V

351 35 146
                                    

Respiro fundo ao fechar as amplas portas esculpidas atrás de mim e começar a andar pelo corredor, sentindo meu coração apertar cada vez mais à medida que me distanciava dos laboratórios.

Há quatro dias, Frank tinha aparecido, e... com certeza não o tratei de maneira agradável. Sim, ele fez piadinhas maldosas e se atreveu a colocar aquelas botas imundas na minha mesa higienizada- ato que não posso nem começar a descrever o quanto havia me enfurecido-, e sim, eu estava cansado após três dias de frustrações por não ter descoberto nada, mas... eu não poderia tratá-lo desta maneira. Não era justo. Por mais mal-educado, irritante, impertinente, maldoso e desagradável fosse, eu ainda deveria tratá-lo como qualquer outro anjo com quem convivia.

Aquele dia foi bem... desconfortável, diria. Quando descobrimos que o corpo provavelmente viera da Europa e a... a coisa de toques aconteceu e Caspar chegou- saindo tão rápido quanto-, nós... apenas voltamos a trabalhar em silêncio, até o momento em que o horário do jantar se aproximava e ele tentou me convencer a dar um tempo na investigação.

- Qual é, Gerard. Você precisa comer.

Eu suspirei, sem tirar o olhar do microscópio.

- Eu realmente estou sem fome, Frank... obrigado, de qualquer maneira. Talvez eu chegue lá alguns minutos antes de acabar e belisque alguma coisa, não se preocupe comigo, pode jantar em paz.

Após um bufar impaciente, o Vermelho saiu, ao qual agradeci mentalmente no momento. Aquele havia sido um ato nobre de sua parte, não podia negar, e que novamente parecia vir isento de segundas intenções, mas eu ainda poderia me alimentar sozinho. Ainda sabia o momento em que meu corpo não aguentava mais e precisava de descanso, e sabia que poderia ficar tranquilo por mais boas horas sem comer nada.

Entretanto, o que não contava era que ele voltou, poucos minutos depois, e, quando percebi isto e finalmente tirei minha atenção das amostras, vi um prato de comida na minha frente.

- Coma. - ele se sentou em sua cadeira, colocando os pés em cima da mesa, um outro prato (este consideravelmente mais cheio) no colo.

E Frank não saiu dali. Mesmo após ter terminado o próprio jantar. Mesmo após eu ter tentado lhe convencer de todas as formas que aquilo era ridículo e desnecessário, ainda assim não saiu, e, no final, eu acabei por perceber que concordar com ele levaria bem menos tempo do que tentar lutar.

Sua paciência me comoveu, para ser sincero. Na verdade, não a paciência, mas a preocupação. Ele disse, posteriormente naquele mesmo dia, que estava preocupado com o funcionamento do meu cérebro, porque seria de grande ajuda para o resolvimento do caso, e que por isso estava se certificando que esta máquina continuasse funcionando saudavelmente a todo vapor.

Mesmo assim, também insistiu para que eu dormisse um pouco em minha própria cama quando o relógio bateu dez horas.

E daquela vez, não neguei.

Me senti culpado quando a manhã chegou. Ao abrir os olhos no conforto de minha cama, após uma renovadora noite de sono, me senti culpado pela maneira como o tratei, principalmente pelo que fez por mim. Está certo que fui indelicado bem antes de fazer tais coisas, mas, de qualquer maneira...

Isto me perseguiu por dias. A ideia de que alguma coisa não estava certa entre nós dois. Ele não ficou comigo o tempo todo naqueles dias, e não esperei que ficasse, porém ainda passava no laboratório de vez em quando para lembrar-me de comer ou de ir para a cama, senão em pessoa, então por meio de algum Guarda Dourado. Estes momentos reforçavam ainda mais a ideia de que eu deveria dizer alguma coisa... qualquer coisa. Qualquer coisa talvez me fizesse sentir menos um monstro, ou poderia muito bem apenas intensificar o sentimento. Talvez fosse um erro abrir a boca para proferir qualquer palavra que não fosse relacionada a trabalho.

A Love Like War | FrerardOnde histórias criam vida. Descubra agora