My dear - 3

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[Harry's POV]

A

s dores nas costas já eram comuns quando se tornava usual adormecer no sofá. Massajei um pouco a cova do meu pescoço, onde eu sentia uma picada profunda, e levantei-me, olhando para o relógio no meu pulso. Os ponteiros indicavam as nove horas, então apressei-me a vestir o meu casaco e a agarrar no meu caderno, saindo depois de casa.

Corri até ao outro lado da rua, chegando à porta do café. Sem reparar na placa que indicava "fechado", entrei de rompante, sentindo de imediato o impacto do meu corpo em alguém que estava do outro lado.

Ela levou a mão ao seu nariz, que já sangrava devido á força com que eu abrira a porta. A rapariga de olhos claros e cabelo escuro começou a ficar inconsciente, revirando os olhos e a desequilibrar-se, e, em entrar em pânico, agarrei-a, antes que caísse. Perguntei se me conseguia ouvir, no entanto já tinha perdido os sentidos.

(...)

Passado algum tempo, que mais parecera uma eternidade, ela abriu os olhos lentamente, enquanto eu a abanava pelas pernas, com intuito de a fazer acordar. Resultou, porque quando lhe perguntei se estava bem, ela respondeu-me que sim. Ela falava com alguma dificuldade, tentando ainda ficar em forma, mas após algum esforço conseguiu entregar-me um sorriso simpático.

Levantei-me sem mais demoras e peguei no meu caderno, deixando-a sentada, admirando-me. A verdade é que ela me assustava. Cada vez que passava por ela, olhava-me como se fosse algo...Único. Cada vez que os seus olhos se encontravam com os meus, as questões na minha mente embrulhavam-se umas nas outras e eu ficava mais confuso. Porque é que ela me olhava daquela maneira? Será que havia uma réstia de memória? Será que, sempre que eu lhe tocava, ela sentisse o mesmo ardor no peito que eu?

No fundo, lá mesmo no fundo do que restava de mim, eu ainda tinha esperança. Esperava que no olhar dela, ela me encontrasse. Porém, havia uma longa distância entre a realidade e aquilo que eu desejava.

Era duro, demasiado duro, olhar para Jane. Amava-a com tudo o que tinha. Mas nem o meu nome ela sabia. Queria afastar-me, desaparecer da sua vida, ou que ela desaparecesse da minha. Mas eu não podia fugir da única coisa que me podia salvar. Era talvez tão duro quanto tortura, observá-la encarar-me como se tivesse vontade de dizer algo, como se me conhecesse. Perguntava-me tantas vezes se o mesmo ciclo se voltaria a repetir, ou se já tinha acabado. Não sei qual das duas possibilidades me deixava mais triste.

Saí do lugar, onde na realidade, nunca devia ter entrado, e parti rumo ao local onde me sentia mais confortável, embora estivesse preenchido de memórias. Naquele momento, não havia escapatória possível. Fui para casa.

[Jane's POV]

Dias de inverno se passaram, até chegar finalmente a primavera. O cheiro era totalmente diferente, o sol iluminava e brilhava cada vez mais, as flores começavam a crescer tal como as folhas das árvores. Adorava a primavera, era a minha estação do ano preferida. A meu ver, era a mais bonita e reconfortante, apesar de também gostar bastante do outono.

Já não aguentava as dores de costas quando a minha patroa gritou o meu nome.

-O teu turno acabou, por hoje. - Disse ela. - Hoje fechamos mais cedo.

Estava demasiado cansada para questionar o porquê. Retirei o avental e peguei no meu casaco, vestindo-o.

Peguei na minha pequena malinha com os objetos mais necessários, como o telemóvel e a carteira, e rapidamente senti o cheiro a amêndoa amarga quando apertei o casaco sobre o meu corpo. Embora fosse primavera, ainda existia uma aragem gélida. Direcionei-me para casa, caminhando no passeio enquanto olhava para as poucas pessoas que faziam o mesmo percurso que eu. Uma delas, para meu espanto, era o rapaz que me tinha provocado a lesão no nariz. O rapaz que eu não conseguia chamar porque não sabia o seu nome. Havia algo no seu rosto que transparecia simpatia e atenciosidade mas eu achava que era só a minha cabeça a idealizar alguém que não existe. Era estranho existir tanta frieza e mistério numa só pessoa. Parecia que estava consumido por solidão. No entanto, uma parte de mim dizia que eu tinha demasiado tempo livre e consequentemente o meu cérebro imaginava e criava cenários que não correspondiam à realidade. Eu precisava de ocupar a minha mente com algo mais sem ser o trabalho, a minha mãe, e aquele rapaz.

