Valentina
Ilusão significa o engano dos sentidos. É quando você tem certeza do que viu, mas na verdade não. É uma confusão, um erro de percepção.
Ilusão é ainda um efeito artístico. Um truque usado por mágicos para que a realidade pareça menos cinza. A ilusão é a forma de nós mortais nos aventurar-mos no absurdo. É sonho e, ainda, pesadelo.
A ilusão não conhece classes. Todos nós dependemos dela para seguir através dos nossos dias, afinal, fingir não enxergar também é uma forma de se deixar errar no julgamento. E ali, diante daqueles ricos eufóricos pelas bebidas que tomavam em goles curtos eu era plenamente consciente das que nos sustentavam. Relacionamentos baseados em traições, uma balinha inofensiva que prometeu não usar mais só para ficar feliz ou até gostos que vão contra os padrões. Haviam ilusões que projetavamos para os outros os fazendo errar sobre nós e de tanto fazer acabavamos acreditando. Haviam dentro de nós também pequenas ilusões, aparentes ou não. Das que nós fazíamos as pessoas acreditar e das que nós prefiriamos junto.
- Aceita uma bebida? - Me perguntou um dos garçons que entraram no diminuto espaço durante o espetáculo.
- Uma água - Eu disse procurando um copo ou uma garrafa na bandeja. O rapaz por trás da máscara ri um pouco e faz que não, como se estivesse incrédulo da minha escolha.
- Não acredito que você vem numa festa dessas e como bebida pede uma água Valentina - Me respondeu o homem por trás da máscara e, com seu comentário mais longo sou diretamente alertada por minha memória auditiva que conhecia aquela voz. Com esse aviso me detive com mais calma no homem de roupa casual, terno de tom vinho, sapatos de couro italiano, definitivamente não um garçom.
- Lucho - Eu disse reconhecendo o seu sorrisinho quando direcionado a mim pela segunda vez.
- Isso mesmo - Disse ajeitando a máscara no lugar, como quem se assegurava de que só eu fosse capaz de reconhece-lo ali, como se não quisesse interrupções.
- É uma ótima festa - Disse elogiando sua ousadia e inteligência, características que poucas vezes percebi em nosso relacionamento. Na verdade, sendo bem honesta, deveria admitir que era difícil reparar em qualquer traço de personalidade quando passamos metade do nosso relacionamento completamente alcoolizados.
- Fico feliz que tenha gostado - Falou e por um segundo achei que poderíamos ter uma conversa de pessoas adultas e bem resolvidas - Até porque eu só fiz tudo isso imaginando sua reação - Mas me enganei. Fiquei um tanto em choque, olhando profundamente em seus olhos tentando encontrar algum resquício de mentira, mas só havia sinceridade. Era uma ironia que numa noite de ilusões justo Lucho trouxesse verdade nos olhos.
- Não acho que isso seja saudável ou correto. É sua festa de despida, noivado ou o que seja. A não ser que essas comemorações tenham mudado de razão você vai se casar - Lembrei desistindo de vez de qualquer bebida naquele momento. E talvez também da festa.
- Você sabe que eu não a amo... - Lucho disse dando mais passos em minha direção, entregando a bandeja na mão do primeiro coitado que passou por perto dele.
Nessa altura o mágico estava transformando notas de dez em cem, como se fosse fácil assim conseguir dinheiro. Para muitos bastava um truque bem aplicado, para qualquer coisa e num passe de mágica tudo mudaria a seu favor.
Mas isso era ilusão, não verdade.
- Então não se case se é o que acha que deve fazer, mas não coloque sobre mim o fardo de ter acabado com o sonho de alguém. Se não a ama não a faça sofrer, mas por sua conta. Essa história não é de três, é de dois - Avisei me afastando alguns passos dele e quando ele tentou me tocar eu simplesmente levantei as mãos me desvencilhando do seu toque.