Capítulo 20

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  Acabei descobrindo que Belfim era dividida em várias pequenas cidades, cada uma para um patamar da sociedade, e que nem sempre era possível que aqueles de níveis inferiores pudessem transitar livremente nos níveis mais altos.

Hasim e eu estávamos num dos níveis mais altos que poderíamos subir. A bagunça que antes se via nas periferias da cidade deixava de existir. Os homens truculentos e mal cuidados, davam espaço para homens com mais elegância. As mulheres bem mais refinadas, até mesmo os escravos estavam melhores cuidados que seus irmãos no porto. E eu, acabava por me destacar naquela multidão mais sofisticada. Pensei em voltar ou entrar em alguma loja e mudar minhas roupas, já procurava uma loja que pudesse me auxiliar na tarefa quando Hasim me puxou pela mão, me levando a uma interseção formada por duas ruas largas.

Em meio as pessoas que passeavam, dispersas em seus próprios deveres, estavam dois homens que se vestiam inteiramente de preto, a capa que usavam, que chegava quase até o chão, possuía um caractere prateado que eu não reconhecia. Aquelas vestes se assemelhavam tanto com as de Mestre Quith que me fizeram sentir saudades do meu antigo tutor.

O mais velho dos dois, possuía a barba branca cortada impecavelmente rente ao rosto, os cabelos em tom semelhante eram lisos e seu comprimento chegava até o queixo. O mais novo, tinha o cabelo em um castanho quase ruivo, com pequenos cachos que o deixavam com uma aparência desorganizada. Conforme eles cruzavam com as pessoas, recebiam reverências. Alguns homens chegavam a retirar os chapéus em cumprimento.

Os segui por um tempo, sempre tentando manter uma distância segura, mesmo que minha aparência quase não permitisse que eu passasse despercebida. Os dois se dirigiram até uma passagem, um portão duplo feito de ferro onde haviam ondas moldadas em grandes placas que o enfeitavam, o caminho seguia mais a frente, como um pequeno túnel, dois guardas faziam a segurança e provavelmente mais dois estariam do outro lado. Era a divisão que mantinha a população mais pobre presa em seu distrito. Parei tentando imaginar um meio de conseguir passar por aqueles portões.

– Então é isso o que você busca.

Saltei com o susto que levei me afastando rapidamente. Nean estava atrás de mim, falando bem perto ao meu ouvido. Agora durante o dia eu tinha melhor noção de suas feições, seu maxilar era robusto, a face era ainda jovem, deveria ter no máximo uns trinta anos, sobrancelhas grossas que o davam um ar mais masculino, mas foi nos olhos de Nean que me vi concentrada. Sua íris era de um castanho claro como âmbar que ia escurecendo e se tornando vermelho conforme se aproximava da pupila.

– Se continuar me olhando assim vou ficar envergonhado.

Precisei desviar os olhos para o portão onde os pensadores entraram para recobrar minha concentração. Nean havia se aproximado de mim sem nem mesmo eu notar sua presença. Nem Ashen ou Jasper me alertaram, mesmo com seus sentidos mais aguçados que os meus. Isso só me deixava mais desconfiada. O Comandante mordia uma maçã, uma postura tão relaxada quanto a da noite que o vi pela primeira vez. A túnica em formato semelhante a primeira, dessa vez era clara, uma tonalidade de vermelho, a espada presa a cintura possuía o pomo igual à de meu pai, mas o guarda-mão era mais grosseiro, formando um aspecto de chamas.

– Chamar a atenção desses beatos é igual a pedir que uma pedra se dobre.

– O que você sugere?

Nean riu de mim e voltou a morder a maçã. Esperei um tempo pela resposta, mas ele continuou calado, apenas me olhando. Expirei com raiva.

– Qual o preço?

Os olhos dele pareciam brilhar, e eu me senti caindo numa armadilha. O coração começou a palpitar, eu não sabia quem ele era, mas ao mesmo tempo, sentia como se o conhecesse de alguma forma.

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