O Fantasma do Tesouro Escondido

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São inúmeras as histórias sobre tesouros guardados em botijas enterradas no quintal, ou até guardado em velhos colchões, enfim velhos tempos, velhos hábitos.

 Um dia eu ouvi: "Você me roubou e eu vim me pegar de volta", frase icônica dita pelo o Capitão Jack Sparrow na ficção, achamos engraçado e ele era um pirata vivo, o duro é quando quem vem pegar de volta o que perdeu, para se achar, é um fantasma que não quer revelar onde escondeu seu tesouro, a vó Maria no entanto  era perita em desvendar enigmas, principalmente quando o que estava em jogo era paz dentro de sua casa.

O ano é 1959, era uma tarde de sexta-feira quente e ensolarada como outra qualquer e a vó Maria havia acabado de se mudar, ia completar só uma semana que estavam na casa nova e estavam todos felizes. Nessa época o caçula de minha vó Maria, que é meu pai, tinha apenas quatro anos e o filho mais velho meu tio Neno tinha dezessete anos.
O dia seguia como de costume, o sol forte invadia a sala onde o pequeno João brincava perto do sofá, tudo parecia tão perfeito que minha avó acostumada a uma vida cheia de regras e privações, quase não conseguia acreditar em como ela havia sido sortuda, abençoada,  em alugar uma casa daquelas tão grande e com tanto espaço.

Naquele dia a vovó pensou: - "Vou fazer um bolo para agradecer o padre Pedro que tão gentilmente achou esta casa para nós."-
Tudo corria bem, eram onze e meia da manhã daquela sexta feira, o pequeno João depois de muito brincar dentro e fora de casa se aconchegou no sofá e pegou no sono.

Nesse horário a casa sempre estava bastante movimentada, minhas tias sempre ajudavam minha avó a terminar o almoço, e ela na sequência saía para ir trabalhar na casa da Dona Ana.

Repentinamente minha avó sentiu um calafrio e instintivamente foi ver o pequenino no sofá, coisa de mãe - sabe?-, e   ao olhá-lo ela levou um susto, ele estava ficando roxo, totalmente sem ar e não conseguia gritar, então ela o sacudiu e ele voltou assustado e chorando, dizendo que um homem havia sentado em sua barriga.

Minha tia Nair que era a filha do meio, ficou de olhos arregalados ao presenciar a situação, na verdade ela tinha um motivo, naquela manhã ao acordar ela foi até a janela de seu quarto e viu um homem alto e de chapéu andando no quintal, comentou com minha tia Neusa que olhou pela janela e nada viu.

O dia passou e minhas tias  apesar de verem a situação com o pequeno João não comentaram nada com minha avó, talvez esqueceram. A noite chegou e meu tio Benjamim, o Neno,  cansado do dia de trabalho tomou banho e foi se deitar. Depois de algum tempo já na madrugada, um peso lhe tomou as pernas e ele não conseguia se virar ou levantar e depois de inúmeras tentativas resolveu chamar minhas tias Beatriz e Lourdes que dividiam o quarto com ele. Minha tia Beatriz acendeu a luz para ver o que estava acontecendo e viu o homem de chapéu segurando as pernas de meu tio, os dois gritaram e o homem sumiu. 

Minha avó em questão de segundos entrou no quarto junto de minhas outras tias que também acordaram, foi então que elas resolveram contar ter visto o homem pela manhã, porém que não imaginavam que ele era um fantasma.
Aquela foi uma das madrugadas mais difíceis da família, todos resolveram dormir juntos no mesmo cômodo.
Outros dias vieram e ao meio dia o pequeno João dormia e sufocava, sempre no mesmo local e horário, as perturbações eram constantes na casa, as luzes acendiam sozinha; talheres saltavam das gavetas da cozinha; uma pequena luz aparecia de madrugada voando sobre a cabeça de minhas tias e tio, sempre o homem de chapéu aparecia e ria com seus dentes de ouro entre as roupas estendidas no varal.
A linda casa se tornou um pesadelo, minha avó estava indignada com a situação, afinal ninguém mais conseguia dormir,  estavam todos apavorados e cansados, então ela resolveu que depois do dia de trabalho que  iria encontrar o padre Pedro para conversar e contar tudo o que vinha acontecendo.
Ao contar a situação para o padre ele demonstrou tristeza profunda  ao ouvir a história que já era conhecida por ele, ninguém conseguia morar naquela casa por mais de um mês e todos sempre a deixavam, disse o padre.

