Valentina
O convite dourado aveludado brincava entre meus dedos como a indecisão recorrendo minha pele. Por algum motivo naquela noite eu estava pronta: Um vestido negro rodeava minha pele e descia suave até o fim das minhas pernas, deixando o vento da noite escoar na lateral daquela extensão. Tennue de Ville, eram as únicas palavras presentes naquele chamamento ostensivo.
Voltei a me olhar de cima abaixo e por última vez ponderei se era uma boa ideia naquela semana, mas então, as palavras de Sérgio retornam a minha mente como uma serpente sorrateira atacando meu calcanhar: "Eles ficariam tão surpreendidos te ver tão bem" E humana, como era, me deixava consumir pela possibilidade de ser motivo de desconcerto para aqueles que um dia me abandonam em meu pior momento, não por vingança, por fingir, mas porque nunca me senti tão bem e tão viva em todos esses anos. O único problema tinha nome, sobrenome e uma platônica paixão por mim: Lucho, o noivo, cuja presença num lugar seria o suficiente para que eu desse as costas ou atravessasse ao outro lado da rua.
Indecisa até o último segundo parei em frente ao espelho aguardando um último sinal que vem em forma de Lúcia batendo na porta. Ela também fora convidada, mas declinou por não achar que tinha mais sentido participar de certas convenções sociais, insistindo, entretanto, que eu como membra mais jovem da família deveria representar os Carvajal e não fazer desfeita. A loira foi quem escolheu o vestido e inclusive empurrava levemente meu corpo pela escada avisando que Sérgio me esperava na sala.
Se o sinal era esse empurrão eu entendi por fim, não era necessário que houvesse nada mais, eu iria esperar e ver o que acontecia, como não fiz em tempos. A única falha dessa lógica é que você eventualmente não pode pagar para ver, ou o preço sai alto demais.
No entanto, sem pensar nisso eu dispensei o braço que me dava ainda irritada e caminhei mais a frente.
- Val, não faça assim! - Pediu fazendo aquela voz de cão abandonado que fazia com suas conquistas e que eu conhecia bem por ter presenciado ao longo desses anos.
Não tinha a intenção de conversar muito com minha serpente. Se estava aqui foi por dar vazão a minha vaidade como não fazia a tempos e porque no fundo achava que ser constantemente envolvido em situações de casamento era suficiente inferno até para Sérgio que por sinal levava o próprio carro.
- Não vai beber hoje a noite? - Perguntei enquanto passava a saída do condomínio depois de alguns momentos de silêncio no veículo.
- Se não tomar algumas não serei eu Valentina. Se Sérgio Mendizabal for numa festa e não sair pelo menos arrastado então ele não foi - Agora que mencionou não lembrei de uma única festa que fui com esse homem em que não terminou pelo menos dançando agarrado com uma garrafa cantando James Blunt e quis pular do carro em movimento.
- Há uma razão do porquê o convite possui apenas o tipo de traje Carvajal - Disse Sérgio dando um risinho no final.
- Do que sabe? - Quis saber.
- Ele me disse nada mais que isso. Aparentemente quer fazer o surpresa do ano - Afirmou Sérgio.
- Da última vez que inventaram os dois de me fazer uma surpresa fomos parar num cassino em Atlanta - Relembrei como também de eu em cima de uma mesa tendo shoots de tequila tomados de inúmeras partes do meu corpo por algumas pessoas tão aleatórias quando nós meio bêbados ali.
Havia sido divertido e até gostoso, mas naquele momento em que a vida parecia longa e que nos sentíamos eternos. Hoje em dia fazer essas coisas tinha tanto sentido quanto um pato ser fã de John Mayer e usar galochas azuis, isto é, não havia sentido.
- Não tenho nada a ver com isso dessa vez. O único que Lucho me disse é que a primeira parada não é a festa - E o mistério começava a se interpor diante dos nossos olhos. Enredando-se em si e nos mantendo mais e mais presos quando tentávamos saber sobre o princípio ou o fim.
