Prólogo

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O médico estava na sala de operação com sua equipe para um trabalho delicado

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O médico estava na sala de operação com sua equipe para um trabalho delicado. Um trabalho que ele sempre detestava, mas que eram ossos do ofício. Algumas vezes salvar vidas significava transformar vidas para todo o sempre. Kazuo Watanabe era seu nome. Brasileiro, filho de agricultores japoneses, fez o gosto da família formando-se em medicina, embora a literatura fosse sua verdadeira paixão.

– Dr. Kazuo – ele ouviu a voz de Ana, sua enfermeira de maior confiança, chamando-o. – A família do Osmar chegou. Eles estão esperando no segundo andar para conversar com o senhor.

– Tá – assentiu. – Pede para eles aguardarem cinco minutinhos. Já estou indo.

Após se desfazer de seus EPIs, ele usou o elevador para se dirigir ao andar onde a família de seu paciente o aguardava. Osmar Lima era o nome do paciente. Um homem de 60 anos que vegetava em um dos leitos da Unidade Intensiva do Hospital Regional há mais de quatro dias. Seu diagnóstico: trombose, complicação adquirida em decorrência de uma diabetes não tratada. Amputar a perna esquerda era a única opção viável para salvar a vida daquele senhor, visto que a infecção nesse membro estava se espalhando pelo restante do corpo e tornando mais grave seu quadro geral de saúde. E a decisão de fazer ou não a cirurgia de amputação seria da família. É assim que funciona quando o paciente não tem condições de decidir por si próprio.

Enquanto Kazuo serpenteava pelos corredores, notou que o hospital parecia mais frio e soturno que o habitual. O cenário combinava com seu humor e com suas frustrações. Frustrações de um homem de trinta e três anos que, no dia anterior, havia assinado a papelada de divórcio. Divórcio, aliás, de um casamento que lhe custou caro. Muito caro: 800 mil reais. E que durou pouco. Muito pouco: Quatro meses e onze dias. Mas vamos tentar esquecer isso. Afinal, Kazuo tem preocupações maiores nesse instante.

À sua frente, a família de Osmar Lima surgiu. Resumia-se a duas pessoas. Eram duas mulheres. Olga, a atual esposa, uma mulher por volta dos cinquenta anos, estava sentada em uma poltrona, serena, com uma Bíblia no colo. E a filha do primeiro casamento de Osmar, Luana, que estava em pé, próxima a uma janela. Luana era muito jovem, tinha vinte e cinco anos. Quando Kazuo a viu, o rosto dela estava amuado, os olhos inchados, uma típica expressão de alguém que estava desmontada por dentro.

Depois de explicar detalhadamente o estado de Osmar, Kazuo as informou sobre a necessidade da cirurgia de amputação.

– Bom, doutor – Luana disse. – Se o senhor está dizendo que a amputação é a única chance do meu pai sobreviver, não vejo razões para não tentarmos. Eu assino o documento de autorização.

– Mas eu não assino! – interveio Olga, com rispidez. – Tenho certeza que se seu pai estivesse consciente ele não permitiria.

Os olhos de Luana se encheram de lágrimas.

– Mas, Olga, você não escutou o que o doutor disse? Não temos escolha. Se a cirurgia não for realizada agora, amanhã meu pai não estará mais entre nós.

– A minha religião não permite amputações, Luana. E você bem sabe disso.

– Por favor, Olga, não coloque religião no meio. Não agora.

– Eu acredito no poder do meu Deus, Luana.

– Eu também acredito. E acredito que foi Deus que colocou esse bom doutor para realizar a cirurgia do meu pai. Que foi Deus que o colocou em nossas vidas para...

– Pare de falar bobeira, Luana. Eu não vou assinar esse documento e ponto!

– Tudo bem, então. Eu sou a filha. Sou maior de idade. Eu posso assinar sozinha. Não posso, doutor?

– Não, Luana – Kazuo respondeu. – Você não pode. Na verdade, pela lei, a única assinatura válida para esse caso é a da esposa.

– Por favor, doutor, não diga uma coisa dessas nem brincando...

De fato, não era hora nem lugar, mas Kazuo sentiu-se fortemente cativado pela beleza simples e natural daquela jovem. E, por um segundo, quebrando todos os protocolos éticos, permitiu que a dor dela também fosse a dor dele.

– Luana, eu...

– Eu não assino, essa é a minha palavra final! – Olga sentenciou. – A vida do meu esposo está nas mãos do meu Deus.

Nas primeiras horas da manhã seguinte, quando se arrumava para ir trabalhar, o mundo de Luana desabou sob seus pés após receber uma ligação do hospital. Era a notícia mais dolorosa de sua vida.

Deus havia levado a vida de seu pai.

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