Kazuo Watanabe poderia não ser apaixonado pela medicina, mas se esforçava para ser um ótimo médico e, ainda assim, estava acostumado a ver a vida deixar seus pacientes. Ainda mais por ser cirurgião, o que não queria dizer que ele não sentia a morte de cada um dos seus pacientes, mesmo que o tempo passasse. Mas o que tirava seu sono não era a lembrança de um paciente, era a lembrança de um par específico e arrasado de olhos castanhos que o perturbava.
Haviam se passado três meses desde a última vez que vira aquele par de olhos e, indo contra tudo o que ele esperava, continuava se lembrando deles.
Jaqueline dizia com frequência que ele era um romântico, um idiota. E provou que estava certa quando assinaram o divórcio com apenas quatro meses de casados depois de uma década juntos. Mas não conseguir superar aqueles olhos era o cúmulo da idiotice. Do romantismo.
Não que houvesse qualquer romance em toda a situação em que a conheceu. Era exatamente o contrário. Provavelmente Luana nem mesmo se lembrava dele. Ou talvez lembrasse, uma vez que foi ele quem assinou o atestado de óbito do seu pai, deixando-a completamente sozinha no mundo. A jovem havia dito, entre muitas lágrimas, que o pai era a última família que lhe sobrava, e Kazuo acreditava que era por isso que não conseguia esquecê-la. Porém, racionalmente sabia que o problema real havia acontecido quando ainda tinha um paciente em tratamento e permitiu que a dor da filha deste fosse sua.
Era por isso que um médico não poderia se permitir sentir a dor dos que ficam.
Era por isso que ele nunca quis ser médico.
Mas o amor pelos seus pais era maior que ele mesmo.
Pensar nos pais lhe causava uma mistura de saudade, nostalgia e raiva. Aos trinta e três anos, com muito mais bagagem que aos dezoito, sabia que amar os pais não deveria ter sido motivo suficiente para realizar o sonho deles de ter um filho doutor em vez de realizar o seu de ser professor de literatura. Entretanto, nunca era tarde para viver um sonho. Por isso que, ao perceber que tinha tempo para fazer outras coisas quando não estava em um plantão de quatorze horas, já que não possuía obrigações com outra pessoa, resolveu a sua maneira viver o sonho de ser professor.
Encontrava-se semanalmente na biblioteca pública com um pequeno grupo de estudantes de ensino médio para discutirem sua amada literatura. Um grupo atento, formado por oito adolescentes. Kazuo dava o melhor de si, pois sabia que para alguns deles — senão todos — a Universidade Pública da cidade era a única possibilidade de um futuro minimamente confortável, embora aparentasse ser algo tão difícil de alcançar uma que vez todos vinham da periferia.
Por isso ficou surpreso quando entrou na pequena sala reservada na biblioteca e percebeu que havia outra pessoa no grupo. Uma que ele tinha certeza que nunca veria novamente e estranhou reconhecer mesmo com a magreza dolorosa e as olheiras profundas.
– Boa tarde, doutor Kazuo – disse Luana tentando sorrir e falhando miseravelmente. Pelo menos foi o que Kazuo pensou, assustando-se com a falta de vida que existia nela.
– Boa tarde, Luana – por algum motivo estranho sentiu-se desconcertado a ponto de não conseguir encarar diretamente aqueles olhos. Era a terceira vez que pronunciava aquele nome, pelo menos em voz alta – Não precisa me chamar de doutor, aqui não somos tão... formais. Sim, qualquer excesso de formalidade criaria um degrau muito alto entre aluno e professor, e isso dificultaria o aprendizado, certo?
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Entrelaços do Destino (Completo)
Short StoryUm fio...fio que puxa, fio que une, fio que serpenteia em picos, fios da vida! Ou morte... Fio que reúne, fio que separa...a vida pode ser vista por um fio ou vivida da mais casual forma de amar ou conhecer um amor com uma vida por um fio. Esses laç...