Me explico: Assim que chegávamos num estacionamento em frente ao anjo da liberdade, no centro da cidade
Fomos recebidos por vestidos em negro e mulheres em dourado que se encarregaram de nos distrair com performances de ilusionismo.Um homem adivinhando a cor que as pessoas estavam pensando, uma mulher fazendo celulares e demais objetos sumirem e reaparecerem em cápsulas que se abriam apenas após a o fim de uma contagem de cinco horas. Eram tantos estímulos visuais que quando me dei conta não tinha mais certeza de onde Sérgio estava porque tinha caminhado para longe demais da estrada me deixando conduzir pelas atrações que se moveram e me afundaram.
De repente mais um mágico, como se eu já não tivesse recebido o suficiente deles até então. Quase o ignorei, mas ele pede que eu escolha uma carta e revirando os olhos eu fiz o que me pediu.
O rapaz não me diz mais nada. Apenas indicou que eu abrisse minha bolsa com meu dez de copas nas mãos. Sem entender como havia parado ali eu percebi uma carta igual a minha ainda que eu tivesse apertado contra meus dedos para que não visse após escolher.
"Se encaminhe ao carro que corresponda ao número e ao naipe da sua carta e após a chegada no veículo retire seu convite"
Fiz o solicitado já intrigada com aquele jogo de aparecer e desaparecer, de ilusão e dívida sobre o que era real e mágico diante dos nossos olhos e comecei a me questionar se essa noite não tinha dado bem pouco por essa noite somente por se tratar de Lucho.
Não, ele não fora um bom namorado. Mas definitivamente organizava festas boas. E embora eu não conseguisse apreciar esses eventos quando marcados em todas as semanas eu me permitia deixar impressionar naquela rara vez por ano.
Me encaminhei até o carro sou bombardeado por mais uma surpresa. Dessa vez, escrita no convite dourado quando colocado diante da luz amarelada da limusine a qual estava dentro.
Aparentemente a tinta só aparecia naquela iluminação em específico.
"Bem vindo(a) a noite das ilusões. Se chegou até esse ponto do jogo é porque é uma das pessoas com quem eu e minha noiva gostariamos de partilhar esse importe. É o nosso noivado, e se bem nos conhece sabe que não somos pessoas comuns e também que pessoas extraordinárias merecem a glória, mediante a isso o casal que vos fala informa que você está seguro(a) de eventuais males que não estejam relacionados a uma bela ressaca no dia seguinte! Aproveite a noite! Hoje nada é o que parece, a festa de noivado é despedida de solteiro(a), os mágicos são distrações, um convite de poucas palavras revela um texto e o final do caminho pode ser só o começo! A vida de casado é repleta dessas e de outras mágicas, dessa forma, o(a) convido a vive-la conosco essa noite..."
Não esqueça de colocar o lenço acima do frigobar em frente aos olhos. Afinal não quer acabar com o instigante mistério da magia. Não é?
Relutei por algumas outras vezes, mas por fim cedi ao fato de estar ali e elevei o lenço negro aos meus olhos, os mantendo fechados enquanto uma música inesperada começa a tocar no carro.
The Weekend embalou boa parte do caminho desconhecido e precisamente em "Call Out My Name" a limunise para e sou recebida pelo primeiro mágico, o mentalista que adivinhou que a cor que estava pensando era branco. Assim, após ser conduzida por um corredor iluminada com pequenos flashes coloridos me é entregado por ele uma máscara branca a qual encarei por algum tempo até me deparar por fim em um labirinto, dentro daquele irreconhecível lugar em que estava onde tudo o que havia eram inúmeras paredes levantadas em que de repente se refletiu o rosto de Lucho e Nayelle.
- Essa é a nossa festa. E a partir de agora também é a de vocês. Desfrutem como faríamos nós dois: De forma livre e com camisinha - O aviso acabou e num segundo as luzes voltaram a se apagar naquele labirinto por um tempo, até luzes brancas voltarem a incidir nas mesmas paredes onde se mexiam vultos que dançavam com uma absurda precisão nos movimentos.
Outra vez e conforme vou colocando minha máscara vou me deixando encantar pelos movimentos que me carregam por horas até eu encontrar a saída que dava para um palco coberto por outra luz opaca que depois se fez clara, como as outras, explodindo em luzes douradas e revelando a maior das surpresas da noite...