VIII

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Suspiro ao rasurar mais uma vez o que estava escrevendo. A dor de cabeça resultante da ressaca somada à gaze do tamanho de uma laranja em minha palma não estava colaborando para que eu terminasse aquele relatório mais depressa. Para dizer mesmo a verdade, estava acostumado a ter enxaquecas, mas podia falar com segurança que provavelmente não havia nada que me atrapalharia mais no momento do que o embrulho monstruoso de curativos em minha mão direita.

Levanto o olhar assim que escuto as portas se abrirem, e avisto Frank adentrando o laboratório.

Você só pode estar de brincadeira. Pensei que ainda havia que verbalizar o maldito pensamento para que o karma funcionasse.

Verdade seja dita: ainda não estava pronto para falar abertamente sobre o que havia acontecido na tarde passada. Se quer minha total sinceridade, acho que não estaria pronto para falar disso nem em meu último dia de vida. Entretanto, não parecia haver escapatória da terrível tensão sentimental que se assentava em meu peito a cada passo hesitante que o Vermelho dava em minha direção.

Ele parecia surpreso ao me ver ali, como se aquele não fosse um dos lugares onde mais passava o tempo. 

— O que está fazendo aqui? Pensei que estava no Reino Azul... não deveria estar de volta tão cedo.

Suspiro. Então era isso.

— Foi só um susto.— murmuro, voltando minha atenção para o papel.— Mikey sabe que estou ocupado, não ligou quando saí hoje de manhã.

— Não falei por conta dele, falei por você.

Engulo em seco, ainda sem encará-lo. Então não era apenas isso.

— Eu... estou bem, Frank. Não precisa se preocupar comigo, o que aconteceu ontem foi apenas um infortúnio. Você estava no lugar errado na hora errada, peço as minhas mais sinceras desculpas com relação ao que-

— Olha aí! É disso o que eu tô falando!— ele exclama, se sentando em uma das cadeiras para se debruçar sobre a mesa.— Quando finalmente acho que vai se abrir um pouco mais comigo, você recua e age como se nada tivesse acontecido!

Respiro fundo. De repente, toda aquela papelada debaixo de minhas mãos parecia inútil. Era uma sensação que me acometia de vez em quando, a perda do sentido em ações comuns do dia a dia. Haviam vezes em que me encontrava olhando para todos os livros já lidos em minha biblioteca e me perguntava do que tudo aquilo serviria, no final. Quando meus últimos suspiros chegassem, do que aquelas milhares de estantes serviriam? Quanto dos trilhões de palavras armazenadas em minha mente conseguiria verbalizar antes que meu coração enfim entrasse em repouso absoluto? Em que ordem as colocaria? Qual entonação usaria?

E pior: elas seriam lembradas? Seriam essas as palavras que preencheriam as páginas finais de um livro com meu nome em sua capa? Ou estariam em um papel para serem simplesmente proferidas uma única vez em meu próprio funeral e então esquecidas para todo o sempre?

Pigarreio, tentando me concentrar.

— Quando o álcool chega no estômago, parte dele é enviada para o intestino delgado, enquanto outra é absorvida pelo sangue. Essa porcentagem absorvida pode atravessar a barreira hematoencefálica, e lá, retarda as atividades no sistema nervoso central, mais precisamente no córtex do cérebro, que é responsável por controlar o comportamento, os pensamentos e as emoções.  

— O que você tá fazendo?

— Esse tipo de substância interrompe os sinais elétricos entre as sinapses nervosas, portanto o indivíduo é incapaz de interpretar informações da maneira correta. Além disso, ele tende a reagir emocionalmente em exagero, e isso cobre desde surtos depressivos e choro a raiva irracional.

A Love Like War | FrerardOnde histórias criam vida. Descubra agora