Na tarde seguinte, Anastácia esteve em Chelsea para tomar um chá conosco. Ela chegou cedo, antes do horário combinado. Talvez para ter mais tempo ao lado de Sophie e poder colocar os assuntos em dia. Eu não estava muito animada para encontrá-la, uma vez que me senti desmascarada na noite passada. Ela sabia cada detalhe do que acontecera entre eu e Edward. E eu sabia que tudo aquilo estava errado. Passei horas, antes do nosso encontro, me perguntando se ela iria me julgar. Apontar os erros que cometemos. Nos condenar ao inferno.
Sophie nada me perguntou sobre o que Anastácia nos confidenciou. Me fechei em um mundo só meu, tendo pouco contato com ela. Não queria ter que reviver aqueles momentos em voz alta. A culpa me corroía com afinco.
Observei a carruagem que trazia Anastácia parar em Eaton Square pela janela de meu quarto. O lacaio a ajudou a descer. Ela vestia um casaco grosso que escondia seu vestido, o dia estava cinzento e chuvoso. Sophie a recebeu na porta com um abraço e a convidou para entrar e se aquecer.
Esperei cerca de meia hora para descer. Fingi que estivera adormecida e perdera a noção do tempo. As duas estavam sentadas diante da lareira acesa e, no lugar de chás, bebericavam tacinhas de gin
- Sirva-se. - Sophie me empurrou uma taça de gin que já havia sido colocada para mim. - Estamos conversando sobre o casamento de Anastácia! - Falou animada, de uma forma que me deixou segura para entrar na conversa. Eu realmente não gostaria de entrar no assunto da noite anterior.
Anastácia falou estar noiva de um homem francês. Martin Bethencourt, era o nome dele. Trabalhava no comércio portuário de madeira em Marselha. Se conheceram em um café em Paris, num dia chuvoso de primavera. Ele tinha sua própria exportadora de madeira, porém não possuía muitos bens. Mas o que ganhava, dava para pagar uma vida confortável. Segundo ela, se apaixonaram em poucos minutos, mas não foi fácil admitir que ele a conquistara. Apenas meses depois, ela lhe permitiu que pedisse sua mão à Mr. Sharman. Não antes, é claro, de ter uma importante conversa com o irmão e solicitar conselhos matrimoniais. O casamento estava marcado para março, no primeiro despontar de primavera e ela acabara de pedir que Sophie fosse sua madrinha. Jane não ficou tão satisfeita com o matrimônio. Disse que Anastácia podia escolher um marido mais abastado, mas nem ela, nem Edward lhe deram ouvidos.
- Meu irmão detesta a ideia de um casamento sem amor. Acho que sentiu na pele o desconforto de se estar casado com quem não se ama. Mesmo que pedisse por uma anulação, esta nunca lhe seria concedida. Disse que deveria ter tentado conquistar você, Joana. Mesmo que nunca tivesse dado indícios de corresponder seus sentimentos.
- Nunca dado indícios? - Sophie pareceu confusa. - Mas todos os indícios lhe foram dados.
- Ele nunca percebeu. - Anastácia deu de ombros. - Talvez até o casamento dele, nem Joana tivesse percebido.
Me senti corar intensamente.
- Só porque nos beijamos algumas vezes não significa que nutro sentimentos pelo seu irmão. Nunca fui do tipo sentimental e ele sabe disso.
- Você não precisa dizer o que sente, está em seus olhos. Meu irmão é quem não consegue ver. - Ela tinha um olhar triste no rosto. - Ele julga que a conhece muito bem, mas há coisas mais profundas em seu olhar.
Apenas me afundei na poltrona. Não tinha motivos para refutar a opinião de minha amiga. Ela estava completamente certa. Quando percebi o que senti já era tarde demais e agora não havia nada mais a ser feito. Negar meus sentimentos era como me defender da verdade. Eu e Edward nunca poderíamos estar juntos.
- Jane implorou para que voltássemos à França. Desde ontem à noite, não fala em outra coisa. Se sente em perigo quando você está por perto.
- E ela tem razão. - Falei com simplicidade.
- Nos últimos anos, viveu uma época tranquila, mesmo que seu casamento nunca tenha sido dos melhores. Ela e Edward não se dão bem em aspectos intrínsecos. Pensam diferente um do outro, quase nunca concordam em alguma coisa. Mas também, não discutem ou brigam. Apenas ficam distantes um do outro. A única coisa em que concordaram foi ao colocar o nome em Madeleine. Era o de nossa mãe e Edward foi direto ao perceber que havia tido uma garota. Jane estava tão cansada do parto que nem se deu ao trabalho de refutar.
- Céus! - Exclamou Sophie, diante da situação narrada pela amiga. - Estar sozinha seria muito mais vantajoso para ela!
- Edward já se informou sobre os trâmites para que o casamento pudesse ser anulado. Mas não há possibilidades. Apenas se Jane cometesse adultério e, ainda assim, não há certeza alguma de que a anulação fosse concedida.
- Bem, talvez eu devesse beijar Jane também. Já que o adultério dele não é válido. Falei com ironia.
As duas deram uma risada ansiosa. Pensar naquela situação era confabular sobre algo inútil. Edward e Jane que arcassem com os seus problemas.
A tarde foi agradável, apesar de que, com o efeito do gin, passamos a rir mais alto e conversar de maneira mais ampla sobre diversos assuntos. Foi maravilhoso estar com as duas novamente. Me fazia lembrar de uma época onde estávamos quase sempre juntas. Andando à cavalo e assistindo à peças no teatro do vilarejo.
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Tarde demais
RomanceRetratada no século XIX, inspirada nos livros de Jane Austen, das irmãs Brontë, Charles Dickens, entre outros nomes da literatura inglesa. Esta história mostra como o amor pode mudar a dureza no coração e que ele pode estar bem ao seu lado. Joana vi...