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— Gerard.

Levanto o olhar de meu livro e encaro meu irmão. Suas pernas estavam presas na escada que usávamos para atingir as prateleiras mais altas e seu corpo, pendurado, de maneira que o rosto pálido e com severas marcas de acne estava bem em frente ao meu. Ele sorri.

— Visita. Pra você.

Suspiro, esfregando minha têmpora e voltando o olhar para meu super interessante livro sobre teoria molecular.

— Diga que estou ocupado fazendo uma pesquisa... ou sei lá. Algo do gênero. Só não quero ver ninguém agora...

— Acho que vai querer sim...

Seu sorriso cresce. Bufo, fechando o livro.

— Por que você acha que eu gostaria de ver alguém agora, Michael?

— Porque esse alguém é a tia Clementia, seu cabeça-de-página.

Ele mostra a língua de maneira infantil. Às vezes era difícil acreditar que já tinha dezesseis anos e de vez em quando me aconselhava na legislação nacional... droga, sabia que era um pensamento irracional, pois nunca havia me separado do garoto durante todos esses anos, mas ele cresceu tão rápido. Ainda me lembrava de quando lhe faltavam os dentes e ele não conseguia manter as asas retraídas. 

Pensando bem, o último ponto não mudou muito.

—  Okay, tudo bem... mas desça já daí. Não quero você se machucando ou colocando fogo na biblioteca... de novo.

— AQUILO SÓ ACONTECEU UMA VEZ! E EU TINHA OITO ANOS!

Ele berra, e me permito soltar uma pequena risadinha enquanto abria as grandes portas. Mikey era uma das únicas coisas que me fazia sorrir em dias como aquele, quando o céu estava encoberto por nuvens e meu Reino parecia muito mais sombrio e... ameaçador.

Eles disseram que governava bem. De uma maneira justa. Disseram que estava fazendo as decisões certas, mas... e se não estivesse? E se a situação lá fora estivesse muito pior do que imaginava? Nunca... nunca de fato saí do castelo e andei livremente pelo Reino... apesar de haver noites em que minhas costas coçavam tanto que havia de deixar com que as asas saíssem, e, quando olhava a janela e o céu salpicado de estrelas, sentisse aquele instinto feral de me jogar dali e voar pela noite se tornar tão avassalador que me trincava os dentes. O instinto feral de sentir o vento em minhas bochechas, empurrando meus cabelos para trás. De voar rápido o bastante para que o vento cortasse meu rosto, para que levasse tudo o que finjo ser embora e deixasse apenas o que realmente sou. Entretanto, eu não seguia estes instintos. Em vez disso, olhava para ter certeza se a janela estava bem trancada e se Mikey ainda estava em seu quarto. Apenas Deus sabia o quanto o jovem gostava de escapar durante a noite para voar pelas montanhas, e, por mais que lhe contássemos os perigos de se expor desta maneira, eu sabia que o menor não daria ouvidos a todos os avisos e alertas e broncas. 

E era exatamente por isso que checava as janelas de seu quarto também.

— Clementia, querida, o que é tão importante que a trouxe aqui sozinha? Está congelando, aceita uma xícara de chá?

Pergunto, segurando docemente as mãos da senhora baixinha em minha frente. Apesar das asas dos Prateados serem extremamente frágeis e por conta disso terem que usar armaduras encantadas pelos Pretos para se tornarem leves, ela não as utilizava no momento. Honestamente, não conseguia me lembrar com clareza de um dia sequer em que havia visto as plumas transparentes como vidro encobertas por algum tipo de proteção. Já havia lhe dito diversas vezes para que vestisse algo, mas a Rainha cismava em me dizer que poderia se cuidar sozinha.

A Love Like War | FrerardOnde histórias criam vida. Descubra agora