- Não saia daqui. - Edward disse, enquanto, apressado, seguia o homem em direção ao local que incendiava.
Me recusando a ficar parada ali, com passos rápidos, caminhei atrás dos dois homens, deixando a casa de hóspedes para trás. Percebi que o sol começava a despontar no horizonte, já devia ser quase de manhã.
Apenas alguns metros à frente, avistei a enorme casa georgiana que Edward havia herdado de sua mãe. Tinha apenas dois andares, que eram compensados pelo tamanho de sua largura. Era imponente. Um largo caminho de grama separava a casa de hóspedes da mansão, que possuía um jardim bem em frente. À direita, percebi os estábulos e à esquerda, uma parte do jardim se estendia. Edward entrara na residência, ao lado de alguns outros homens, aparentemente, seus criados.
Olhando para a parte superior da construção, percebi que nas janelas mais à oeste, um caminho de fogo se estendia de cima à baixo. Meu primeiro pensamento foi desejar que caísse uma chuva torrencial para apagar as labaredas que dançavam nas paredes. Então, olhando mais atentamente para a terceira janela à oeste no andar de cima, vi uma mulher segurando uma criança em seus braços. Ela olhava pela janela, enquanto gritava em desespero.
Antes que alguém me impedisse, subi as escadas que davam para os portões da enorme casa. O hall de entrada da residência ainda estava escuro, mesmo com o despontar dos raios de sol anunciando a manhã. Uma fumaça negra se estendia por todo o cômodo, fazendo com que uma tosse carregada explodisse em meus pulmões. Subi mais um lance de escadas, com o objetivo de chegar até a ala oeste, onde havia visto o aposento daquela criança ser tomado pelo fogo.
Os corredores estavam vazios e escuros, cheios de portas trancadas. Eu me esforçava para respirar em meio à toda aquela fumaça. À medida em que me aproximava da parte oeste, o ambiente ficava mais quente e gotas de suor pingavam de minha testa. Ao passar em uma das portas, percebi que esta estava aberta, Edward e Jane se encontravam lá dentro com ar de preocupação.
Não parei para observar a cena. Apenas segui adiante, em busca do quarto onde a criança se encontrava. Pude escutar quando cheguei quase ao final do corredor:
- Pensei que ela estava com você! - Era a voz de Edward.
- Quando adormeceu, Miss. Thomas a levou para o quarto. - Jane respondeu.
Avancei pelo corredor e cheguei à um outro. Este, não estava mais escuro. O Fogo tomava conta por todos os lados. O teto fora corroído pelas chamas e as paredes estavam, quase por completo, cobertas por labaredas que dançavam ferozmente diante de meus olhos. Segui adiante, observando a antepenúltima janela do corredor. Boa parte da porta havia sido tomada pelo fogo e o piso de madeira daquela parte do corredor em diante, havia desabado.
Tentei pensar rápido enquanto ouvia os gritos da mulher e o choro da criança que vinham do aposento. Então percebi um barulho vindo da porta. Um buraco pequeno se abriu na parte que ainda não havia sido devorada pelo fogo. Olhei para dentro dele. A Mulher que eu vira momentos antes, segurava um castiçal e parecia ter golpeado a porta, em uma tentativa de fuga. A garotinha, que estava em um canto mais afastado do aposento, olhava espantada para o fogo que descia pela porta.
O buraco era pequeno e a mulher não conseguiria passar através dele. Porém, a criança sim. Então, a mulher caminhou até ela, ordenando-a que passasse pelo buraco e corresse. Percebi que elas não teriam muito tempo, o fogo descia rápido para engolir o buraco, que aparentava ser a única salvação das duas. Tudo isso se passou em uma fração de segundos, então observei que eu conseguiria passar perfeitamente por aquele buraco sem as minhas saias. Retirei o fecho que prendia minha cintura às saias largas e, apenas com a roupa de baixo e a parte de cima de minha vestimenta, passei pelo buraco, segundos antes de o fogo o engolir quase por completo.
A mulher pareceu espantada quando me viu ali, mas não havia tempo para conversarmos. Edward e Jane gritaram através do buraco na porta, sabendo que sua filha estava lá dentro.
- Madeleine, iremos tirá-la daí. Não se preocupe. - Disse Jane em tom de urgência. Então, coloquei a cabeça no que restava do buraco em chamas e olhei para o casal. Edward pareceu que vira um fantasma ao perceber que eu também estava no quarto com sua filha. Jane fez uma expressão confusa, um olhar de raiva mesclado à urgência de salvar sua criança.
Meio segundo depois, fortes golpes vinham da parede do aposento ao lado. Edward e Jane não estavam mais nos observando pelo buraco. O que quer que ele estivesse tentando fazer, não era uma garantia de que sobreviveríamos. Eu precisava pensar rápido. Olhei pela janela e percebi uma movimentação lá embaixo. Pilhas de feno estavam sendo colocadas abaixo da janela para que a mulher pudesse pular. Uma escada que mal cobria o primeiro andar parecia ter vindo de uma tentativa fracassada. Anastácia estava lá embaixo no jardim, chorando e tremendo.
