Passar algum tempo sozinho

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Juliana

As segundas costumavam ser os dias mais parados. Como meu trabalho era, essencialmente, nos fins de semana o resto dela passava de forma lenta.

Nunca reclamei, afinal, era o dia reservado para cuidar do meu futuro.

Eu sabia, ninguém nunca me perguntou semelhante coisa, mas não, eu não queria me aposentar fazendo o que fazia. Na verdade, se pararmos para pensar bem é tristemente difícil encontrar quem queira passar a vida fazendo exatamente o que está fazendo, e não que mudar não seja bom, entretanto, começar pelo caminho equivocado porque o outro era demasiado espinhoso tampouco era o ideal.

Passamos a vida tomando decisões para facilitar nosso percurso para só depois se dar conta de que seguir pelo fácil ao invés do que realmente queríamos não nos garantia nada no fim, nem felicidade ou amargura.

Seria mais simples se alguém me explicasse como viver e como escolher melhor, mas meu pai estava morto e minha mãe cada vez mais afundada dentro daquela casa sem qualquer perspectiva, e quanto mais eu saia mais presa em todos os meus demônios eu costumava me sentir.

Mas costumavam, apenas costumava, eu disse, porque nessa segunda tudo mudou um pouco de lugar.

Primeiro porque acordei de um lado diferente da cama e muito mais tarde do que eu o fazia desde que me mudei para o México, já perto das onze da manhã, sentindo o cheiro de um perfume conhecido a pouco, mas que já me ninou a duas noites, mas que eu precisava me desfazer ao lavar sua camisa.

- Por mais que você goste e queira Juls, não dá para andar por aí com a mesma roupa por dias - Reclamei em meus pensamentos desabotoando os botões da camisa de Valentina, a deixando a meio caminho antes de entrar para o banheiro onde tomei um banho já conjurando as segundas, terças, quartas e quintas, eu nunca reclamava do tempo, eu disse.

Mas errei, errei descobrindo que não odiava o que fazia, odiava fazê-lo sem a devida motivação. Pensar em encontrar Valentina Carvajal nas cadeiras perto do palco enquanto eu dançava com a minha fantasia me fazia querer sair do banho agora, completamente molhada, e vestir minha máscara.

Balancei a cabeça com o sorrisinho bobo no rosto que se manteve até que eu saísse do banheiro, ação que, mais uma vez, não passou despercebida por minha mãe.

Aliás, outro ponto fora da curva: Dona Lupe parecia um tanto mais ativa, hoje, inclusive, agora ao terminar o almoço cantarolava uma música mexendo nas panelas.

- Isso é um sorriso Juls? - O único problema de observarmos era que nos tornavamos vulneráveis para ser obervadas também sem que percebessemos.

- Eu poderia fazer a mesma pergunta - Pontuei arrastando a cadeira para que me sentasse a mesa ao seu lado.

- Acordei de bom humor - Disse tomando um pouco do caldo da colher tirada da panela da sua mão, gostando do sabor que sentiu.

- Algum motivo em específico? - Quis saber apoiando meus cotovelos na mesa, descansando meu rosto ali.

- Você, especificamente - Me surpreendi. Tanto, que até demorei para reagir, acabando por ter meu sorriso ampliado somente uns minutos depois de seu comentário.

Em anos, em todos esses, Lupita havia pensado em mim. E eu havia sido o motivo do porque parecia mais feliz.

- Eu? - Continuei questionando quando colocou o prato em minha frente, separando os lábios em seguida para começar a dizer, mas parando quando seu celular tocou, o celular que eu mal lembrava que tinha até aquela data.

Lupita pediu licença e saiu uns minutos, voltando em seguida avisando que não ficaria para o almoço e que era só esperar uns minutos para que eu pudesse me servir.

- Aonde vai? - Questionei animada diante da sua própria animação.

- Sabe o Panchito? Passou esses dias aqui em casa me avisando de uma vaga de trabalho. Não estive muito animada em aceitar, mas observando que você começa a dar indícios de fazer uma vida para você entendi que preciso fazer uma para mim também - Eu não entendi a razão do seu estalo repentino, o porque achou que deveria fazer algo que a firmasse enquanto eu fazia minha vida o que era, na verdade, quase tão confuso quanto uma conversa sua com o vizinho.

