Fora de Cogitação

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M.O

Mesmo depois que falei aquilo tudo, Miguel continuou calado, e nem me seguiu depois que eu saí. Tudo isso só me fez confirmar que tem sim algo de errado. E Aracy sabe o que é.

Fui para o apartamento das meninas, quase chorando. Não, não. Eu não iria chorar. Acho que já chorei demais e passei por coisa bem pior que essa nesse ano, não? Cansei, estamos só em setembro, meu pai.

Aracy abriu a porta pra mim. Logo de cara percebeu que eu não estava bem. Me encarou por alguns segundos e, segurando minha mão, me colocou para dentro.

-O que houve? - nos sentamos no sofá.

-Cadê a Márcia? - olhei para os lados.

-Não tá aqui. Fica tranquila. - piscou pra mim e eu revirei os olhos. Eu realmente preciso das duas.

-Não é por isso. - molhei os lábios com a língua para continuar falando. -Mas, enfim. - revirei os olhos novamente. Tenho feito muito isso. -Você deve saber o que tá acontecendo com o Miguel. - olhei bem nos olhos dela e a mesma desviou o olhar. -Aracy!

-Tá acontecendo alguma coisa com ele? Pelo menos pra mim, ele não disse nada. Agora fiquei curiosa! - falou, nada convincente. Aracy não consegue. Não mesmo. Ainda mais para mim. A olhei com a cara menos convencida do mundo.

-Não adianta.

-Tá. - revirou os olhos. -Ele tá preocupado com você. Vive perguntando se você tá comendo bem, tá dormindo tranquila, se tá se estressando muito... enfim. - soou o mais sincera possível. Ok. Mas eu me recuso a acreditar que é só isso.

-Disso eu sei. - revirei os olhos. -E já disse pra ele que não tem necessidade de se preocupar. - cruzei os braços.

-Nada vai adiantar, bebê. - arqueou as sobrancelhas. -Ele vai continuar se preocupando. Isso é amor. - piscou. -E eu também estou super preocupada. E quero te levar ao médico.

-Mas nem pensar! - me levantei. -Ir em hospital? Nem a pau. - fiz birra, de novo. Logo eles enjoam. Bom, não quanto eu estou enjoada agora. Ai!

Corri o mais rápido que pude para o banheiro. Acho que coloquei pra fora todos os tipos de doces que eu comi hoje. Puts, até eu tô começando a ficar preocupada comigo. Nunca fui assim com doces. Eu realmente tô estranha. Mas nada que um "dramin" não resolva. Creio que é esse o nome. Aracy me observou lavar a boca e me entregou uma toalha de rosto.

-Preciso dizer mais alguma coisa? - é, pessoal. Ela tem mesmo persuasão. Eu não estou nem um pouco bem.

-Eu não quero ir pro médico! - ergui as mãos, para o alto, como que em forma de rendição.

-Você não tem querer. - colocou as mãos na cintura e me olhou por uns minutos. Percebi seu foco de visão: minha barriga. Claro! Tanta besteira que eu tenho comido ultimamente, ela só pode pensar que estou com colesterol alto ou algo do tipo. Ou ela pensa da mesma forma que a Márcia e o Tom?

-Você não está pensando no que eu estou pensando que você está pensando, né? - arqueei uma das sobrancelhas, e ela respirou fundo.

-Depende. - deu de ombros. -Tenho a impressão que você está pensando que eu estou pensando tanta coisa, mas só tenho um único pensamento. - engraçado foi que, mesmo com esse bololô das palavras, não surgiu nenhuma expressão risonha em seu rosto. E isso foi o que mais me deixou preocupada.

-Não. Isso é, de todas as formas, impossível! - deduzi que ela estivesse pensando em gravidez.

Mas é realmente impossível! Eu e o Miguel nunca fomos pra cama para ter relações sexuais. Claro, já dormimos juntos, na mesma cama, abraçados, de conchinha, nada a mais, pelo menos não, ainda. E nem que eu saiba também. Eu hein.

Evandro? Fora de cogitação. A gente nunca nem se beijou, quem dirá chegamos à esse ponto. Eu nunca na minha vida permitiria uma coisa dessas. Nunca mesmo!

Será que é esse pensamento que incomoda o Miguel? Ah, não. Quer saber? "Não estou nem aí". Tenham medo quando eu falo isso. Bem, nem tanto. Posso dizer isso e nunca mais nem ligar. Ou posso dizer isso e encarar a Aracy, e praticamente correr até o apartamento dele. Raiai, viu. O que vocês acham que eu fiz?

Eu corri. E agora estou batendo na porta. Acho que não tem aquela coisa de "só ele corre atrás" ou "só ela corre atrás", sabe? Bom, eu acho. Um sempre correu atrás do outro. Eu nunca ouvi dizer um "ás vezes parece que só um quer", e agradeço a Deus por isso. Ele está demorando. E eu descarto totalmente a ideia de que ele esteja dormindo. Ele não dorme cedo. Nunca dorme cedo. São apenas 21:30. E isso é cedo. Muito cedo, de certa forma, para uma sexta-feira.

-Quem é? - ouvi ele perguntar. Ele estaria esperando mais alguém? Será que não era óbvio que a qualquer hora eu poderia voltar?

-Uma pessoa que te ama. Talvez até mais que tudo nessa vida. - respondi apenas isso, e ele abriu a porta. Sorriu pra mim. "Aquele maldito sorriso!". E, me abraçou. Foi inesperado. Bom, eu nunca imaginei que ele fosse fazer isso. Qualquer coisa, menos isso. Já disse que o abraço dele é o melhor e é um dos únicos que me acalma? (Não estranhe o "um dos", é claro. Dos meus pais, da Aracy, enfim, né).

-Eu amo você. - falou em meu ouvido e, sabe se lá como e porque, uma lágrima surgiu.

[...] De certa forma, nos resolvemos. Pra ser sincera, as palavras entre nós dois não são necessárias. Estamos já deitados, ele está me abraçando por trás. É a famosa "conchinha". Ele já está dormindo, tadinho. Estava morto. Eu não consigo, provavelmente não vou conseguir. Que pressentimento ruim, pelo amor de Deus.

Por que isso agora? Tenho a sensação de que vou "perder" ele, sabe? A mesma sensação que eu tive quando ia me "casar" com Evandro. E essa é uma das piores sensações que você pode sentir, pelo menos, eu acho.

Tiro sua mão de minha cintura com cuidado pra ele não acordar e me viro para ele. Minhas mãos tocam seu rosto e eu encaro o homem maravilhoso em minha frente. Quem diria que, hoje, estaríamos assim? Isso nunca se passou por minha cabeça. Bom, já passou. Há oito/nove anos atrás, sim. Já há seis meses atrás, era a mistura de "Deus me livre, mass quem me dera". Ai, Deus. Só queria tirar essa sensação de mim. Nesse exato momento. Puts, vou tentar dormir. Olhando pra ele talvez seja mais fácil. Ele... ele me transmite segurança, confiança e calma.

Eu Odeio Te AmarOnde histórias criam vida. Descubra agora