Praga de Carnaval

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Esses dias vinha pensando em como as drogas, são uma droga mesmo! E a verdade é que em todas as épocas ela foi o principal fantasma que assolou e assola os pais, o fato é que mesmo apreensivos somos obrigados a confiar nos valores e recomendações que damos aos nossos filhos e sobrinhos e os liberamos para maior de todas as aventuras: a de viver.

Entretanto a avó Maria tinha um jeito, digamos que..., só seu para prevenir seus filhos.

                                                                                        ***

O ano é 1962, meio da tarde de uma terça-feira de Carnaval e minha avó Maria assim como todas as mães, estava apreensiva com a noite de Carnaval, o lança perfume havia sido proibido, porém ainda era usado em segredo pelos jovens daquela época.

Minha avó temia pela segurança de meu tio Benjamim, o Neno, que tinha dezenove anos na época, bem da verdade ele não tinha dinheiro para comprar lança perfume nem que ele quisesse e também jurou que nunca utilizou nem quando era liberado, mas...

-" diga com quem tu andas e digo quem tu és"- , a vovó sempre dizia e ele como todo jovem tinha muitos amigos.

Minhas tias eram adolescentes e podiam reclamar o quanto fosse, mas lhes era permitido somente as matinês das tardes de Carnaval no salão paroquial e ainda acompanhadas pelo meu tio. No entanto naquela tarde, minha tia Nena com dezessete anos, pediu ao irmão que a levasse no baile que seria naquela noite, o que ele resistiu como se fosse a morte, obviamente.

Minha avó os observava da cozinha enquanto escolhia feijões para o jantar e para desespero do meu tio, ela os chamou na cozinha e liberou minha tia para o seu primeiro baile de Carnaval noturno junto ao irmão, que teria que cuidar da irmã e retornar antes das onze horas da noite.

Sentindo a angústia do meu tio em ter sua liberdade reduzida a " pó" pela companhia da irmã, minha avó resolveu achar um bom motivo para que eles retornassem cedo e por vontade própria do baile, e começou...

- Antes deixa eu lhes avisar... hoje é terça-feira de Carnaval, diz a lenda que quem insistir ficar nos bailes depois da meia noite, ou seja continuar na folia nas primeiras horas da quarta-feira de cinzas, poderá ter o desprazer de encontrar com
"Os intrusos ", que são seres que rogam palavras de maldições eternas e lançam como um perfume pragas.
E ela continuou - A coisa é séria! Moças ficam mancas e estéreis, e os rapazes calvos e impotentes.-

Meu tio e minha tia olharam minha avó com risinho de canto de boca, dia a dia eles estavam ficando "espertos" em relação as lendas que minha avó contava.

Chegou a noite e finalmente foram para o baile, meu tio com seus lindos cabelos cheirando a lavanda, fantasiado de marinheiro, e minha tia toda linda vestida de melindrosa. O baile acontecia como todos os anos, foliões dançavam o "allah la ô..." e as demais marchinhas de Carnaval, o lança perfume apareceu aqui ou ali, mas de forma discreta, afinal era um baile de bairro e nem todos tinham dinheiro para comprar o spray proibido para a brincadeira. O que eles não contavam é que por volta das dez e quarenta da noite, o tempo que estava muito abafado na ocasião, iria "despencar" em uma enorme tempestade.

Onze horas, e a chuva caia torrencialmente. Onze e vinte... e nada da tempestade passar. Onze e quarenta e cinco ... e a ventania tomava o bairro todo. Começou até a gotejar em um canto e outro do salão devido a forte chuva e o baile corria solto, ninguém estava muito interessado no que acontecia do lado de fora, exceto minha tia e meu tio.

Cada segundo do relógio começou ficar angustiante para eles, primeiro que a vó Maria tinha recomendado que retornassem às onze horas e eles já estavam atrasados e segundo que eles não admitiam, mas ninguém queria ficar careca e nem manca.

Dois minutos para meia noite, e segundo a vovó havia lhes dito, eles não poderiam estar dentro do salão de baile nas doze badaladas do relógio, o fato é que a chuva ainda estava bem forte, no entanto meu tio e minha tia resolveram sair do baile, afinal ao atravessarem a porta do salão estariam livres da maldição, entretanto, quando estavam indo rumo a porta uma paquera do meu tio veio ao seu encontro para se despedir e quando ele olhou no relógio ...meia noite e dois minutos.
Já no caminho para casa, debaixo de chuva mesmo, o silêncio era imperativo, ninguém se olhava e nem falava nada.

Minha avó que os aguardava sentada na cozinha, também não disse uma palavra se quer, afinal ela sabia que o atraso era devido a tempestade e na verdade nem se lembrou da lenda que havia contado.

Os anos passaram, passaram rápido como vento, e durante uma de nossas festas de família, minha avó compartilhava dessa história com nós seus netos e confirmou: minha tia Nena que agora era mãe de seis filhos, quando voltou da morte naquele mesmo ano da festa de Carnaval, (do conto "Minha Amada Tia Morta Viva"), voltou manca e ficou assim por uma semana.

E meu tio, pai de quatro filhos, não sabia, porém estava sendo observado naquele exato momento, nós que estávamos no canto da sala junto a vó Maria o espiávamos pela porta de seu quarto, enquanto ele penteava o que lhe restara dos cabelos se olhando no espelho. Pelo jeito, e graças a Deus, ninguém ficou estéril, mas o que ficou como aprendizado do dia entre gargalhadas infantis e uma boa história divertida de vó foi: com praga de mãe não se brinca!

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