Panchito era um quarentão divorciado que morava na casa em frente. Parecia ser um tanto calado, mas boa gente e trabalhador, já que de todos os homens que conheci não tentou tirar qualquer vantagem de mim, ao contrário, fora quem conseguiu o emprego de garçonete no restaurante em que Candela me encontrou.

Por muito tempo não achei que deveria agradecer por isso, mas como hoje não era um dia comum, o fiz silenciosamente vendo minha mãe pegando sua bolsa saindo em seguida, me incintando com isso a também pensar no meu próprio destino, nas minhas escolhas que resultariam no meu futuro.

Almocei tranquilamente e depois recolhi algumas roupas para lavar, incluindo a camisa de Valentina, não era necessário me apegar a isso se poderia manter por perto a detentora daquela camisa, ao invés.

Depois de realizada essa função, decidi voltar ao meu quarto para começar a trabalhar numa das várias peças que desenhava e descartava, parando no croqui de uma fantasia com correntes que se estendiam do meio do sutiã de renda negro, caindo em ondas pela cintura, delineando as costelas, quase chegando a calcinha que levava um laço frontal que encobria um pouco da sua eminente transparência e combinava com um igual colocado na cinta-liga da coxa esquerda.

Era escandalosa, mas merecia meu tempo, porque ao mesmo tempo que revelava bastante, em pequenos detalhes, escondia, e parecia um jogo demasiado desafiador para a possível ocupante da cadeira em frente ao palco.

Abri o guarda-roupa em busca de retalhos antigos, pensando em formar a estrutura da peça, aos menos, para só depois começar realmente executa-la, e isso não me tomou quase nenhum tempo.

Assim, as duas da tarde, eu já tinha tudo pronto, portanto, apenas avaliei se deveria sair em busca de um bom decido e das bendidas correntes.

Esse era o momento que eu dizia que terminaria amanhã e que terminaria por não realizar nunca. Mas essa era uma atitude que eu costumava, ênfase no passado, tomar, portanto, decidi fazer o diferente e tomei minha bolsa, trancando toda a casa em seguida e indo na direção do armarinho da rua por perto de casa, chegando lá para encontrar os tecidos que mais gostava e até, pensei, as correntes.

Viajando pelas texturas e cores quase não me dei conta de que acabei esbarrando em um homem no meio do percurso.

- Perdão... - Disse assim que bati no rapaz de aparência séria, quase caindo.

- Sou eu que peço - Falou me olhando de cima abaixo, mas tentando ser sutil ao fazê-lo, não obtendo êxito.

Com isso, me sobram motivos para continuar meu caminho, mesmo sendo seguida por aquele homem pela loja a partir dali.

- Algum problema? - Perguntei irritada me virando em sua direção. O homem levantou os braços.

- Vi seu interesse mais apurado nos tecidos, quase como se os conhecesse mais do que aparenta, e pensei que poderia me ajudar a escolher um para um terno que pretendo fazer - Pensei em dizer que procurasse uma atendente, mas não havia nenhuma próxima, a maioria talvez em seu horário de almoço.

Revirei os olhos considerando se deveria ou não ajudar, mas terminei fazendo-o para dizimar de vez qualquer possibilidade de continuar sendo seguida.

- Qual o tipo de evento que frequentará com a roupa. Senhor... - Comecei a dizer e parando sem conseguir continuar.

- Gancho. Pode me chamar de El
Gancho - Não era um nome comum, portanto, sequer me remetia a nada, mad mesmo assim tive um arrepio sem razão na espinha quando escutei aquele nome, não fazendo nada sobre isso em seguida como costumava.

E deixar de lado o hábito diário que me acompanhava naquele instante me foi cobrado a preço alto muito mais tarde...

Lembrando que os universos de Camila e AAM são muito semelhantes, com a diferença de que no primeiro não houve transmigração, portanto os mesmos fatos abordados na novela podem aparecer na fanfic em uma ordem ou com uma abordagem diferente, ou não aparecer.

Alguém lembra do Gancho?

CamilaOnde histórias criam vida. Descubra agora