Louis.

Há demasiado tempo que não via o meu melhor amigo. Precisava de me ocupar com os seus dramas familiares e amorosos para poder salvar a minha sanidade mental.

Ao preparar-me para lhe ligar, o telemóvel caiu ao chão quando senti um encontrão nas minhas costas.

-Desculpa. - Virei-me para encarar o rapaz e bati-me mentalmente. Baixei-me para apanhar o telemóvel e talvez para esconder as minhas bochechas rosadas.

-Por isto ou por isto? - Perguntei ao apontar ora para o telemóvel nas minhas mãos ora para o meu nariz.

-Por ambos, acho eu. - Coçou a nuca com a mão e franziu o nariz, hesitando. Estava a usar o seu gorro verde que só deixava alguns dos seus caracóis à vista. O seu cabelo estava mais comprido.

-Achas tu? - Exclamei, elevando as sobrancelhas. Eu podia ter ignorado, virado costas e seguido o meu caminho. Mas eu queria saber mais sobre ele e a única maneira possível de isso acontecer era dirigir-me diretamente e aproveitar qualquer situação.

-Miúda, eu já te pedi desculpa. - Estremeci ao ouvir as suas palavras e ao encarar a sua expressão de indiferença.

Ele preparou-se para seguir o seu caminho, mas eu impedi-o agarrando o seu braço. Estava à espera que ele o sacudisse - pois era o que eu teria feito - no entanto não se mexeu. Acabei por largá-lo, nenhum de nós disse qualquer palavra e o ambiente estava a ficar constrangedor.

-Minha querida - Ele começou, arrepiando-me. Aquelas palavras tão doces vindas de uma pessoa tão amarga, faziam a situação ficar completamente desagradável. -, tu não me conheces, está bem? Agora deixa de ser infantil e segue com a tua vida. - Dirigia-se a mim com uma certa relutância, desviou-se de mim e continuou a andar.

-Tu também não me conheces. – Respondi rapidamente. Ele parou, no momento em que eu falei. Baixou a cabeça e sorriu para o chão.

-Tens razão. - Disse, encarando os seus próprios pés. -Eu não te conheço. - Abanou a cabeça e o seu sorriso foi desaparecendo gradualmente, até eu não conseguir ver mais devido ao facto de ter continuado a caminhar.

Era impossível não ficar a pensar no que tinha acabado de acontecer. Estaria ele a mentir-me? O sorriso ingénuo que havia esboçado tinha-me deixado confusa.

O rapaz andava à minha frente, pois o caminho era o mesmo. Guardei o telemóvel e pensei em ligar a Louis noutra altura.

Parei perto de minha casa, vendo o rapaz seguir diretamente à sua porta, com as chaves na mão. Entrei também e pousei as minhas na mesa ao pé da entrada. Era pouco provável que a minha mãe estivesse em casa. Gritei o seu nome mas ninguém respondeu. Subi até ao meu quarto atirando com a minha mala para a cama, deitando-me de seguida nela.

Ao mesmo tempo que me cobria com o cobertor, afastei os cortinados da janela, para poder olhá-lo.

E lá estava ele, deitado na sua cama, com um braço por baixo da almofada, de barriga para cima a falar ao telemóvel. Questionava-me com quem ele tanto falava. Mal dirigia a palavra ás pessoas da cidade, porque falava tanto ao telemóvel? Com quem? Seria a sua namorada? Ou o seu melhor amigo? Ou os seus pais? Estava sozinho. E se calhar era por isso que era tão frio, porque não tinha razões para ser doce, ou gentil. As suas atitudes refletiam o seu passado, pensava eu. Mas eu queria tanto saber mais, queria tanto conhecê-lo, saber o porquê de todas as suas ações, saber a sua história, por muito pequena e sem graça que fosse. Mas isso parecia tão impossível. Ele não deixava ninguém aproximar-se e eu não percebia porquê. Talvez porque estivesse demasiado magoado para tal. Mas, se ele estava assim tão magoado, não devia estar à procura de alguém que mudasse isso?

E eu queria ser essa pessoa. Mas eu não tinha esse direito. Não quando ele negava a minha presença na sua vida.

Acho que, quando nós estamos quebrados, tentamos encontrar algo - ou alguém - para poder consertar. Já que não nos podemos consertar a nós mesmos.


24 Days - H.S - AU - A REESCREVEROnde histórias criam vida. Descubra agora