Benedita

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Saindo um pouco do contexto de vida Faustina e Maria minhas avós paternas, resolvi contar a história de minha avó materna Benedita, senti que não seria justo deixar de fora essa história de vida tão incrível, anteriormente falamos de duas mulheres fortes, que sabiam que eram fortes e que faziam questão de esconder suas fraquezas, agora no entanto vou falar de uma mulher que guardava em seu jeito suave e na sua voz doce e mansa, a força de um vulcão em erupção e foi vivendo que ela aos poucos percebeu.

Antes de mais nada, pense comigo, se enveredarmos para o lado do julgo, alguns, muitos na verdade, aspectos dessa história certamente nos causará repulsa, mas estamos falando de roça, de uma visão diferente do que era bom e do que era certo.

Por exemplo não julgo meus tataravós, na visão do tempo em que viveram, casar uma filha de treze anos com um homem de trinta e poucos anos, que possuía algum bem ou propriedade, na visão deles, eles estavam protegendo o futuro de sua filha e essa era uma realidade bastante comum na maioria das famílias.

O fato é que a verdade dessa história está nas palavras que não puderam ser ditas, muito menos escritas, é certo que existem respostas no inexplicável e isso em qualquer época, a vida às vezes é sim inexplicável, e a isso agradeço, ou eu poderia nunca ter existido para compartilhar com você essa história.

Talvez, eu disse talvez, a chave do destino esteja escondida nas perguntas, naquelas que não deixarão de existir porquê não temos coragem de fazê-las. O sinal de mudanças vem da superação ao medo, que sempre ataca impiedosamente quem sabe em seu íntimo, ainda que não admita, que conhece as respostas.

Todos somos seres únicos, temos nossas próprias histórias, vivemos de sonhos, paixões, intuições, de grandes e nobres intenções, de erros e de acertos. Vivemos de causas. De consequências... e só há uma única forma de sobreviver: por amor.

E vestir a solidão às vezes cabe como consolo, um necessário oxigênio para uma alma sufocada pela vida, um descanso antes de polir as armas para novas lutas e mesmo de cara com o desconhecido é imperativo entender e aceitar que mesmo quando estiver apavorada, nem sempre é o momento de gritar e se tiver paciência de esperar, o silêncio pode dizer e ensinar muita coisa.

                                                                                                 ***

Nos tempos da vovó elas viravam mulheres precocemente, minha avó Benedita por exemplo casou-se a primeira vez aos treze anos. Ela era linda, filha de preto com indígena, tinha pele cor de canela e os cabelos pretos e longos, seu corpo ainda de criança, gerou um filho frágil e foi assim que ela percebeu que ser mulher e forte não era uma escolha, era seu destino.

Seu bebê virou anjo, e se não bastasse sua dor, ela ficou com uma grave enfermidade a Tuberculose, uma doença que bateu na porta dos pobres, dos ricos, dos iletrados, dos poetas, das mulheres de família, das prostitutas, enfim... a dona Tuberculose não distinguia e não poupava ninguém.

Minha avó Benedita, frágil e tuberculosa, aceitou a ajuda de sua irmã que arrecadou na rádio local alguns "tostões de dinheiro ", e de coração lhe deu; foi assim que a jovem Dita saiu fugida do marido aos quinze anos de idade.
Ele era muito mais velho, tosco e mesmo vendo ela tossir sangue não quis levá-la para se tratar, a jovem Dita partiu do interior paulistano e de mãos dadas com o destino, veio parar na Capital de São Paulo, na monstruosa e gigantesca São Paulo, sozinha.
Ao chegar por estar bem mal  e pelo fato da doença ser contagiosa , ela foi  foi imediatamente internada em um dos hospitais referência ao tratamento de tuberculose, Dita dividiu o quarto com uma jovem desconhecida, no entanto para ela mediante as circunstâncias  isso era um mero detalhe, afinal ela havia driblado a morte e no momento era o que importava, apesar da assustadora situação, ela se sentia mais confortada ali ao lado de uma estranha do que no seu lar de pau a pique abandonado lá no interior.
E com toda maturidade que uma menina de quinze  anos tem, ela aceitou que não voltaria mais para Palmital no interior que seu destino agora seria outro,  e confiante seguiu sabendo que sua vida sempre esteve nas mãos de Deus.
Os dias passaram rápido, na verdade rápido como o vento e ela acabou fazendo amizade com sua companheira de quarto que infelizmente como muitos daquela época acabou por não resistir a Tuberculose.
A pobre moça era noiva de um rapaz muito bondoso e carismático,   que acabou por fazer amizade com minha avó durante as visitas a sua noiva e após a morte da pobre moça, o destino fez questão de tocar profundamente  o coração dele e ele continuou a visitar a jovem e bela Benedita.

José, era um jovem ex-marinheiro nordestino da cidade de Icó recém chegado do Rio de Janeiro, começando sua vida em São Paulo, o fato é que por meses ele visitou sua noiva que foi piorando dia a dia diante de seus olhos, minha avó Benedita tinha se afeiçoado a moça e se compadecia do sofrimento de José e assim do sofrimento surgiu uma transparente amizade e José passou a visitar Benedita, e  a medida que ela foi melhorando, também foi crescendo a amizade entre esses dois jovens sofridos e solitários. José morava sozinho e Dita ao término de seu tratamento, na verdade,  não tinha para onde ir e foi morar com ele, e..da amizade, nasceu o respeito, o conforto na alma, o companheirismo, do companheirismo a admiração e o amor, do amor uma grande família de seis filhos e de uma de suas filhas, a primeira neta: eu. Quando eu nasci, minha avó Dita tinha somente trinta e dois anos de idade.

Seu marido da cidade Palmital, nunca a procurou.

Os dias atuais são longe do que esperamos no que diz respeito ao machismo, porém sem sombra de dúvidas evoluímos e sabemos que existem sim, homens  bons, dignos e altruístas como foi meu amado avô José.

Meus avós foram parceiros numa rica vida, e apesar de divorciados depois de alguns anos eram amigos e  criaram seus filhos, e  juntos  souberam passar valores preciosos, fundamentais para que todos nós não tivéssemos medo de enfrentar os gigantes da selva de pedra que é a vida.

Essa foi a história de minha avó Dita, entretanto é possível ouvir todos os dias milhares de histórias fantásticas de várias Beneditas, Marias e Faustinas espalhadas por esse mundão de Deus, o que nos prova que todas temos um caminho a seguir quer seja de sandálias surradas em uma plantação na roça, ou de salto alto em uma reunião chic  de negócios em uma grande metrópole, o  que une nossas histórias é que cada uma de nós está vestida de coragem, isso sendo visionária ou acreditando com simplicidade no futuro, peitando a insana responsabilidade de ser mulher, mãe, sabendo que nossa verdade anda de mãos dadas com a fé,  e cheias de esperança, incansavelmente, seguimos rumo a conquista dos nossos sonhos e isso... sempre.

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