Capítulo 15 - Hoje é Domingo, Pé de Cachimbo.

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Que som é esse? Essa musiquinha irritante surgindo pelos meus ouvidos. Que diabos é isso? Abri levemente os olhos. A forte luz que emanava o quarto embaçou minha vista. Apenas ouvia um desprezível canto infantil. "Um, dois, três indiozinhos, quatro, cinco, seis indiozinhos, sete, oito, nove indiozinhos, dez no pequeno bote". O que aconteceu com a música do sapo? Tiraram o belo sonho de uma princesa, para colocar algo contemporâneo? Que mistério. Não pude controlar minha mão. Essa que bateu forte contra o celular. Resultado? Um alto atrito com o chão, e migalhas por todos os lados.

- Hoje é domingo... Pé de cachimbo. – Recitei relembrando de minha infância.

Às vezes tenho mania de ligar certas coisas com outras. Se lembro de algo, associo por imediato. É a vida. Caminhei descalça até o banheiro. Sentia o gélido azulejo contra meus dedos enrugados. Fui até a banheira. Equilibrei com perfeição a temperatura, misturando água fria, com quente. Um excelente resultado viria. Dei uma leve ajeitada na aparência. E segui pelo corredor. Ouvi alguns ruídos na cozinha.

- Bom dia. – Disse por cortesia.
-Bom dia tia. – Rayko dizia.

Ela estava sentada à mesa. Em seu rosto uma expressão sonífera a contagiava. Percebi grandes e fundas olheiras logo abaixo de seus orbes azulados. Pelo visto a noite foi longa, ou a manhã foi curta. Sentei-me junto a ela. Encarei surpresa um belo bolo de chocolate que repousava sobre um prato de vidro. Logo ao lado, uma jarra de suco repousava. Continha um líquido avermelhado. Suco de morango? Sim. Comprovei ao beber. Quem diria? Rayko tão dotada. Cheguei a me assustar.

- Você que preparou? – Perguntei surpresa.
- Não exatamente, encontrei esse bolo dentro de uma caixa na geladeira, o suco eu fiz com alguns restos de morango. – Ela dizia apontando a caixa.
- O bolo do Haku? Nossa, acho que não freqüento muito minha cozinha. – Soltei uma gargalhada.
- Quem é Haku? – Ela me fitava curiosa.
- Meu terapeuta. – Afirmei normalmente.
- Como ele é? – Ela continuava curiosa.
- Tem uma pele clara, olhos castanhos, cabelos longos, e tem um excelente gosto para roupa. – Afirmei me lembrando de alguns modelos.

Ela fez uma leve pausa. Girou os olhos pela cozinha. Até que se encontrou com os meus. Ficou a me fitar. Parecia querer perguntar mais alguma coisa. Não gosto muito de entrevistas. Mas não estava me incomodando com as perguntas de Rayko.

- Pergunte logo. – Falei mordendo o garfo.
- Você tem namorado? – Ela perguntou.
- Não, por quê? – A fitei confusa.
- Tem um doido do cabelo tigela lá na sala, está apavorado com sua porta. – Ela disse olhando para o lado.

Como assim? Doido do cabelo tigela? Só podia ser o Lee. O que ele estaria fazendo por aqui? E como ela tem coragem de insinuar que namoro àquela coisa gay? Tratei de sair até a sala. Lá encontrei um Lee sentado sobre o chão. Encarava a obra de arte na porta aberta.

- O que faz aqui? – Perguntei chegando perto dele.
- Vim saber a opinião de sua sobrinha em relação a meu trabalho. – Ele disse sem tirar os olhos da porta.
- Ficou muito bom filho. – Rayko fazia um sinal positivo com a mão.
- Obrigado doçura. – Lee agradecia. – Foi ai que me deparei com esse ato. – Ele apontava inconsolável para a porta.
- Isso? – Perguntei sem me importar. – Mais uma modelo fútil. – Afirmei me pondo ao lado de Lee.
- Vamos trocar essa porta agora mesmo. – Ele se levantou confiante.

