Another day - 2

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[Jane's POV]

O Inverno em Inglaterra é violento. A minha camisola de lã e o meu casaco de algodão não eram suficientemente quentes para estabilizar a temperatura do meu corpo. Embora o café tivesse aquecimento central, sentia o meu corpo arrepiar-se.

Com as mãos fracas, a pele seca e a expiração a notar-se, á medida que respirava, retirei o meu bloco de notas de dentro da bolsa do meu avental, sujo e velho, e anotei os pedidos. De manhã era sempre a altura mais caótica. As pessoas passavam ali para comerem algo antes de irem trabalhar, e apesar de eu ser das empregadas mais novas, era a que parecia ter mais experiência. O resto dos meus colegas atrapalhavam-se com os pedidos, os clientes tornavam-se impacientes e eu acabava por atender a maioria (apesar de não ser valorizada por isso). O resto do dia passava-se calmamente, sem grande confusão ou movimento.

Olhei de soslaio para o relógio pendurado na parede.Um calor psicológico chegou ao meu peito, quando as nove horas chegaram e o meu turno terminou.

- Estás á espera do quê? - A minha patroa resmungou, observando o meu rosto como se fosse um pedaço de pastilha mastigada na sola do seu sapato. A Dona Feliér passeava pelo restaurante, abanando o seu corpo robusto e as faces avermelhadas, caminhando apressadamente pela cozinha.

- Peço desculpa. – A sua atitude rude fazia com que as minhas respostas fossem simples e curtas, enquanto eu desejava internamente para que chegasse o final do mês. Sorri fracamente e caminhei até á porta, virando o cartão que dizia "aberto" ao contrário para ficar agora com a imagem de "fechado". Limpei as minhas mãos ao meu avental num ato involuntário e despi-o, pendurando-o atrás da porta. Os meus reflexos não foram rápidos o suficiente para que me pudesse defender, antes da porta ter embatido fortemente contra o meu rosto. Levei a mão ao nariz, onde me tinha doído mais e afastei-me da porta, atordoada.

Os meus olhos fechavam-se lentamente, sentindo as pálpebras ficarem cada vez mais pesadas, enquanto uns braços firmes me seguravam antes que caísse. Senti a queda ser amparada por alguém, e por mais força que fizesse, o peso do meu próprio corpo pareceu desvanecer-se, embora o meu cérebro me avisasse que eu estava prestes a perder os sentidos. Fitei a minha mão vermelha de sangue, consegui ouvir alguns murmúrios e gritos estridentes, a minha visão tornou-se desfocada. Segundos depois, fui envolvida pela escuridão.

(...)

A primeira coisa que senti quando recuperei os sentidos foi pressão na minha perna. O rapaz que morava ao meu lado estava com a sua mão quente pousada na minha coxa. Ao abrir os olhos completamente, fui capaz de observar o seu rosto e perceber que não estava a alucinar. Sentia que a minha cabeça podia explodir a qualquer momento.

Nunca tinha encarado o seu rosto áquela distância. Embora não me sentisse confortável, não pude deixar de reparar na sua feição e nos detalhes desta.

-Estás bem? Sentes-te melhor? - Ele perguntou, sem tirar os olhos dos meus. Não havia preocupação na entoação da sua voz. O rapaz não transmitia qualquer emoção enquanto falava, a sua voz grave e rouca. O verde dos seus olhos reluzia com a luz do sol, embora este fosse escondido pelas nuvens escuras. Senti-me como se me tivesse esquecido de pestanejar. Estava a fitar o seu olhar desde que acordara e isso tornara-se estranho. Fui capaz de assentir levemente, antes de raciocinar e tentar relembrar-me do que tinha acontecido. O rapaz de gorro levantou-se repentinamente, sem dizer mais nada. Apenas se levantou e saiu.

Vislumbrei um pequeno caderno na sua mão e nesse momento o meu cérebro bombardeou perguntas.

Seria um diário? Seria possível um rapaz tão frio desabafar com o que quer que fosse? Quando dizia isso em voz alta, fazia sentido. Quando não se tem alguém em quem confiar, ou a quem contar o que flui na nossa mente, optamos por escrevê-lo, nem que seja para nós mesmos. Apesar de serem raras as vezes em que eu dissesse o que me ia na cabeça, desabafava sempre comigo própria ou com o meu melhor amigo. As pessoas que conseguiam, de certa forma, exprimir o que sentiam, mesmo que fosse apenas com uma simples folha de papel, era algo de admirar, dado que a maioria das pessoas têm tendência a ficar quietas e a guardar os seus pensamentos para si mesmas. Eu já o admirava simplesmente por ser ele próprio, por ter aquele tipo de mistério e escuridão envolvido nele, por não ter brilho nos olhos, sem ser aquele que a luz do sol lhe fornece. O seu coração parecia ser tão escuro, tão frio, como um pedaço de pedra vulcânica, que ninguém apreciava e que toda a gente achava ignorante. Eu achava interessante. Mas nenhuma das minhas perguntas teve resposta.

Ao longo daquele tempo, a única coisa que ele me havia dado, era um grito. Um grito no silêncio que só eu conseguia ouvir.


24 Days - H.S - AU - A REESCREVEROnde histórias criam vida. Descubra agora