IV

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A última semana havia sido maravilhosa, ousava dizer. Importunar Gerard nos piores momentos havia se tornado meu passatempo favorito do dia, e também me atrevia a afirmar que era particularmente bom naquilo. Decidimos não fazer uma reunião geral com os outros representantes ainda, porque queríamos dar-lhes a mínima impressão de que estávamos sabendo de alguma coisa- mesmo se isto se mostrar ser uma completa mentira, no final das contas-, então Caspar havia dito para Gerard levar o tempo que precisasse e dar o sinal quando encontrasse alguma informação.

Entretanto, por mais que não houvesse absolutamente pressão nenhuma em cima de si, o Azul havia se trancado no laboratório há aproximadamente três dias... e eu não havia o visto desde então. Sabe, por mais de termos tido nossa primeira conversa coerente sem xingamentos durante uma autópsia e todas as outras não sendo menos... icônicas, não podia negar que estes dias foram chatos sem sua presença por perto. Na verdade, ir ao Castelo Dourado era sempre desconfortável para mim, já que era completamente diferente da minha tenda no Reino Vermelho. Tinha que tomar banho em uma banheira de verdade ao invés do rio, me alimentar em um horário marcado e... andar vestido da cintura para cima. Não acho que algum dia me acostumaria com camisetas, mesmo que a vida de Rei Vermelho me obrigasse a ter de suportá-las.

E era por isso que agora eu caminhava alegremente em direção ao lugar onde tinha uma vaga ideia ser os laboratórios. Ficava perto do necrotério, se a memória não me falhava, e minha teoria é confirmada quando abro as grandes portas e encontro um homem debruçado sobre uma mesa, os olhos escondidos nas lentes do microscópio.

— Quanto tempo... sabe, achei que tivesse morrido aqui dentro. — sorrio, rapidamente me colocando ao seu lado e me sentando desleixadamente em uma das cadeiras. — Mas acho que aí você já teria sido levado para a sala ao lado e sido posto em uma daquelas gavetas das quais gosta tanto, não?

 Gerard não desvia o olhar para me encarar. Na verdade, nem sequer me responde. Arqueio uma sobrancelha.

— Vai me ignorar? É sério? É assim que lida com os problemas em seu Reino? — coloco meus pés em cima da mesa, levantando as sobrancelhas. — Tá certo que imaginava você fazendo algo parecido, mas não posso negar que estou um pouco chocado.

O Azul solta um longo e cansado suspiro.

— Não é uma boa hora, Frank... estou trabalhando. E tire os pés da minha mesa.

Faço um barulho com a boca, ignorando sua ordem.

— Nah, besteira, você esteve trabalhando nos três últimos dias! — arregalo os olhos, fingindo estar assustado. — Você tá comendo comida de verdade também ou só cérebro de gente morta?

O anjo solta um bufar tão pesado que quase fico com medo das amostras em sua frente serem levadas pelo vendaval causado por seus lábios. Ele leva a ponta dos dedos à têmpora, e o leve massagear que faz ali me causa a impressão de que não é a primeira vez em que se vê obrigado a fazer este tipo de coisa, ao ponto de realizar o ato sem nem ao menos perceber mais.

— Hey, eu sei que ser impertinente é meio que a sua coisa e tudo o mais, mas... teria como você, tipo, não ser... só por um tempinho? — sua voz estava doce quando finalmente retira o rosto do microscópio e me encara. Na verdade, não doce, mas... cansada. — Eu estou exausto. Você não faz ideia. Não durmo há... uns cinco dias porque estou tentando descobrir informações de uma espécie da qual ninguém nunca ouviu falar, e nem ao menos tenho acesso a todo o conhecimento anatômico que teria se estivesse no Reino Azul. Ainda tenho muito o que fazer, não descobri praticamente nada sobre esse anjo, e... você, de verdade, não está ajudando... principalmente com os pés em cima da minha mesa. — seus olhos atingem um tom lamentador, me implorando para que o escutasse. — Tem como você me dar um tempo, só desta vez?

A Love Like War | FrerardOnde histórias criam vida. Descubra agora