E contou a história da velha casa para vovó:

- Dizem Maria, que o antigo dono dessa casa era um terrível capataz, um homem mal e sem piedade que ganhava muito dinheiro resgatando escravos fugitivos das fazendas, ele era muito ganancioso e não confiava em ninguém, nem em sua própria esposa, então sempre escondia todo dinheiro que ganhava em algum lugar da casa, o fato é que até hoje os herdeiros não encontraram qual é esse lugar.
 

A vovó respirou fundo e disse: 

- Olha seu padre, o fantasma que me desculpe! Daquela casa eu não saio!  - ela como sempre  cheia de valentia.
O padre sorriu de canto de boca, pois ele bem sabia que ela não iria sair, não por não querer, mas por não poder e sorrindo ele lhe disse:

-Tudo bem minha filha! O padre, cheio de iniciativa  trouxe uma garrafa enorme cheia de água benta e continuou - Você vai para casa e comece a rezar desde a porta de entrada e vá jogando água benta em tudo, não esqueça nem um canto. -

Minha avó foi embora para casa e já do quintal começou a jogar a água benta em tudo, minhas tias adolescentes vinham atrás dela, de olhos arregalados, todas vestidas com seus véus sobre as cabeças e seus terços em mãos, rezando para tudo que era santo que elas conheciam.
A vovó rezou na sala, na cozinha e foi para os quartos, onde o chão era de assoalho de madeira e a medida que elas rezavam o chão rangia,  rangia, e rangia de novo,  foi assustador. Até que embaixo da cama do meu tio Benjamin, a madeira de um dos assoalhos fez um barulho alto e se soltou, minha avó curiosa abaixou para ver de perto o que tinha acontecido e viu o assoalho solto.

Ela arrastou a cama, levantou a madeira e para surpresa de todos embaixo da madeira velha havia uma trouxa feita de pano grosso bem podre,  bastante pesada e cheia de moedas e notas antigas e haviam também duas fotos: a de uma moça de uns trinta e poucos anos, que a vovó deduziu ser a esposa dele e junto dela na foto havia uma bela garotinha. Já na outra foto havia uma moça negra, um pouco mais jovem que a outra mulher, de mãos dadas com um menino de uns cinco anos, provavelmente também filho dele. A vovó pegou tudo que havia achado, juntou seus seis filhos, afinal estavam todos assustados com os últimos acontecimentos na casa e foram para igreja ao encontro do padre.

O padre Pedro ficou abismado com a descoberta, faziam anos que os herdeiros buscavam pelo tesouro, procuraram em todo quintal, chegaram a bater nas paredes para ver se achavam, acharam um oco em uma das santas da família, enfim todo lugar onde o capataz pudesse ter escondido o tesouro,  e nada.

O fim daquele dia foi feliz, acabou com rezas na casa toda novamente, só por precaução, e com cuscuz e café,  que a vovó fez questão de fazer para agradecer mais uma vez seu fiel amigo o padre Pedro, que com sua presença e fé,   trouxe paz para sua família.

A madrugada chegou, a vovó ficou acordada e constatou que o fantasma desapareceu,  e eles viveram em paz por muitos anos,   pagando a metade do aluguel na velha casa desde então, isso como uma  forma de gratidão dos herdeiros.

E foi assim que a vó Maria venceu o sobrenatural, na verdade, o venceu mais uma vez.

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