Irmãos Zanelli e o Portal dos Tempos

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Um dia desses eu estava com uma forte gripe, acontece fazer o quê! É, talvez você depois de ter lido alguns dos meus contos deva ter ficado um tiquinho em dúvida se eu sou um ser normal, não parece mas eu sou sim, -na medida do impossível - , um ser mortal e perfeitamente normal.

Estava aqui pensando e me lembrei de uns anos atrás ao ir na farmácia perto de casa, onde vi uma senhorinha de uns setenta e poucos anos, ela se aproximou do meu filho com onze anos na ocasião e começou a conversar alegre e gentilmente com ele, que meio tímido me olhava e sorria tentando ser respeitoso com a vovó que não parava de falar, então me aproximei deles e ela com sorriso nos lábios disse:

-Que lindo seu filho! Menino muito educado, raro hoje em dia. Sabe .. ele se parece muito com meu filho em sua idade.

O rostinho do meu filho se acendeu com o elogio e eu por alguns segundos fui roubada daquela situação e me lembrei de uma das histórias mais incríveis que a vovó me contou e no caminho de volta para casa resolvi contar para ele.

Assim como você eu também me parecia com a filha de alguém, sabia? Eu disse para ele. E continuei – só que eu tinha doze anos, idade que você cresceu mas nem tanto e sua mãe e seu pai sabem disso, no entanto sua avó que é sua mãe por " tabela", insiste que você precisa ir ficando aos poucos independente e sem que seus pais saibam, te manda ir comprar ovos na vendinha do Japonês, ou ir na farmácia, nesse caso específico da história, eu fui na farmácia do Sr. Victor, que por sinal é do que se trata essa conto.

O ano era 1988 e eu estava de férias na casa da vó Maria e ela me mandou ir na farmácia dos Irmãos Zanelli, lá chegando percebi que o local tinha cheiro próprio, cheiro de antigo e ainda preservava características das tradicionais boticas, seus balcões eram lindos de madeira escura e contrastavam com os frascos de rótulos amarelados que enfeitavam as prateleiras, havia também uma máquina registradora enorme toda de ferro cor de cobre em um dos balcões próximo ao caixa.

Por lá nesse dia, estava o pai do "Sr. Victor da farmácia", como nós todos o chamávamos.
O Sr. Victor, o pai, que era um senhor bem magro aparentando uns oitenta e poucos anos, estava sentado no canto próximo ao balcão, ele gostava de acompanhar a rotina do filho.

Eu entrei dei boa tarde e desde de então o velho Sr. Victor, não parou de me observar, quase que sem piscar. O Sr. Victor filho, percebeu a situação e chamou atenção de seu pai dizendo que ele iria me constranger e ele em voz baixa e rouca disse:

- É incrível filho! Como ela lembra Izabely na idade dela!

O Sr. Victor filho, abraçou seu pai como quem o confortava e isso foi o suficiente para despertar minha curiosidade sobre quem era Izabely.

Cheguei na casa da vovó, ela estava regando suas samambaias na cozinha e ao me ver logo percebeu que eu estava quieta e pensativa e foi perguntando:

- O Sr. Victor tinha o remédio, filha?

Eu coloquei o remédio e o troco sobre a mesa e sem responder a pergunta dela e sem fazer rodeios, já fui logo perguntando:

- Quem é Izabely, vó?

Minha avó sorriu e disse:

- O velho Victor estava por lá, né? Senta aqui, vou te contar quem é Izabely.

E começou...

Quando criança o Sr.Victor Zanelli, o pai, tinha sonhos com um porão mágico.
O tempo passou, ele cresceu e se tornou pai de família, porém continuou tendo o mesmo sonho de tempos em tempos, quando adulto e dono de uma enorme propriedade em Paranapiacaba, certa vez em uma tarde quente de verão, ele observava sua esposa que estava grávida, conversando com a parteira durante o chá e ele ao olhar a mulher sentiu uma estranha sensação.
A parteira que já era uma senhora de rugas profundas e mãos surradas, o olhou e parecendo estar em transe, antes mesmo de lhe dar boa tarde começou a falar e para espanto de dele e da Sra. Zanelli era uma profecia a respeito dos filhos gêmeos que a sua esposa iria parir a qualquer momento, e ela foi dizendo abruptamente, com urgência em compartilhar sua visão:

- "A família é de guerreiros imortais, um abre caminho para o outro, porém todos serão vítimas do portal dos tempos. O amor que os atrai, não conseguirá os unir, mas será o amor que os eternizará".