De repente pelo corredor. Surgiu um grupo de mexicanos clandestinos. Começaram a tirar minha porta. Rayko me encarava assustada. Eu apenas fiz um leve gesto positivo. Sentei no sofá, e fiquei a observar a movimentação. Lee comandava os trabalhadores a todo vapor. Em questão de minutos, uma nova porta encontrava-se instalada. De muito bom gosto por sinal. Uma madeira escura, na famosa cor "tabaco". Um excelente acabamento. Fiquei satisfeita. Tenho de admitir. É bem mais luxuosa que minha antiga porta.

- Bom trabalho Lee. – Afirmei lhe passando um cheque.
- Claro minha flor de cerejeira. – Ele beijava minha mão. – Generosa como sempre. – Ele estendeu um sorriso ao ler o valor. – Thau para vocês queridas. – Ele disse me jogando algo, e se retirando pela porta.

Agarrei um molho pequeno de chaves. Tinha pelo menos cinco iguais. Envolvidas por um chaveirinho rosado em forma de coração. Nada mais chamativo. Tirei quatro chaves da argola. E joguei o coraçãozinho aveludado na direção de Rayko. Essa que o agarrou prontamente. Em seguida me fitou confusa.

- Venha sempre que quiser. – Afirmei me voltando a cozinha.
- Sério? – Ela me seguiu eufórica pelo corredor.
- Sim. Você me agrada muito, quero cultivar nossa amizade. – Completei com um sorriso.
- Obrigada tia Sáh. – Ela agradecia carinhosamente.

Voltamos à mesa. E literalmente devoramos o bolo. Não deixamos sequer uma migalha sobre o prato. Parecíamos famintas, ou então habitantes do sul da África. Até que um rápido flash surgiu em minha mente. Lembrei das duas torneiras que abrira a um grande fator de tempo. Encarei Rayko com os olhos arregalados. Essa que me fitou confusa. Levantei num pulo da cadeira. Corri rapidamente pelos corredores. Ao chegar a meu quarto vi uma leve ondinha saindo por debaixo da porta do banheiro. Ótimo. Abri bruscamente a porta. Espera encontrar um rio, com barcos navegando. Mas lá, só habitava uma banheira, essa que esparramava água pelas bordas. Corri até as torneiras e tratei de fechá-las. A água morna consumia meus pés.

- O que aconteceu aqui? – Rayko perguntava frente à porta.
- Fomos atingidas por uma onda gigante. – Soltei um leve riso.
- Percebi... – Ela comentou em uma baixa gargalhada.
- Vamos aos rodos e panos. – Fitei um rosto jovem e assustado a minha frente.
- Vou ter que dar uma de dona de casa? – Ela me perguntava incrédula.

Eu apenas fiz um sinal positivo para a sua pergunta. Ela retribuiu com uma desanimadora expressão. Logo pegamos rodos, panos, balde, e outros utensílios domésticos. Começamos a faxina. Em meio à limpeza, alguns tombos foram indispensáveis. Com o chão cheio de sabão, foi inevitável cair diversas vezes. Meus glúteos pareciam ter sido achatados.

- Finalmente. – Rayko se jogava no chão.
- Nem me fale, jamais pensei que doméstica sofria tanto. – Disse num suspiro.
- Nem eu. – Ela concordou.

Ficamos estiradas sobre o chão gélido por um longo tempo. O cansaço se mostrava maior. Talvez no fundo quiséssemos ser dominadas por uma proveitosa preguiça. Nossa hora da folga foi interrompida com um badalar da campainha. Quem seria o próximo a incomodar? Virei levemente meu rosto em direção a Rayko. Essa que logo entendeu, e saiu pela porta. Seja lá quem for, vai levar chumbo.

- Tia, visitinha lá na sala. – Rayko informava.
- Quem é? – Perguntei preguiçosamente.
- Lamentável senhorita Haruno. – Uma voz num tom irritante adentrava o local.
- O que faz aqui terapeuta cretino? – Perguntei ainda deitada.
- Você e suas gentilezas. – Ele comentava deitando-se ao meu lado.

