Nome de Santa

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Fim de semana tranquilo em família nos anos 90, eu adolescente estava meio brava por ter perdido um paquera para uma menina popular do colégio onde eu estudava e pensativa no meu quarto, enquanto ouvia tocar uma música da banda Legião Urbana baixinho na rádio, a letra da música dizia: - "...meu filho vai ter nome de santo..."-

Comecei a rir sozinha, lembrando dos conselhos e da doce e inocente história da minha avó Maria de quando ela tinha minha idade. Ter nome de santo no período da quaresma nos tempos da vovó era digamos... complicado e a vovó me contou que era meio da tarde quente de um fim de verão na roça em pleno período quaresmal, quando tudo aconteceu.

Nos dias de hoje pouco ouvimos falar da quaresma em si, ou das crendices e superstições que a acompanham, no entanto nos tempos da vó Maria não era bem assim, na verdade ela quando jovem morava e trabalhava na cidade de Joanópolis no interior de São Paulo, a conhecida cidade dos Lobisomens e por lá na quaresma nada funcionava, as rádios interrompiam suas programações, as TVs de modo algum eram ligadas, os bares e cinemas não abriam, os trens não apitavam e carros não buzinavam e as meninas batizadas com o nome de Maria não penteavam seus cabelos, não varriam a casa, não se olhavam no espelho, não se perfumavam, ou estariam correndo um grande risco de virarem bruxas ou se tornarem inférteis.

A vó Maria tinha quatorze anos na época e detestava essa história, ela sempre teve muita personalidade e uma beleza comum e ficar sem fazer o básico, como pentear os cabelos não a ajudava muito, o que não era o caso de Ana sua amiga, que era linda e trabalhava na roça junto de minha avó e suas irmãs.

No interior uma das principais distrações era ir para a igreja aos domingos, tanto para as moçoilas como para os rapazotes da época, no entanto para "as Marias" a quaresma as compelia a irem descabeladas para igreja, já que ninguém queria ficar estéril e nem virar bruxa.

O caso é que minha avó estava "de olho" em um rapaz mais velho chamado Francesco, ele era descendente de italianos, tinha dezesseis anos, magro, alto, de cabelos castanhos queimados pelo Sol e lindos olhos azuis para delírio das moças.

Ana também o paquerava, só que ela, diferente da vó Maria que impressionava pela personalidade, ela chamava atenção era pela beleza, tinha cabelos longos cor de trigo, lábios e face sempre rosada, seu único defeito para sorte de minha avó era a timidez.

A avó Maria querendo estar de igual para igual com Ana, logo pensou: Ana é linda, mas .. eu sou simpática, esperta e vou dar um jeito nisso!

Naquele mesmo dia minha avó passou a noite toda matutando como tirar Ana do páreo e chegou a conclusão de que a quaresma era a solução e logo pela manhã minha avó foi para paróquia local e com um interesse fora do normal, (que espantou o vigário e minha bisa Faustina), quis saber sobre a história de Santa Ana.

Seu pensamento era que se levar o nome da Santa Maria a obrigava ficar descabelada por quarenta dias, não era possível que na história da Santa Ana não tivesse nada que pudesse deixar Ana feia também. E isso não era maldade, era justiça! -Pensou a vó Maria.-

Pensando nisso, durante seus estudos ela descobriu que Santa Ana era estéril e que seu marido São Joaquim jejuou por quarenta dias para que sua esposa pudesse engravidar, e ela engravidou.

Minha avó primeiro pediu perdão a Santa Ana pelas adaptações que ela iria ter que fazer na história, mas acreditou que era por um "motivo italiano" muito justo. E durante o dia de trabalho na roça junto de Ana, minha avó com um jeito muito sério, perguntou para Ana:

-Ana, sua roupa está bem arrumada para quem não pôde trocar por quase vinte dias, afinal é quaresma, né?

-Como assim Maria? Troco de roupas todos os dias. Respondeu Ana assustada.

-Cruz Credo, Ana!!! Você não sabe que Santa Ana teve que ficar vestida com a mesma roupa por quarenta dias enquanto São Joaquim jejuava para que ela pudesse ter um filho?

Diz a lenda que toda menina batizada com o nome da Santa Ana deve praticar o jejum quaresmal e não deve trocar de roupas durante os quarenta dias, isso tudo para que não corra o risco de ficar cega ou estéril por toda vida.

- Cruz Credo, Maria!!! Eu não sabia disso, vou agora mesmo rezar a santa e corrigir esse erro !

Minha avó voltou para casa satisfeita, afinal agora seria uma Maria descabelada, porém também seria uma Ana amarrotada na missa no domingo.

Finalmente domingo chegou e como esperado estavam lá as duas jovens fervorosas na fé, uma completamente amarrotada e meio mal cheirosa e a outra descabelada, ambas na expectativa de ver o rapazote a qualquer momento entrar pela porta da paróquia.

E ele chegou ... de braços dados com Gertrudes, uma moça da idade dele, morena; alta; magra e de olhos verdes profundos e para piorar a situação, ela também era descendente de italianos e amiga das irmãs e mãe de Francesco, uma provação e tanto para Ana e para vó Maria e na verdade para as demais moças.

Ana suspirou decepcionada, a avó Maria bufou de raiva e sem querer deixou escapar o comentário:

- Essa não! Gertrudes! Desse jeito acabo virando freira de tanto ter que estudar a vida de todas as santas!

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