Como você pode imaginar a esposa do Sr. Victor ficou de olhos arregalados e o olhou sem entender nada, já para ele a mensagem gerou um certo desconforto, afinal ele sabia o que sonhava à anos sobre o portal mágico.
Dito isso, o tempo passou e dezesseis anos mais tarde a profecia nunca foi esquecida pelo Sr. Victor.
Os lindos e idênticos irmãos Pietro e Bruno Zanelli, agora com dezessete anos, costumavam ajudar o pai na propriedade e naquele começo de noite de verão quente foram à procura de sua irmã caçula Izabely.

Izabely era uma moça de quinze anos dada a leitura de romances impossíveis e com uma forte queda ao inexplicável e ao sobrenatural, certa noite sua curiosidade convenceu um dos empregados de seu pai a levá-la na cidade, era o dia do ritual da Lua, uma tradição em Paranapiacaba. Como você pode imaginar, ela era curiosa e destemida e acompanhou todo o ritual feito na praça sob a luz do luar, onde as moças virgens, que também são conhecidas como Bruxas Brancas, procuravam descobrir os portais que existem espalhados na cidade e região.

Agora preste atenção, dizem que os portais se abrem de tempos em tempos aos escolhidos e quem os encontra recebe o dom de curar enfermidades do corpo e da alma.
Bem de fato nenhum portal foi encontrado naquela noite, o que intrigou Izabely que começou a procurar incessantemente desde então. Ela desobedecendo aos seus pais, sumia e realmente irritava seus irmãos que iam procurá-la , foi então que em um desses dias, logo ao cair da noite, Bruno e Pietro tiveram que ir novamente atrás de Isabely e começaram a procurá-la nos pomares da propriedade, depois cavalgaram aos arredores, e nada. Até que foram na casa dos colonos e ninguém sabia da irmã deles, no entanto encontraram Paulo filho de um dos empregados e amigo de Izabely, que inclusive costumava a ajudá-la em suas fugas, e ao perguntar sentiram
Paulo preocupado, e de fato ele estava, o comportamento da amiga não estava normal e ele resolveu contar para Bruno e Pietro o que Izabely vinha fazendo todas as noites.
Ele lhes contou que ela ficava no porão da propriedade e estava obcecada pela história do tal portal mágico, os irmãos agora sabendo da história e achando que eram bobagens, estavam indignados e enfurecidos e voltaram para propriedade ao encontro de Izabely e durante o caminho foram tramando lhe dar um susto a fim de que os sumiços noturnos cessassem.

Foi então, que eles combinaram que ao chegar lá iriam entrar cada um por uma porta do porão ao mesmo tempo e iriam gritar:
" booo"!! e ela certamente se apavoraria e iria parar com as bobagens sobre portais e principalmente parar de sumir todas as noites. Bom ... eles chegaram e calcularam para fazer exatamente como combinaram, do lado de fora do porão dava para ouvir Izabely lendo o que parecia uma reza em voz alta, foi então que eles contaram até três e entraram ao mesmo tempo no porão iluminado por velas.

O pai deles estava cochilando no casarão, no exato minuto em que Pietro e Bruno entraram no porão, e ele sonhava o sonho que o perturbou durante toda sua vida, só que dessa vez parecia diferente, seus filhos se despediam e saiam cada um por uma das portas do porão de sua propriedade, no sonho ele também via Izabely mais velha toda iluminada, chorando sentada no meio do enorme porão entre uma porta e outra.

O fato é que a entrada cronometrada dos irmãos Zanelli, coincidiu com o momento exato da reza de Izabely que recebeu o dom da cura, porém o portal mágico se abriu e sugou instantaneamente seus dois irmãos para eternidade, muitos dizem eles foram transportados para o passado. Os anos passaram, os irmãos nunca voltaram, o Sr. Victor Zanelli teve mais um filho homem a quem ele deu seu nome.
Izabely se tornou conhecida como uma famosa benzedeira em Paranapiacaba, seus dons são incríveis até os dias de hoje, ela é uma poderosa alquimista, faz cura através de poções feitas de plantas, também cura crianças de mal olhado, bucho virado e coisas assim que nossas avós acreditavam e acreditam até os dias de hoje.

É verdade, que a vida do Sr. Zanelli nunca mais foi a mesma, ele agora velho e cansado, depois de seus filhos serem sugados pelo portal mágico, nunca mais teve o sonho, e depois da morte de sua esposa, todas as noites, antes dele vir morar com seu filho aqui na Capital, ele ficava sentado na porta do casarão na esperança de que seus filhos um dia voltassem pelas portas do porão mágico.

Acabei contando esse conto para meu filho que inocentemente me olhou e falou:

-Fique tranquila mãe, nossa casa não tem porões!

Eu logo pensei, mal sabe ele que a TV, o vídeo game e as redes sociais às vezes são portais tão nocivos como os portais do tempo e com isso em mente também pensei:

-Que nunca me falte coragem e amor suficientes para puxar o fio da tomada.

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