Com uma onda de adrenalina, vi que uma parte do piso do quarto começava a desmoronar, devorada pelo fogo. O buraco que havia no chão do corredor estava se espalhando pelos aposentos. O teto também estava em chamas e saltamos para trás quando uma parte da parede direita do aposento despencou. Pude ver o quarto ao lado, onde Edward e Jane estavam, porém, não havia forma de cruzarmos o fogo sem nos ferir gravemente.
Abracei Madeleine para que se sentisse segura.
- Vamos sair daqui agora, está bem? - Lhe disse, olhando em seus olhos de um azul intenso. Ela parecia muito com o pai, exceto pelos seus cachos loiros, que lembravam Anastácia. Seu rosto estava coberto de fuligem e sua respiração estava fraca.
Senti o piso afrouxando ainda mais. O fogo logo tomaria todo o quarto. Mas aquilo me deu uma ideia.
- Me ajude, por favor. - Pedi para a mulher, que estava tossindo agressivamente. - Onde está o castiçal?
Ela me entregou o artefato e comecei a golpear o piso de madeira. Ao compreender o que eu estava tentando fazer, ela puxou a cortina que estava junto à janela, ainda intacta, retirou o bastão de madeira que a prendia ao teto e me acompanhou na tentativa de abrir uma passagem pelo piso. Não foi difícil, uma vez que o fogo derretia a madeira com rapidez.
Abrimos um pequeno buraco e logo observei Edward e outros homens lá embaixo, arrastando uma enorme cama de madeira exatamente para baixo do local onde nós estávamos. As pilhas de feno foram transferidas para a parte superior da cama, no aposento abaixo de nós.
Nesse instante, um pedaço de madeira despendeu do teto, caindo em minha mão direita. Urrei de dor assim que senti o fogo lambendo minha pele. A mulher foi rápida e pegou uma jarra com água que havia numa cômoda próxima. Os poucos segundos em que a água fria entrou em contato com a minha pele foram um breve alívio, porém, a dor aumentou de intensidade em seguida. O quarto quente e abafado fazia com que minhas veias pulsassem sob a ferida. Mas não havia tempo para sentir dor.
Conseguimos abrir um espaço no piso de madeira para que pudéssemos pular até o andar de baixo. Segurei Madeleine nos braços e a entreguei à mulher. Esta não exitou em passar pela abertura no piso, aterrisando em segurança na pilha de feno abaixo. Mal elas aterrissaram, eu já estava preparada para pular. Senti minhas pernas baterem no feno, e imediatamente, homens me segurarem em seus braços e me levarem para fora da casa.
Respirei com ferocidade, ao me distanciar da fumaça que havia tomado o interior da residência. Os homens me sentaram em uma poltrona que havia sido colocada no jardim para que eu me recompusesse. Observei a mulher que estava comigo no quarto entregar Madeleine à Jane, que a abraçou com uma respiração ofegante e lágrimas nos olhos. A garotinha pareceu tranquila nos braços da mãe e me senti feliz por vê-las juntas. Aquele desfecho poderia ter sido diferente.
Anastácia abraçou a sobrinha e, em seguida, veio em minha direção.
- Você está bem, Joana? - perguntou de forma preocupada.
Assenti com a cabeça, mas nada lhe respondi. Desejava ir para casa. Uma mulher idosa se aproximou de mim e segurou minha mão para fazer-me um curativo. Agora eu sentia a dor corroer meu cérebro. Uma dor pulsante, que mesmo após o curativo, simplesmente não ia embora. Me dava calafrios pelo corpo e pequenos choques do lado direito.
- Vai doer por algumas horas, menina. - disse ela. - Levará um mês para cicatrizar. Teve sorte de não perder a mão!
Mais pessoas chegavam para ajudar a apagar o fogo. Homens e mulheres dos quatro cantos de Londres. Não demorou muito para que Sophie e Mr. Evans também aparecessem em Kensington. Minha irmã logo percebeu que eu precisava descansar e providenciou que a carruagem me levasse de volta à Chelsea.
- Um médico a estará esperando para avaliar a sua saúde. - disse Sophie. - Eu soube que você respirou muita fumaça quando estava dentro da casa.
Caminhei lentamente, seguindo o lacaio, que me guiava até a carruagem. Então, uma voz me chamou ao longe.
- Joana, espere.
Me virei lentamente a contragosto. Não queria me demorar nem mais um segundo naquele lugar. Era Jane. Ela corria até mim, com Madeleine nos braços. Também tinha fuligem pelo seu rosto e o vestido branco todo chamuscado.
- Obrigada. - Disse simplesmente, enquanto ficamos nos encarando por alguns segundos. Lhe fiz uma reverência, que foi correspondida e continuei o meu caminho até a carruagem. Eu não queria ter que lhe dizer "Não foi nada" ou "Você faria o mesmo"... Eu sabia que tinha feito algo muito importante para ela. Talvez, ao salvar a filha, eu também estava salvando a mãe. Senti pena de Jane enquanto pensava nisso. Talvez aquela criança fosse a única felicidade em sua vida.
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Tarde demais
RomanceRetratada no século XIX, inspirada nos livros de Jane Austen, das irmãs Brontë, Charles Dickens, entre outros nomes da literatura inglesa. Esta história mostra como o amor pode mudar a dureza no coração e que ele pode estar bem ao seu lado. Joana vi...