Thinking out loud - 1

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*24 Days*

Alguma dúvida, perguntem e eu esclareço. 

Boa leitura, e espero que gostem! 
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Houve um dia. Haverá sempre um dia. E foi naquele dia que houve. 

As nuvens tapavam o sol, o que fazia com que o ambiente se tornasse sombrio e escuro. Em Londres, era raro estar uma temperatura acima dos vinte graus. No Inverno, chovia abundantemente e o chão que pisava era coberto por lama, por isso as botas de cano alto eram as mais vendidas nos arredores. A zona onde eu vivia era calma, ao contrário do centro de Londres. Havia alguns cafés e restaurantes baratos nas ruas serenas, um deles era onde eu trabalhava. Surpreendentemente, o café era bastante movimentado pelas pessoas apressadas e por vezes atrasadas para o emprego. Os pedidos eram pequenos, nada que trouxesse muito dinheiro ao estabelecimento porém era suficiente para colocar comida na mesa todos os dias. O salário que recebia ao fim do mês acabava por ser algo sagrado, tendo em conta que eu era a única pessoa a pôr dinheiro em casa. Desde que a minha mãe deixara o emprego por causa do desaparecimento do meu pai, havia sido difícil, ás vezes quase impossível, manter um sorriso na cara e uma boa-disposição todas as manhãs. Obviamente que o feitio rígido da minha patroa não ajudava na minha missão diária que consistia em fazer o meu melhor, em todos os aspetos possíveis. Aproximava-me das pessoas que se sentavam nas mesas redondas a ler o jornal do dia com uma expressão chocada ao repararem nas notícias trágicas e nos acontecimentos mais recentes, perguntava-lhes se desejavam alguma coisa e muitas delas apenas assentiam com um leve movimento na cabeça e eu era obrigada a esperar atentamente pelas suas respostas. Quando finalizavam o pedido, rabiscava no meu bloco de notas e gritava para a cozinha. Mal comunicava com os meus colegas de trabalho. A maioria deles eram mais velhos, exceto uma rapariga por volta da minha idade que entrara há pouco tempo e devido à sua inexperiência, precisava da minha ajuda para a maioria dos pedidos. As minhas relações fora do trabalho eram quase inexistentes. Eu e a minha mãe raramente conversávamos, eu passava o meu tempo livre deitada na minha cama e Louis era a pessoa que mais atenção me dava.

Conhecia-o desde pequena, andámos na creche juntos e foi aí que a nossa relação se começou a desenvolver. Embora a sua proximidade com a família fosse pouca, Louis visitava os seus pais e os seus irmãos frequentemente a Los Angeles. Ele escolhera permanecer em Londres com a irmã mais velha quando fez dezoito anos. Trabalhava num supermercado, e entregava pizzas ao domicílio. Por vezes passava por minha casa a seguir ao trabalho e acabava por adormecer no meu sofá. Apesar da nossa relação bastante estável e forte, nunca olhei para Louis de outra maneira senão como um irmão. Era estranho pensar que poderíamos ser alguma coisa a não ser amigos. Os pelos da minha nuca arrepiavam-se somente com o pensamento.

Eu considerava-me uma pessoa bastante simples, sem segredos ou algum enigma a desvendar. Não me trazia nenhuma tristeza saber que eu não era o tipo de rapariga que atraía as atenções, antes pelo contrário, a minha timidez exigia discrição. Os meus cabelos castanhos eram quase da mesma cor que os meus olhos. O castanho-avelã do meu olhar era um pouco mais claro e revelava uma certa subtileza. A minha estatura era demasiado pequena para o meu gosto, dado que me trazia alguns problemas. Era forçada a dobrar a bainha das calças pois não encontrava nenhumas que me servissem e fossem do meu tamanho, e na verdade também não tinha paciência suficiente para procurar mais atentamente. A minha altura obrigava-me a ter de encarar pessoas que ao meu lado pareciam girafas, compridas e esguias. Tornava-se assustador ir ao supermercado ou até ficar presa numa longa fila. Media pouco mais de um metro e meio e o meu peso tornava o meu corpo franzino, bastante semelhante ao da minha mãe. A meu ver, eu era uma pessoa bastante afável, com alguma dificuldade em lidar com problemas que eventualmente poderiam aparecer na minha vida. Tinha grandes ambições para o meu futuro, desejava ter tido a possibilidade de estudar Direito e de seguir os meus estudos na Universidade, todavia o dinheiro não era suficiente e o meus sonhos necessitaram de um intervalo com uma duração incerta.