Tinha me esquecido. Combinei que neste domingo teríamos uma consulta em meu apartamento. Porque fiz isso? Nem eu entendo. Que motivos grotescos me levaram a tal ato lamentável? Depois de uma faxina, ouvir sermão de Dr. Koori, seria o mesmo que ouvir reclamações de sua patroa. Me senti rebaixada ao fundo do poço.

- Refresque minha memória, porque marcamos a consulta aqui? – Perguntei jogando água sobre meu rosto.
- Para que Rayko também participasse. – Ele afirmou colocando as mãos por debaixo da cabeça.
- Eu vou participar? – Rayko me encarava assustada.
- Vai. Deite-se e desfrute de um belo livro de auto-ajuda ambulante. – Comentei batendo uma de minhas mãos sobre o chão.

Rayko logo se juntou a nós dois. Começamos com algo simples. Haku apenas perguntara como fora nosso dia. Respondemos em altos resmungos. Hoje realmente foi cansativo. Tivemos certas horas de lazer, como o café, e os tombos no banheiro. Mas fora isso, nada que valha a pena para se contar a netos futuros.

- Vejo claramente uma alta semelhança entre as duas. – Haku iniciava. – Diria até que Rayko é idêntica a você, talvez ela ainda seja um pouco infantil, por sua falta de experiência, mas ainda sim se assemelham. – Haku terminava ajeitando os óculos.

E daí? Somos semelhantes? Jura Haku? Se você não tivesse dito, jamais descobriria. Ora, que consulta particular inútil é essa? Só está me aborrecendo mais. Meu terapeuta definitivamente, foi feito para estragar cada um de meus finais de tarde. Resultado? Minha raiva contra o Hyuuga se elevava a cada dia. Haku pode ser um grande amigo, mas como terapeuta, é pior que mãe. Como pode? Consegue ser mais chato e irritante que minha mãe em certas ocasiões. A única coisa que os difere é minha repulsa contra a família. De resto, poderiam formar uma gangue de auto-ajuda ambulante.

- Vou embora, vocês estão chatas hoje. – Haku afirmou se levantando.
- Olha quem fala. – Eu e Rayko comentamos em sincronia.
- Boa noite. – Ele disse com um sorriso entre os lábios.

Dei um leve aceno em despedida. Enquantovia o ilustre Haku se retirando pela porta. Ele e seu belo casaco branco.Realmente fiquei fascinada. A única coisa que o estragava eram as listras desujeira em suas costas. Pelo menos ele contribuiu com a limpeza do banheiro.Talvez nunca fora tão útil. Completei meus pensamentos em uma alta gargalhada.

- O que foi dessa vez? – Rayko me encarava indignada.
- Você viu o casaco dele? – Perguntei soltando altas gargalhadas.
- Vi. – Ela comentou segurando o riso.
- Ria logo. – Dei uma leve batida em sua barriga.

Algo que a fez se desatar em risos. Ficamos lá espalhadas ao chão. Rimos durante um longotempo. Minha barriga chegou a doer, e meus olhos a lacrimejarem de tanto rir.Rayko encontrava-se na mesma situação. Só acordei ao lembrar, que ainda tinhade levar Rayko a sua casa. Me levantei, e estendi um braço em ajuda. Ela o agarrou eficou de pé num impulso.

- Vamos? – Perguntei.
- Fazer o que? – Ela saía em busca de sua bolsa.

Ao virar-se de costas. Percebi listras e mais listras de sujeira. Provavelmenteminha blusa carregava o mesmo. Pois exalava um leve odor malcheiroso. Troqueide blusa rapidamente. E logo me juntei a Rayko. Fomos mais uma vez pelas ruasFrancesas. E o melhor, acompanhadas de dois belos sorrisos satisfeito. Talvezfosse o começo de longas visitas.

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