Juliana
A felicidade pode ser ruim de inúmeras formas.
Sim, isso mesmo, a felicidade. Por que a maneira que ela pode chegar a doer quando você sente ela te abandonar como o vento fugindo dos dedos pode te destruir em pedacinhos ainda te deixando inteiro.
A última vez que conversei com Valentina foi há uma semana. E desde então tudo o que eu poderia controlar mudou em mim, menos a tristeza que eu senti nos segundos que precederam aquela última cena que poderia ser um fim de capítulo, daqueles que predem e deixam o público ancioso pelo próximo, mas foi o início da minha tristeza, ou talvez do meu retorno a vida comum.
No fim viver para mim viver foi sempre um pouco triste. Não, não falo da tristeza que me faria a heroína de uma história em que a menina pobre nasce em situação de miséria e tem sua vida resolvida por um milionário (embora tenha lá minhas semelhanças com a Maria do Bairro), mas falo daquele pensamento infortúnio que te atinge no fim do dia enquanto os pés doem, quando você se deita lentamente e encosta num travesseiro que pouco a pouco umedece com lágrimas que não compreende a razão. E daí se questiona:
- O que estou fazendo da minha
vida? - Perguntei no silêncio do diminuto apartamento que tinha alugado após não voltar para casa da minha mãe.Essa, por sinal, não voltou a me dar notícias. Tudo o que estive sabendo dela foi por que Panchito me contou quando veio trazer as minhas coisas a seu pedido. Portanto, as caixas com elas são o que mantém o espaço fora de mim menos vazio.
Uma vez eu li que a arte de perder não é nenhum mistério. E não, não deve ser mesmo, pois eu continuei a perder desde o segundo que ganhei. E é por isso que o relicário de tristezas que guardo no peito nem tem mais espaço para nada, porque é isso que ganho quando perco: Uma coleção de momentos congelados guardados numa corrente que carrego comigo.
Mexi nos meus cabelos lembrando com mais atenção do meu último contato com Valentina. Ela me disse que não fez aquilo do que foi acusada e eu tentei fielmente acreditar nela, até o momento que sua prova sumiu, o que poderia não significar nada, e não significou, mas abriu precedente para uma discussão inevitável.
- Não está aqui, Juliana! - Dissera revirando a bolsa, quase jogando os pertences no chão, não fosse minha interrupção.
- Não precisa - Falei contida, tentando tocar sua mão, mas ela fez que não e continuou em seu movimento até estar certa de que não havia nada.
- Juliana eu... - Tentou, mas eu neguei segurando seus dedos nos meus por vários segundos, me aproximando do seu corpo com suavidade e ternura, não era justo que a maldade do mundo acabasse com isso, não era justo que eu deixasse a minha tristeza acabar, então eu coloquei uma mão por entre seus cabelos e a outra sobre a bolsa, afastei o local aberto para longe e fechei os olhos pronta para aparar seu desespero com a minha dor, transformando quem sabe os dois negativos num positivo, num passe de um beijo.
Mas antes que meus lábios se detivessem nos seus apareceram os noivos bradando impropérios e Valentina foi se afastando bem devagar até que meus lábios estivessem longe dos seus.
E sabe... Sabe quando não é um momento específico em si, mas é o momento? Sabe quando você tem a impressão de que deixou de ver um quadro somente e ampliou a tela? Sabe quando você se dá conta de que aquele mundo de farpas, luxo e bebidas não será o seu por mais que a mansão pareça acolhedora? Por que no fim ainda é uma mansão e eu era eu....
É... eu tinha lá minhas diferença com a Maria do Bairro. Nunca achei que fosse adaptável, ou daquelas pessoas que pudessem viver em qualquer lugar se tivesse a opção.
Cresci num lar em ruínas, sofri coisas que só eu posso explicar e tenho certeza que iria embora cada uma das vezes que quis se pudesse.
Ficar me tornou forte, é verídico, mas até que ponto se machucar ou saber que vai vale a pena só para terminar resistente?
Eu me fazia essa pergunta há uma semana pelo menos três vezes numa madrugada. E a resposta andava devagar, mas me superava por que eu estava cansada de maneiras que não pensei. Eram várias pequenas tristezas comuns pesando nas costas: Era uma mensagem não respondida da forma que eu queria, era um eu te amo que não retornava, era uma idéia jogada numa garrafa que nunca voltou...
E então ela não tinha meu endereço, ou meu número, deixando que nossa única forma de ver fosse aquela noite de sábado em que eu me apresentaria.
Assim, aguardei a noite como quem aguarda uma resposta. Não sabia se certa ou errada, mas era uma resposta que eu simplesmente precisava.
Arrastei a meia pelas pernas quando o relógio batia exatamente onze horas em ponto. O body negro as onze e dez e minha maquiagem as onze e quarenta e cinco.
Passei os dedos pelos lados do rosto e suspirei. Olhando nos olhos castanhos através do espelho sem saber exatamente o que eu queria.
Eu queria que ele estivesse lá fora? Eu queria que tentasse outra vez tirar aqueles pensamentos da minha cabeça?
Eu queria ter certeza. Uma certeza que, apesar de não ser garantia me daria um alívio de momento. Eu queria uma única palavra que me tirasse do comum e do triste.
Não era sua dependente, mas de alguma maneira as coisas pareciam fáceis perto dela. Mesmo que não fossem, por que a maneira que também me trazia a um novo normal era assustadora.
A verdade era que sendo um emaranhado de coisas eu muito preferia que ser um vazio, monótono, sem vida. Valentina e as coisas que me causavam me tiravam do centro de uma forma que me fazia viver.
A meia noite eu estava no palco. As luzes respingavam minha face como as tintas numa tela.
Busquei Valentina, na multidão, mas tudo o que encontrei foram inúmeros olhares desconhecidos e ansiosos por que eu começasse a dançar.
Dei-lhes o alento. E a medida que movia-me com graça eu suspirava tentando detectar na multidão o olhar azul.
A música de Beyoncé ressoava pelo espaço e eu permanecia movendo os braços que corria da cintura acima da cabeça.
Dançava-me sem pressa, guardando nos meus movimentos um pouco dos meus sentimentos quase expressos no palco em busca de uma Valentina que eu não sabia o que dizer.
Mas não precisei saber. A noite acabou e não vi a figura de Valentina entre as pessoas.
Saí no frio numa mistura de sentimentos. Fragilidade, cansaço, saudade...
- Juliana - Escutei ao longe naquele ponto de táxi, aquele mesmo que nos encontramos pela primeira vez.
- Valentina - Respondi cortando alguns passos em sua direção.
Paramos frente a frente, corações lado a lado, batendo num som quase tão forte quanto a chuva. Mas mesmo assim não sabíamos o que poderia acontecer...