Não tinha quaisquer passatempos. Gostava de ler e de redigir alguns textos de vez em quando, apreciava uma boa vista embora fosse difícil ter uma no sítio onde eu morava. Tentava afastar os pensamentos mórbidos que a minha mente criava quando eu me encontrava deitada na cama, a observar a varanda. Do outro lado, com as cortinas sempre abertas, o corpo de um rapaz jazia na sua cama. Por vezes falava ao telemóvel, ou lia um livro, ou então escrevia num pequeno caderno.

Eu chegava a pensar que me estava a tornar uma psicopata e que necessitava de ajuda rapidamente. Afinal, quem é que fica a observar uma pessoa que desconhece, que consequentemente, não sabe que está a ser observada?

Não digo o nome dele, porque nem sequer o sei. Os seus olhos grandes e verde- esmeralda eram ilegíveis, forneciam apenas uma onda vaga de mistério, e nada mais. A maior parte das vezes o seu rosto era inexpressivo porém sereno, que carregava uma sombra de indiferença. Mas era bonito. A beleza dele era obscura e silenciosa, e eu apreciava isso de certo modo. Eu gostava de pensar que apenas o observava por ser bonito, dado que isso já era algo normal. Nunca vira o seu sorriso curvado, nem sequer a forma natural do seu cabelo pois usava sempre um gorro a cobri-lo, deixando alguns caracóis escuros realçarem-se perto das suas orelhas. A sua estrutura facial era perfeita, o maxilar era rígido e saliente e o seu nariz parecia ter sido esculpido. Á medida que falava, eram visíveis umas covinhas nas suas bochechas que contradiziam com a sua beleza obscura e silenciosa. A sua voz era grave e rouca, eu havia reparado nesses pequenos pormenores nas poucas vezes que o tinha ouvido. Apesar da sua presença frequente no meu local de trabalho, era raro falar com ele. Toda a gente sabia quem ele era, mas quase ninguém o conhecia. Na região onde eu morava, as crianças inventavam histórias sobre ele, diziam que o seu pai tinha ido para a guerra e que a mãe o tinha abandonado, e como alguns contavam, o rapaz era autista e não gostava de comunicar com os outros, que vivia no seu próprio mundo. A verdade é que nunca o vira acompanhado por quem quer que fosse. Talvez fosse órfão e não lhe restasse família. Talvez tivesse cortado relações com os seus parentes. Eu nunca iria saber.

Com a vida que eu levava, dava por mim a pensar em como seria estar no seu lugar, sem ninguém com quem falar.
O jovem devia rondar os vinte anos, não menos do que isso. Fazia o seu pedido todos os dias sem mostrar um sorriso e virava costas quando estava satisfeito. Eu negava constantemente o facto de ser errado observá-lo através da janela do meu quarto quando ele estava distraído, mas era algo que parecia relaxar-me e que me trazia uma estranha familiaridade. Se fizessem o mesmo comigo, eu era capaz de chamar as autoridades e de me esconder nalgum recanto para que nunca me encontrassem, mas vê-lo deitado na cama, a olhar para o teto, a falar ao telefone dando voltas e voltas no seu quarto, havia-se tornado uma rotina.

A minha vida não era calma, e se calhar a dele também não. Mas o tipo de rapaz que ele transmitia ser era algo que eu nunca iria conseguir explicar, porque nunca tinha conhecido ninguém assim. Ele era qualquer coisa. Qualquer coisa envolvida com mistério, silêncio e escuridão. Não parecia ser um rapaz feliz. Talvez fosse realmente uma grande parvoíce eu esperar por ele todas as tardes, sentada na minha cama a olhar para a janela, unicamente para o poder observar a desprezar-me. Algo nele me despertava a atenção. Não sabia o quê, nem se algum dia iria descobrir. Mesmo que mais tarde, fossem apenas memórias, nunca me iria esquecer da maneira como olhava para ele. Mesmo que ele não me olhasse de volta.


24 Days - H.S - AU - A REESCREVEROnde histórias criam vida. Descubra agora