, a nossa criada, quando soube que era seu aniversário. Todos ficaram espantados, exceto Sophie que sorriu divertidamente, como se conseguisse enxergar dentro do meu coração. De alguma forma, ela sabia o que se passava, mesmo que eu tentasse esconder e agora nem eu mesma gostaria de esconder. Guardei a carta dentro da escrivaninha rapidamente, a escondi por trás de uma madeira que estava solta em sua lateral, assim que percebi Edward descer do cavalo e entrar em minha casa no andar de baixo.
      Logo ele estava lá, parado à porta, sorrindo e me apressando para chegarmos à tempo de encontrar a loja de Madonna Giordana aberta.
      Sorri para ele de volta, ainda nervosa pelo que acabara de escrever. Qual seria a sua reação? Ele me acompanhou até os estábulos, onde Odin estava sendo preparado para o nosso passeio. Meu pai já não se importava que andássemos juntos, sem escolta. Acho que acabara por se convencer que não haveria nenhuma chance de que eu me encantasse com Mr. Sharman. Ele não fazia ideia do quanto estava enganado. Sophie e Mr. Evans me viram sair animadamente, fazendo sinais de aprovação como se soubessem o que eu iria fazer. Sophie se aproximou de mim, enquanto eu subia no cavalo e me desejou boa sorte. Edward observou a cena com uma expressão de interrogação, o que fez com que Sophie lhe falasse:
      - Minha irmã precisa conversar com o senhor, Mr. Sharman. Ouça tudo o que ela tem para lhe dizer e seja cordial para com ela. - falou indiscretamente, enquanto eu corava e a olhava de forma rude. Edward sorriu e partimos em direção ao vilarejo.
      - O que deseja conversar, senhorita? - me perguntou com curiosidade quando já estávamos bem distante da propriedade.
      Respirei fundo querendo contar tudo o que se passava em meu coração naquele momento, porém não suportava a ideia de que ele me rejeitasse. O que eu iria fazer? Há alguns minutos estava tão obstinada, mas agora meu estômago parecia que tinha sido arremessado contra uma parede de concreto. Seriam essas sensações normais? Ele me pareceu preocupado ao observar que a minha respiração se acelerara em demasiado.
      - A senhorita está bem? - Parou o cavalo, com um semblante de preocupação. Eu acenei com a cabeça e avancei com Odin correndo à sua frente. Estava adiando ao máximo o momento onde ele saberia o que eu estava sentindo e decidiria se continuaríamos amigos ou não.
     Chegamos rápido na loja de Madonna Giordana. Desci do cavalo e Edward me ajudou a prendê-lo bem firme. Depois, entrei na loja e qual não foi a minha surpresa quando percebi que ele entrou logo em seguida. Geralmente os homens não entravam na loja de artigos femininos, achavam entediante e preferiam esperar à porta. Porém, ele estava obstinado, deu um breve
sorriso à Italiana e percorreu as estantes de vestidos e acessórios decididamente. Madonna Giordana veio me receber e perguntou o que eu desejava.
      - Preciso de um presente de aniversário para Sophie. - falei ainda observando Edward caminhar até o fundo da loja.
     - A senhorita tem alguma coisa em mente? Um vestido, um chapéu, uma joia?
     - Uma joia seria perfeito. - respondi ainda sem entender o que Edward estava fazendo.
     Madonna Giordana me mostrou a prateleira onde mantinha vários tipos de joias. Colares, anéis e brincos enfeitavam o pescoço de manequins.
     Foi quando eu vi Edward retornando em minha direção, ao lado dele se encontrava uma jovem e outra mais atrás. Ambos sorriam um para o outro e pareciam já se conhecer há um tempo. Ele falava algo animadamente e a jovem balançava a cabeça, piscando muito seus olhos azuis. Era alta, magra e loira. Uma beldade! Há tempos não víamos alguém tão bonita na região, ela certamente estava de passagem ou havia se mudado recentemente. Eu torcia para que fosse uma miragem ou a primeira opção. A velha Italiana ficou observando o meu rosto enquanto eu olhava o casal se aproximar com expressão indignada. Não precisava prestar muita atenção para ver que eu parecia ter sido esbofeteada naquele momento. Edward e a jovem se aproximaram sem que este percebesse que eu estava parada à sua frente, Madonna Giordana fez uma cara de pena e eu senti meu coração afundar.
      De repente, ele pareceu levar um susto ao me notar parada ali. Gaguejando um pouco fez as devidas apresentações:
     - Ah, você está aí! - disse me olhando enquanto eu o encarava paralisada. - Esta é Miss. Jane Norris, se mudou recentemente para o vilarejo. Seu pai é comerciante de tecidos. Jane, esta é Miss. Joana Saunders, minha melhor amiga. Mora em Clarence Hill, a enorme propriedade no meio do bosque, seu pai é comerciante de cavalos. - bufei de raiva por dentro ao perceber que ele a chamara pelo primeiro nome. - Esta é Miss. Luísa Morgan, melhor amiga de Jane. - Senti mais uma fisgada no peito diante da pronúncia do nome dela outra vez.
      As duas fizeram uma reverência e Jane abriu um sorriso perfeito. Era impressionante como era delicada, tinha uma pele perfeita e uma voz cordial:
     - Prazer Miss. Saunders. - falou com alegria. - Fico feliz que Edward esteja me apresentando aos seus amigos, eu e Luísa nos sentimos tão solitárias.
      Consegui recuperar o fôlego antes que ela terminasse a frase, assim, pude responder cordialmente.
      - O prazer é todo meu, Miss. Norris. Espero que esteja aproveitando o vilarejo - falei olhando para Edward que, aparentemente, não percebeu a minha indireta. Fiz uma reverência e me virei para sair do estabelecimento. Edward me acompanhou, se distanciando um pouco mais das duas jovens e me perguntou:
      - Você está bem? Ainda nem escolheu o presente de Sophie! - exclamou com ar de preocupação.
     - Mas é claro que ela escolheu, ragazzo. - Nos interrompeu Madonna Giordana, vindo em meu auxílio, me entregando um embrulho perfeito. - Apenas me informou que não está se sentindo muito bem, então lhe sugeri que fosse para casa.
     Percebi naquele momento que a astuta italiana havia compreendido o que se passava. Meu estômago afundou junto com o meu orgulho e, por dentro, agradeci sua sutileza, encarando seus olhos escuros, que pareceram entristecer.
     - Eu a acompanho, senhorita. - Insistiu Edward, embora os olhos dele dissessem que desejava ficar ali.
      - Não, obrigada. - eu disse com a voz entrecortada, por causa da fata de ar que me acometia. Edward já presenciara essa falta de ar algumas vezes e sempre acabava se preocupando comigo. - Eu vou sozinha, preciso descansar.
      Sem olhar para ele ou para trás, saí da loja, montei em Odin e cavalguei o mais rápido possível. O vento cortava meu rosto, enquanto meus cabelos esvoaçavam e eu segurava as lágrimas que desejavam saltar de meus olhos. Por que aquilo tinha acontecido agora que eu havia admitido para mim mesma o que estava sentindo? Me iludi, pensando na possibilidade de ele sentir algo por mim que não fosse amizade, mas tudo estava muito claro agora. Quando nos conhecemos e comentei sobre o meu receio em ele desejar se casar comigo, suas palavras foram "eu nunca havia pensado nisto, senhorita", não lhe custou fazer-me a promessa e provavelmente dançara comigo por pena. 

Tarde demaisOnde histórias criam vida. Descubra agora