Dora - A Enfermeira Fantasma

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Como disse meu amigo o filósofo Platão:

"Não é preciso que a bondade se mostre, sim é preciso que se deixe ver."

Gosto de contrastes. Minha alma transita bem entre o que é "normal" e o que é digamos... meio "esquisito" e andar a pé pelas ruas de paralelepípedos no meio da tarde ensolarada no Complexo Hospitalar do Juquery em Franco da Rocha, um dia já fez parte da minha vida, naquela época eu nunca imaginaria que hoje estaria sentada escrevendo e compartilhando um conto que eu mesma vivi.

O ano é 1992, eu aos dezesseis anos já não via as coisas como muitos costumam ver, sempre gostei de caminhar e pensar na vida, o Hospital Juquery já falado aqui nesse livro, é palco de diversos contos e esse é mais deles. ERSA 14, assim também já se chamou o Hospital Juquery onde a mãe de uma amiga trabalhou por anos como enfermeira. Era comum eu e minha amiga nos encontrarmos com ela, geralmente ela começando seu turno de trabalho.

Naquele dia no entanto, minha amiga não tinha ido à aula e eu iria dormir em sua casa para terminarmos um trabalho do colégio, então fui encontrá-las no Complexo Hospital Juquery, subi lentamente aquelas ruas belíssimas de paralelepípedos repletas de verde e o cantar dos pássaros, me pareceu um convite à paz, no caminho enquanto eu observava as construções antigas na verdade eram meus pensamentos que voavam.

Fui andando e pensando como tudo teria sido no passado naquele lugar, o estranho é que a sensação de estar sendo observada me acompanhava a cada passo, minutos depois, já na parte central do hospital tive que aguardar minha amiga e sua mãe que trabalharia no turno da noite, fiquei sentada em uma enorme e comprida varanda perto da recepção e pacientemente, segui observando as pessoas aguardando atendimento, eram crianças que choravam, adultos que gemiam, enfim cena típica de hospital público e cheio no Brasil; quando o som oco de um sapato de salto começou a ecoar pelo corredor, olhei e não vi ninguém, passado alguns minutos o som sumiu.
Logo depois eu estava de cabeça baixa lendo meu livro e tive a sensação de que alguém estava vindo ao meu encontro, olhei e nada. O som do sapato ecoou novamente, olhei e... nada novamente. Só que desta vez a senhora que estava ao meu lado disse rindo:

- Calma! É só a Dora!

- Dora? Perguntei.

A velha senhora antes de conseguir me responder foi chamada para ser atendida e eu fiquei ali sozinha, e com a pulga atrás da orelha, afinal o som era alto e claro, mas não havia ninguém no corredor, até que minha amiga e sua mãe chegaram, eu as cumprimentei e já fui logo perguntando quem era a tal Dora, e a mãe da minha amiga com um ar surpreso e de suspense perguntou:

- Ela veio falar com você?

- Não! respondi sorrindo, porém confesso era meio que de nervoso.

- Ainda bem! Disse ela enfaticamente.

Por que? Perguntei, confesso meio cismada do que ouviria de resposta, quando ela me respondeu:

- Ela, a Dora, trabalhou por aqui nos tempos do Dr. Franco da Rocha por volta de 1928, isso quando aqui ainda se chamava "Colônias do Juquery", dizem que ela era uma enfermeira bastante bonita e muitíssimo simpática, dedicada e pontual. O fato é que ela sumiu sem explicação, nunca a encontraram. Quando comecei a trabalhar aqui, em uma dessas noites bem movimentadas do hospital, ouvi vários elogios a respeito da enfermeira Dora que estava atendendo em outra ala, os comentários eram unânimes, todos que vinham daquela ala a elogiavam dizendo o quanto ela era doce e prestativa. O fato é que foram tantos os elogios que resolvi perguntar para um funcionário mais antigo onde eu, onde poderia encontrar a tal enfermeira para conhecê-la. Ele ficou branco como um papel e me perguntou:

- Você a viu?

Eu respondi que não.

E ele fazendo o sinal da cruz disse:

- Que bom! Porque a enfermeira Dora é um Fantasma dos anos 30.

Olhei para minha amiga e pensei:

- pelo a Dora é simpática!- , engoli em seco. Minha amiga de olhos arregalados olhou para sua mãe, depois olhou para mim e disse:

-Vamos, quero descer antes que anoiteça!

Fomos por um longo tempo pelo caminho em silêncio, observamos que haviam até corujas no Complexo Hospitalar do Juquery, algo que nunca havíamos observado e sabíamos que o caminho de ida para sua casa certamente nos iria parecer muitoooo longo.

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